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Uma parceria mais madura

Centenas de projetos de desenvolvimento malograram na América Latina e no Caribe, com desperdício de muitos milhões de dólares, porque os beneficiários que se pretendia atingir não foram convidados a participar.

Os tempos mudaram, entretanto. Regimes democráticos exigem que os governos prestem contas de seus atos para ganhar a confiança do eleitorado e a liberalização do mercado transformou o Estado de monarca absoluto em parceiro de empresas e cidadãos. Nessas sociedades mais vigilantes, já não é tão fácil esbanjar verbas públicas ou levar a bom termo projetos de desenvolvimento sem consulta popular.

Além do mais, agora temos indícios seguros de que uma maior participação da sociedade civil na administração de atividades do governo tem importância econômica, porque se comprovou que o sucesso e a sustentabilidade de muitos projetos dependem do grau de apoio local. Importantes instituições internacionais de crédito, como o BID, estão cada vez mais convencidas de que o mesmo raciocínio se aplica a programas de desenvolvimento.

Abrindo uma porta. Na verdade, o BID está atualmente pondo em execução mecanismos destinados a integrar "vozes, opiniões, sugestões e críticas da sociedade civil" ao longo de todo o processo de concessão de empréstimos. Numa reunião de especialistas do Banco com organizações da sociedade civil, realizada em novembro de 2000, o presidente Enrique V. Iglesias prontificou-se a "abrir uma porta a todos os cidadãos para os projetos e as atividades do BID." Iglesias falou do compromisso do Banco de levar a cabo uma política mais agressiva de divulgação de informações, criar projetos inovadores com componentes que possam ser executados por grupos da sociedade civil, envolver os diretamente interessados na elaboração do projeto e manter consultas regulares sobre as estratégias setoriais do Banco.

O BID está aplicando lições aprendidas com projetos recentes, em que a participação dos interessados ajudou a elevar ao máximo o emprego eficiente dos recursos. Um desses projetos, que entra agora em sua segunda fase, foi a iniciativa de desenvolvimento comunitário Favela-Bairro, no Rio de Janeiro. O projeto, estudado amplamente, deve seu êxito em grande parte ao envolvimento intenso das comunidades locais nas fases de planejamento e execução. De forma semelhante, o Programa de Desenvolvimento Integral das Comunidades Indígenas do Chile, depois de fracassos anteriores devidos à falta de participação, começou a dar resultados quando uma série de encontros com representantes de vários grupos étnicos teve como conseqüência uma melhor compreensão das prioridades.

Há inúmeros outros casos em que o sucesso ou fracasso de uma operação do BID (em áreas sensíveis como as das reformas educacional, fiscal e judicial, ou da modernização do Estado) dependeram da presença ou ausência de participação dos beneficiários. A reconstrução da América Central depois do furacão Mitch e o processo de paz na Guatemala são exemplos de iniciativas importantes que não teriam sido viáveis se a sociedade civil não tivesse sido parte integral do processo desde o início.

Mesmo questões mais rotineiras como a construção de pontes, rodovias, sistemas de esgotos ou latrinas podem se converter em empreendimentos comunitários dinâmicos ou em fracassos, dependendo da participação local. Em Belize, a população de uma comunidade lavava roupas com a água canalizada graças a um programa de desenvolvimento, mas continuava a beber água da chuva acumulada em tanques contaminados por chumbo porque a comunidade não fora envolvida durante o planejamento e execução do programa e não entendia seus benefícios. Por razões semelhantes, em muitas regiões remotas da América Latina os pais não mandam os filhos para as escolas rurais.

Inclusão de participantes. De todas as tarefas, a mais difícil é passar da teoria à prática. Como a sociedade civil se encaixa na agenda de uma instituição como o BID e que papel pode desempenhar? Essa questão não é nova para o Banco. A sociedade civil tem sido parte integrante de vários projetos do BID, com resultados muito favoráveis, em particular nos anos após 1994, quando o Banco expandiu acentuadamente seus empréstimos ao setor social.

O desafio do BID é estender o enfoque na participação à maioria de suas atividades regionais. De acordo com Cintia Guimarães, especialista em questões da sociedade civil do Escritório de Aprendizagem do BID, essa tarefa se complica pelo fato de persistir ainda, entre muitos funcionários do governo, "o medo de que o trabalho com a sociedade civil acarrete mais problemas do que benefícios". A mesma apreensão é manifestada por alguns especialistas do Banco que planejam e executam projetos e é reforçada pelo papel polêmico de certos grupos da sociedade civil que raramente se dispõem ao diálogo. Os programas de trabalho rigorosos, tanto do BID quanto dos especialistas governamentais, bem como a perene escassez de recursos são vistos como obstáculos adicionais à informação e consulta junto à sociedade civil durante a fase de planejamento do projeto.

Apesar dessas dúvidas, muitos funcionários de governos e especialistas que trabalharam em projetos que incorporam a sociedade civil consideram que o esforço vale a pena. "Um dos nossos objetivos principais é propiciar o diálogo entre os governos e a sociedade civil e apoiar projetos sustentáveis que tenham impacto favorável no desenvolvimento econômico e social dos países", diz Guimarães. "A participação da sociedade civil ajuda o Banco e os governos a executar projetos de maior sucesso, mais sustentáveis e mais apropriados às necessidades de seus cidadãos."

Em novembro de 1999, Iglesias propôs um plano de ação que levou à aplicação de medidas concretas e imediatas no âmbito do BID. Criou-se no Banco um grupo de coordenação de atividades de participação, com o novo papel de elemento de ligação com a sociedade civil, em todos os escritórios locais do Banco. O Escritório de Aprendizagem desenvolveu uma estratégia de treinamento baseada em oficinas na sede do BID e em escritórios localizados nos países. Essas oficinas incluem representantes do governo, da sociedade civil e do Banco e são usadas para estabelecer novas alianças e compartilhar experiências.

"Sensibilizar nossos clientes e os quadros do Banco são aspectos decisivos para progredir nesse terreno", diz Cíntia Guimarães, acrescentando que mais de 600 pessoas participarão dessas oficinas até o fim de 2002. "No encerramento da oficina", acrescenta ela, "os participantes geralmente declaram estar mais informados e mais compenetrados da importância do trabalho em conjunto.” Além disso, uma avaliação do impacto dessas oficinas, feita recentemente por uma consultoria, mostrou que os participantes não só gostaram da interação e do conteúdo das oficinas, mas estavam mudando seu comportamento em relação à questão".

O BID apóia ainda a manutenção de diálogos francos e regulares com organizações da sociedade civil e a formação de comissões consultivas nos escritórios locais do Banco em países da região. O Banco considera esse envolvimento dos cidadãos como um instrumento decisivo para combater a pobreza e a desigualdade e um fator fundamental para a humanização dos programas de desenvolvimento e a consolidação da democracia.

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