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Um gigante do microcrédito

"Aprendi este ofício com meu pai. Comecei ajudando-o, aos 17 anos de idade", diz Juan Domingo Maggio, agora com 41, que faz objetos de decoração em prata, bronze e metal revestido de prata em sua pequena oficina doméstica num bairro operário de Santiago, Chile. "No início, só fazíamos os trabalhos de metal, mas não podíamos completar o último passo, o banho de prata."

Este era um problema sério para os Maggio. Seus clientes – lojas de presentes de alta categoria e instituições que encomendavam bandejas, candelabros, placas comemorativas e troféus – perguntavam sempre por que eles não podiam entregar o produto acabado, em vez de passá-lo para outras pessoas fazerem o banho de prata e, nas próprias palavras de Juan Domingo, por que não "comiam o bolo todo".

A situação continuou a mesma até que os Maggio obtiveram o primeiro microempréstimo, em 1995. Ou seja, quando o Banefe entrou em cena. "Explicamos a nossa situação e eles nos apoiaram", explicou Juan Domingo.

Com um empréstimo inicial de aproximadamente US$1.000 do Banefe, a subdivisão de crédito ao consumidor do Banco Santander, um dos principais bancos comerciais do Chile, os Maggio começaram a melhorar sua oficina. Conseguiram um segundo empréstimo no mesmo valor, depois um terceiro de cerca de US$2.000 e, no último ano, um quarto empréstimo, de US$3.000. Juan Domingo, que agora trabalha com a esposa, Rosa Zubarzo, recebeu recentemente um cartão de crédito, que lhe permite retirar dinheiro até um limite de crédito previamente aprovado.

Os Maggio não ficaram ricos com os empréstimos, mas agora podem fazer planos para o futuro que não teriam passado de castelos de areia se lhes tivesse faltado o acesso ao crédito. Juan Domingo gostaria de ampliar a oficina e separá-la melhor da moradia. O casal contrata empregados temporariamente nos picos de demanda, mas o que eles de fato gostariam de fazer seria empregar um vendedor que os liberasse para fazer o que fazem melhor, ou seja, seu ofício. "Mas vamos ver como as coisas se encaminham. Não se trata de apenas contratar cada vez mais gente", diz ele.

Setor em expansão. Há cerca de 400.000 microempresários como os Maggio no Chile, pessoas que têm pequenas empresas que empregam menos de dez trabalhadores. Como em outros países latino-americanos e caribenhos, as microempresas não são apenas uma importante fonte de empregos. Constituem também um porto seguro para milhões de pessoas de baixa renda durante fases de retração econômica.

Instituições como o Banco Interamericano de Desenvolvimento se empenharam, durante décadas, em sustentar esses frágeis empreendimentos, tentando sobretudo ampliar o seu acesso ao crédito formal. No entanto, somente um de cada 20 microempresários tem acesso a esses serviços financeiros. A maior parte deles dispõe apenas de seus parcos recursos ou de empréstimos informais de membros da família, na melhor das hipóteses e, na pior, de prestamistas agiotas.

No Chile, a proporção de microempresários com acesso ao crédito formal está provavelmente mais perto de um para quatro. Cerca de 100.000 obtiveram pequenos empréstimos. Isso se explica em grande parte devido ao sucesso de um programa lançado em 1992 pelo governo chileno para incentivar os bancos comerciais a conceder pequenos empréstimos. O Banefe, que emprestou aos Maggio, está entre os mais bem-sucedidos participantes do programa, conhecido sigla em espanhol IFIS. O Banefe é a subdivisão de empréstimo ao consumidor do Banco Santander do Chile, uma unidade da gigantesca casa bancária espanhola Banco Santander Central Hispano (BSCH).

Só o fato de uma instituição tão grande como o BSCH se interessar pelo microcrédito já representa um divisor de águas no desenvolvimento desses serviços na América Latina. Os superbancos, além de poderem distribuir em massa seus produtos por meio de suas redes (só o Banefe tem 70 agências no Chile), também têm acesso privilegiado ao mercado de capitais, ao contrário da maioria das instituições sem fins lucrativos, fundações e organizações não-governamentais que têm tradicionalmente apoiado os microempresários.

