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Uma estrada com muitos cenários

Para o bem ou para o mal, nada no arsenal do desenvolvimento se compara em poder a uma estrada para transformar a terra e a vida de seus moradores.

Sobretudo nas áreas de fronteira, as estradas muitas vezes detonam uma cadeia de eventos de difícil previsão. Recém-chegados limpam a terra e implantam novos sistemas de produção. Embora criem empregos e oportunidades, as mudanças também podem destruir o meio ambiente e ameaçar a cultura e os meios de subsistência dos que já vivem lá.

Este foi o cenário que os planejadores procuraram impedir em um novo projeto de desenvolvimento sustentável financiado pelo BID na província de Darién, no Panamá. Uma parte significativa do projeto consistiu na pavimentação de uma estrada de terra que termina na cidade de Yaviza, bem perto da fronteira sul do Panamá com a Colômbia. Esse vasto trecho de floresta ao longo da fronteira permanece em grande parte intocado e hoje é um parque nacional.

Para muitos dos moradores locais, a necessidade de se pavimentar a estrada é imperativa, pois boa parte dela só é transitável durante o breve período da estação da seca. Mas outros temem que a melhoria da estrada acelere a entrada de estranhos na região, ameaçando a integridade cultural dos povos indígenas e destruindo ecossistemas frágeis. Em resposta a essas preocupações, os planos de pavimentação da estrada passaram a fazer parte de um projeto de desenvolvimento sustentável integrado, que inclui áreas protegidas, títulos de propriedade de terra e recursos para ajudar os governos locais a gerir corretamente o uso e o desenvolvimento da terra.

Essas metas levantaram questões importantes: Como os recursos florestais estão sendo usados? Quais as áreas de Darién que precisam de mais proteção? Onde devem se concentrar os esforços de fiscalização e mitigação?

Para ober algumas das respostas, o BID financiou uma série de estudos de previsão de como o uso da terra mudaria em seguida à pavimentação da estrada. Entre estes, há um estudo de análise espacial em que se usaram dados geográficos e socioeconômicos na construção de um modelo para indicar as alterações resultantes da redução nos custos dos transportes e de outros fatores. O estudo foi realizado por Gerald Nelson e Virginia Harris, ambos da Universidade de Illinois, e Steven Stone, especialista em meio ambiente do BID.

No conjunto, eles chegaram à conclusão que a pavimentação da estrada teria um efeito relativamente pequeno no desmatamento da província, sobretudo no parque nacional. Tampouco aceleraria a extração de madeira de lei, em grande parte porque a madeira mais valiosa já foi removida depois que a estrada de terra foi concluída em 1984.

No entanto, a pavimentação da estrada poderia reduzir dramaticamente as florestas de "cativo", espécie comercial usada na fabricação de compensado. As florestas seriam possivelmente substituídas por pastos e mais tarde por florestas dominadas por árvores de "cuipo", espécie de pouco valor comercial. A pavimentação da estrada provavelmente aumentaria a área dedicada a pasto em cerca de 500 quilômetros quadrados. Da mesma forma, a introdução de uma balsa para a cidade de La Palma aumentaria as terras de pastoreio a expensas da floresta de cativo, de roçados e da agricultura.

Em outro cenário, os autores tentaram prever o que aconteceria se o mesmo sistema de direitos de propriedade e de práticas de uso da terra atualmente em uso em uma reserva indígena localizada na parte norte da província fosse estendida à província como um todo. A conclusão é que haveria uma redução dramática de todos os tipos de intervenção humana na paisagem. A área coberta pelas florestas de cativo aos poucos acabaria triplicando e as regiões hoje usadas para pastos e agricultura reverteriam a florestas dominadas pelo cuipo.

"Fica bem claro que o uso cultural da terra e dos direitos de propriedade eficazes fazem a diferença no uso da terra na província de Darién", escrevem os autores do estudo. Como resultado dessas conclusões e de um conjunto de outros estudos empreendidos para preparar o projeto, está sendo adotada uma abordagem gradualista – associando os ganhos da distribuição de títulos e da demarcação da terra à pavimentação de trechos individuais da estrada – para garantir que a terra e seus habitantes sejam preservados para o futuro.
 

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