Como a língua e a religião, as relações de uma pessoa com a terra definem sua identidade cultural. A terra é muito mais do que um lugar para construir uma casa e fazer dela a moradia.
É por isso que a questão do título legal de propriedade da terra pode ser tão difícil para os povos indígenas e outros grupos. Essas comunidades precisam de título legal para participar mais plenamente da economia de mercado, mas a legislação sobre a propriedade de terra muitas vezes não reflete as tradições profundamente arraigadas em sua cultura. Como os povos indígenas podem se beneficiar do desenvolvimento e ao mesmo tempo reter seus valores culturais?
Este foi o tema de um estudo preparado pelo economista político Roger Plant e pelo antropólogo Soren Hvalkof para uma sessão de trabalho sobre títulos de propriedade de terra e povos indígenas, realizada em dezembro no BID.
Os autores chamaram a atenção para a tremenda diversidade de sistemas indígenas de posse da terra. A distinção mais básica é entre as economias "horizontais" das planícies amazônicas e as economias "verticais" das regiões montanhosas dos Andes e da América Central. Nas primeiras, os grupos indígenas historicamente usam amplos territórios contíguos. Nas últimas, as famílias praticam a agricultura e o pastoreio em pequenos lotes em diferentes altitudes e ecossistemas visando uma produção variada e a redução de riscos.
Pai e filho caminham pelos canteiros de sua horta em uma reserva indígena na Amazônia. As terras da comunidade foram demarcadas com a ajuda de financiamento do BID.
Esses sistemas não são bem entendidos. Por exemplo, o modelo andino é muitas vezes apresentado erroneamente como sistema coletivo de posse da terra, embora a propriedade individual seja reconhecida dentro da comunidade. Quando os formuladores de políticas não entendem as formas de propriedade da terra próprias da cultura local, suas tentativas de liberalizá-las podem gerar problemas imprevisíveis, como o levantamento de restrições tradicionais às transferências de terra e, em última instância, a perda da terra para os que vêm de fora.
O tema da propriedade de terras indígenas está atraindo de forma crescente a atenção na medida em que os países afirmam com clareza cada vez maior o caráter multiétnico e multicultural de suas sociedades. Novas disposições constitucionais e novas leis com freqüência oferecem proteção especial às terras e aos recursos indígenas. Mas seu propósito tende a ser subvertido pela nova legislação agrária que promove a distribuição de títulos individuais entre as comunidades indígenas, em parte como meio de aumentar a produtividade agrícola e remover ambigüidades sobre a propriedade devido a reformas anteriores.
De acordo com os autores do estudo, os programas de títulos de terra desenhados especificamente para as comunidades indígenas têm sido poucos e esparsos e a Colômbia foi o país que mais avançou nesta questão. Na Bolívia e no Equador, vastas áreas receberam títulos por decreto, mas são necessárias ainda outras medidas para a resolução dos problemas de demandas de terra que coincidem em parte.
Plant e Hvalkof fazem diversas recomendações de política. Eles partem da proposição que, apesar da diferença de opinião entre muitos economistas orientados para o mercado e os "comunitários", os sistemas indígenas de terra podem assumir a forma de posse privada e ser adaptados às oportunidades de mercado. Mas cada grupo deve ser tratado como um caso especial; a adoção de políticas uniformes de posse da terra não funcionará para os grupos indígenas.
Eles também ressaltam que o título de propriedade de terra para os povos indígenas é uma questão complexa que requer a contribuição não apenas de especialistas em direito, mas a de economistas, antropólogos, ecologistas, topógrafos e até mesmo de historiadores.
Plant e Hvalkof insistem em que a consulta sobre a elaboração de um projeto deve ser feita não apenas junto a organizações indígenas de nível nacional, mas também junto a membros das organizações locais e da comunidade. Onde não existem, as organizações devem ser criadas, como se fez no caso do programa de desenvolvimento sustentável financiado pelo BID na província de Darién, no Panamá. Para garantir a continuidade, os grupos locais devem receber treinamento em registro e mapeamento de terra e nas relações com as instituições governamentais.
Por último, os autores recomendam que o BID constitua um fundo fiduciário – possivelmente no âmbito do Fundo Indígena financiado pelo Banco – para a aquisição de terras destinadas às comunidades indígenas em áreas em que a propriedade seja fonte de conflito.