Mas como foi observado no III Fórum Interamericano da Microempresa, realizado pelo BID em Barcelona no último mês de outubro, os países latino-americanos precisam ainda superar diversos problemas estruturais para que os serviços financeiros à microempresa se tornem parte integrante dos bancos comerciais. Para essas grandes instituições movidas pelo lucro, os pequenos empréstimos acarretam custos relativamente altos, requerendo tecnologias especializadas e equipes com treinamento específico. Além disso, embora muitos governos manifestem grande entusiasmo pela microempresa, freqüentemente têm leis e normas que tolhem seu desenvolvimento.

Um gigante cauteloso. Através de sua filial chilena, o BSCH é a maior empresa bancária da América Latina a operar com pequenos financiamentos em grande escala. O grupo financeiro, formado com a fusão dos bancos espanhóis Santander e Central Hispano, tem unidades em 37 países, com 8.500 agências e mais de 24 milhões de clientes. Só na América Latina, o BSCH tem aproximadamente 50.000 empregados e participação em 16 bancos, sete companhias de administração de fundos de pensão, 13 firmas de fundo mútuo, nove companhias de seguro, dez empresas de corretagem de ações e dez companhias de factoring e leasing.

Como a microempresa se ajustou à estratégia de um grupo que proclama como missão a determinação de se tornar a maior franquia financeira da América Latina? De certo modo, foi um legado da Financiera FUSA, empresa chilena adquirida em 1995 pelo Santander. A FUSA começou a dedicar-se a pequenos financiamentos em 1992, quando o governo chileno deu início ao programa IFIS, que oferecia a mutuantes comerciais subsídios para a concessão de empréstimos a autônomos que, por falta de ativos, não tinham acesso a crédito formal.

Por meio do programa IFIS, o Fundo Solidário para Investimento Social (Fosis) do governo federal concede subsídios a bancos comerciais que fazem microempréstimos. Esses subsídios, que atualmente são da ordem de $85 por empréstimo, cobrem parte do custo dessas transações modestas.

Quando o Santander assumiu o controle da FUSA, esta contava com cerca de 2.000 microclientes. Com base tanto nos juros baixos como no impacto social desse tipo inusitado de negócio, os novos proprietários decidiram imprimir-lhe um novo impulso com o objetivo de se tornar o principal microprestamista do Chile.

Cinco anos depois, o Banefe tem perto de 40.000 microclientes. Em outubro, ganhou uma menção honrosa nos Prêmios Interamericanos do BID de Excelência em Desenvolvimento da Microempresa. Seus próprios mutuários também parecem ter ótima opinião sobre o banco. Segundo levantamento realizado pela empresa de consultoria de marketing Adimark, 90% dos clientes do Banefe consideravam seus serviços satisfatórios ou mais.

Um começo cuidadoso. Seu progresso foi intencionalmente gradual, segundo dois dirigentes do Banefe, Osvaldo Barrientos e Pedro Pablo Ortiz. "Quando se fala de microfinanças, está-se falando realmente de muitos subgrupos, como comerciantes, artesãos, fornecedores da indústria e assim por diante", diz Barrientos, administrador da divisão de financiamento ao consumidor. "Assim, a primeira coisa a fazer é aprender a respeito do segmento em questão."

Para fazer isso, o Banefe teve de desenvolver ferramentas eficazes para analisar os micro-empréstimos, que requerem tecnologias e métodos diferentes dos usados no empréstimo ao consumidor. O banco também delineou estratégias de marketing para se comunicar com os microempresários, que tendem a trabalhar no setor informal. Isso exigiu a montagem de uma equipe de vendas, que chega agora a 400 funcionários de microempréstimos, além de 40 analistas de microcrédito que visitam os clientes para aconselhá-los e avaliar suas necessidades financeiras. Eles também se dedicam à orientação dos novos clientes, que em sua maior parte nada sabem a respeito de crédito porque simplesmente nunca lhes foi dada essa oportunidade.

A curva de aprendizado principia com o primeiro empréstimo, que de um modo geral é grande o suficiente para ajudar os clientes a melhorar seus negócios, mas pequeno o bastante para lhes permitir pagá-lo dentro do prazo, diz Ortiz, administrador da divisão de financiamento ao empresário. O segundo empréstimo pode ser maior. Depois de amortizar o terceiro empréstimo, os clientes podem obter um cartão de crédito e produtos financeiros mais complexos, como seguro de vida, empréstimo para veículo comercial e contas de poupança programada.

Este processo é a norma nas nações industrializadas. Mas nos países em desenvolvimento, onde a maior parte das pessoas jamais preencheu um cheque, representa um passo gigantesco, que permite aos cidadãos de baixa renda financiar tanto seus negócios quanto seu consumo pessoal e também conservar suas economias num lugar seguro. Esses serviços, há muito disponíveis para os ricos, poderão ser impulsionados por novas tecnologias, como caixas automáticos, banco 24 horas por telefone e serviços financeiros pela Internet.

Essa expansão prudente ajudou o Banefe a conter as possibilidades de risco das suas operações de pequenos empréstimos. "Não é que esse ramo de atividade seja essencialmente arriscado, mas acontece que, às vezes, as instituições financeiras são apressadas em atender aos microempresários e, nesses casos, ou fazem um mau trabalho ou lançam mão de táticas agressivas que queimam diversas etapas, aumentando muito as possibilidades de risco. Quando você dá uma metralhadora a uma pessoa que não sabe manejá-la, alguém pode acabar ferido", diz Barrientos.

Um teste para o modelo. Nada como uma crise para se descobrir se uma linha de negócios bancários é sustentável. O Banefe foi submetido a esse processo entre 1998 e 1999, quando o Chile passou por sua primeira recessão, após mais de oito anos de crescimento econômico. O banco sentiu o impacto no recrutamento de novos clientes, que caiu quando a confiança do consumidor foi abalada. "Além do arrocho econômico, a percepção que as pessoas tiveram da crise foi mais persistente do que a própria crise", diz Barrientos. "Quase todo o mundo sabe de alguém que perdeu o emprego. Isso causa medo e restringe a procura de novo crédito." Não obstante, como assinala o seu colega Ortiz, o Banefe suportou a crise sem ver um aumento nos níveis de risco da sua carteira de empréstimos ao consumidor. Na verdade, o risco ficou abaixo do da carteira de financiamento ao consumidor, que inclui clientes em melhor situação.

Enquanto isso, o Banefe foi preparando novos produtos projetados para os microempresários, como os planos de seguro-saúde. "Para esses clientes, a saúde é uma questão fundamental. Em muitos casos, o microempresário é a própria empresa. Quando eles adoecem ou sofrem um acidente, pára tudo", diz Ortiz. Conquanto os planos de saúde privados tendam a se situar além dos recursos dos chilenos de baixa renda, é sempre possível forjar soluções criativas com parceria entre as instituições financeiras e o setor público.

O Banefe também está desenvolvendo novas estratégias para alcançar clientes em potencial no setor informal. Cerca de 60% dos atuais tomadores de empréstimo do banco são considerados empresários formais, seja por lhes ter sido concedida uma licença municipal, seja por terem registrado seus negócios junto às autoridades da Receita. No Chile, porém, centenas de milhares continuam a trabalhar no setor informal e permanecem em grande parte invisíveis para o resto da economia.

Segundo Eduardo Casanova, chefe da Divisão de Emprego e Desenvolvimento Produtivo do FOSIS, a informalidade também é uma questão de educação. "Alguns microempresários se assustam com o Serviço de Imposto de Renda, outros temem os fiscais do município. Mas a informalidade é também uma questão de educação para o crescimento. Os microempresários que permanecem no setor informal não se desenvolvem como negócio", diz ele.

Para atingir os mutuários em potencial mais esquivos, o Banefe e o FOSIS estão desenvolvendo acordos de cooperação com os municípios e outras instituições locais que mantêm contato com esses microempresários. Como parte desse esforço, o FOSIS lançou recentemente um portal na Internet chamado Zonaempresas.cl, com informações para os proprietários de pequenas e microempresas. Seu objetivo é dar a esses empresários acesso à Internet, por meio de uma rede de "centros comunitários de produção", em que facilitadores treinarão os clientes em diversos programas de computador e em serviços pela Internet. Na fase inicial, serão abertos 20 desses centros. O portal contém informações, notícias e sugestões ou contatos úteis para os interessados. Um de seus primeiros serviços foi produzir um guia on-line do processo de registro formal de uma microempresa e das vantagens de sair da chamada economia subterrânea.

Para exportação? A pergunta óbvia para um grupo como o BSCH é se o modelo que desenvolveu no Chile pode ser transferido para outros países da América Latina. "Temos de esperar para ver", diz Barrientos, ressaltando ainda que a expansão do Santander se deu em várias etapas. Por exemplo, ele esteve no Chile por mais de uma década, mas só muito recentemente chegou a outros países. Como já executou algumas das reorganizações necessárias, muitas das lições que aprendeu no Chile podem gerar estratégias semelhantes em outros países em que o grupo está presente.

Naturalmente, o caso do Chile tem alguns raros traços muito particulares. A economia chilena foi a mais estável da região na década de 1990, fator que permitiu aos bancos desenvolver seus serviços para clientes varejistas. Nos países vizinhos, de economias mais instáveis, os bancos tendem a se concentrar em grandes clientes corporativos tradicionais e na venda de títulos do governo.

Casanova destaca um outro elemento: o grau relativamente alto de credibilidade do Estado aos olhos do setor privado. O funcionário do FOSIS recebeu delegações de banqueiros de outros países latino-americanos interessados em estudar o programa chileno de estímulo aos pequenos empréstimos. Com muita freqüência, seus visitantes deixavam passar a sensação de que tal parceria, que envolve os setores público e privado, jamais floresceria nos seus países. "A credibilidade é uma questão muito complexa", diz ele.

Não que o Chile seja completamente diferente. Embora provavelmente tenha avançado mais do que qualquer outro país da região nas reformas econômicas, seu sistema financeiro ainda carrega um vestígio do passado: um limite nas taxas de juros que as instituições de crédito podem cobrar dos mutuários. Esse tipo de regulamentação foi um dos problemas debatidos mais ardentemente no fórum da microempresa realizado em Barcelona. Segundo banqueiros, microemprestadores e mesmo alguns responsáveis por regulamentos, limites máximos às taxas de juros não reduzem o custo do crédito para os microempresários: têm antes o efeito nocivo de reduzir o acesso a empréstimos formais. Na verdade, instituições privadas como o Banefe só podem fazer pequenos empréstimos porque o subsídio do FOSIS cobre parte do custo da concessão desses recursos mínimos.

"Os custos desses empréstimos são mais altos por causa das tecnologias que requerem. (Os bancos) precisam montar equipe de vendas, contratar analistas, empregar fiscais e ainda têm de financiar seus custos fixos. Enquanto mantivermos esses limites, o custo desse tipo de transação nunca será totalmente financiável", diz Casanova.

Alguns especialistas demonstram ceticismo quanto ao fato de os bancos estarem entrando no campo dos microempréstimos para ficar. Apontam as enormes diferenças entre os negócios de muitos milhões de dólares que pagam somas elevadas para os bancos e os parcos retornos conseguidos com os microempréstimos. Fernando Lucano, administrador do Latin American Challenge Investment Fund, que serve de ponte entre as instituições de microfinanças e os mercados de capital, assinala que, embora a participação do banco comercial nos pequenos empréstimos tenha diversas vantagens, também apresenta alguns pontos fracos.

"Se o banco não encara os serviços de microfinanças como uma linha de negócios estratégica, pode um dia decidir reduzir os recursos destinados a eles e retirar o apoio interno", diz Lucano, ex-funcionário da Unidade de Microempresas do BID. "Numa crise, o banco pode optar por abandonar esses serviços simplesmente porque o escalão superior da gerência sabe pouco a respeito."

Mas Lucano acrescenta que o mercado potencial para os serviços de microfinanças é tão grande que há espaço para todo tipo de instituição, desde grandes bancos capazes de prestar serviços em massa para milhões de clientes até ONGs especializadas que trabalham com êxito em bairros marginalizados e áreas rurais onde não existem agências bancárias.

No Chile, essa noção de fornecedores diversificados parece estar funcionando. Há apenas uma década, era difícil qualquer crédito formal para microempresários. Agora, cerca de 100.000 deles têm acesso a esse recurso essencial.

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