Acredite se quiser: a velocidade média dos caminhões de transporte de carga internacional nas principais rodovias centro-americanas é de apenas 10 quilômetros por hora.
Nem toda a culpa é do mal estado do asfalto, da ausência de acostamento, ou do trânsito congestionado. Na verdade, segundo um recente diagnóstico sobre o sistema viário da América Central, essas rotas somente chegarão a seu ponto de saturação daqui a vários anos.
Para compreender os problemas do sistema de transporte viário nessa região, basta percorrer o trecho de 130 quilômetros que liga La Unión, El Salvador, e Chinandega, Nicarágua, passando por Honduras. Os caminhões de carga normalmente levam 24 horas para completar o trajeto e até 60% desse tempo são gastos com papelada burocrática e outras negociações nas duas fronteiras.
Devido a esses obstáculos, o comércio entre países centro-americanos é marcadamente inferior ao intercâmbio com seus parceiros extra-regionais. Assim, o custo do frete na América Central chega a ser duas vezes mais caro do que na Europa.
Estes são exatamente os tipos de problemas que o Plano Puebla-Panamá (PPP) pretende resolver. O PPP é uma iniciativa lançada pelos governos da América Central e México para acelerar a integração e o desenvolvimento sustentável na região mesoamericana, que compreende os sete países do istmo mais nove estados do sul e sudeste mexicano.
A proposta busca dotar esta região de infra-estrutura, meios e programas sociais para superar seu atraso histórico. Rica em biodiversidade e cultura, a Mesoamérica abarca mais de um milhão de quilômetros quadrados e tem cerca de 65 milhões de habitantes. Apesar de suas riquezas naturais e da proximidade a grandes mercados, seu índice de miséria é três vezes maior que a média latino-americana. Além disso, padece de uma elevada exposição a desastres naturais, como furacões, inundações e terremotos.
Ao apresentar o PPP no México em 12 de março, o presidente Vicente Fox explicou por que entendia ser viável ampliar as possibilidades de desenvolvimento da parte meridional do país, se estivesse mais ligado aos povos vizinhos da América Central: "Cremos que, graças aos vínculos e semelhanças preexistentes, podemos criar uma grande cadeia para o desenvolvimento. No sul e sudeste do México convivem uma grande riqueza natural, um talento humano excepcional e, infelizmente, condições de pobreza e marginalização inaceitáveis, as quais estamos decididos a atacar pronta e frontalmente (…) A soma da determinação e criatividade do México e das nações da América Central nos permitirá criar uma zona de intercâmbio e cooperação ao nível de outras já criadas no mundo."
Esforço conjunto. O Plano Puebla-Panamá nasceu da coincidência de propósitos de duas iniciativas geradas paralelamente. Por um lado, o novo governo do México manifestou seu desejo de reduzir as diferenças regionais entre os estados do norte e centrais e os estados do sul e sudeste. Por outro lado, os países centro-americanos haviam formulado sua própria carteira de projetos de integração regional, apresentada este ano perante a comunidade internacional durante reunião de um grupo consultivo realizada em Madri.
A fim de definir o conteúdo do PPP, os países solicitaram à Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, ao Banco Centro-Americano de Integração Econômica e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento que analisassem as convergências entre as iniciativas mexicana e centro-americana.
Reunidos em São Salvador em 15 de junho para ratificar seu apoio ao plano de integração, os chefes de estado e de governo da região mesoamericana definiram que seus governos poderiam colaborar positivamente em oito grandes áreas, conhecidas como "iniciativas mesoamericanas".
Essas iniciativas compreendem o desenvolvimento sustentável, o desenvolvimento humano, a prevenção e mitigação de desastres naturais, o estímulo ao turismo ecológico, a integração viária, a interconexão energética e o desenvolvimento das telecomunicações.
Os líderes mesoamericanos estipularam que, para ser incluídas na carteira de projetos do PPP, as propostas devem ter caráter regional e respeitar tanto a preservação do meio ambiente como a vontade das comunidades locais.
Também chegaram a acordo sobre a estrutura organizacional necessária para levar adiante o plano. A condução política do processo ficou a cargo de delegados presidenciais, geralmente autoridades de nível ministerial. Paralelamente, os líderes mesoamericanos criaram uma comissão de financiamento para o PPP, integrada pelos ministros da fazenda da região e o presidente do BID, Enrique V. Iglesias.
Os líderes enfatizaram que os projetos do PPP deveriam ser eminentemente práticos. Em coletiva de imprensa, o presidente salvadorenho, Francisco Flores, o resumiu assim: "Mesoamérica, com uma população de mais de 60 milhões de pessoas, constitui um enorme potencial... e este potencial somente pode ser viabilizado através de projetos concretos que permitam a criação de um mercado elétrico unificado, um corredor viário que permita o fluxo de pessoas e de bens, projetos educativos e de desenvolvimento, projetos que permitam proteger nosso meio ambiente e que, por fim, nos permitam disponibilizar os benefícios deste conceito aos que merecem recebê-los, as populações mais pobres desta região".
Plano de ação.O Plano Puebla-Panamá também oferece aos países da região um mecanismo de cooperação para enfrentar seus desafios comuns e canalizar o apoio da comunidade internacional (ver comunicado de imprensa à direita).
Um bom exemplo é a iniciativa para a integração energética, que visa unificar os mercados de energia elétrica da região para atrair maiores investimentos na geração, a fim de reduzir o elevado custo da eletricidade. A pedra de toque desta iniciativa seria o Sistema de Interconexão Elétrica para os Países da América Central (SIEPAC), que interligaria as redes elétricas da Costa Rica, El Salvador, Honduras, Guatemala, Nicarágua e Panamá. A concepção desse projeto remonta a estudos realizados pela CEPAL há quase 30 anos. Somente durante a década passada os países alcançaram os acordos políticos necessários para iniciar o projeto, após vários anos de negociações. Apesar das dificuldades, o projeto do SIEPAC conseguiu o apoio do governo de Espanha, que ofereceu US$60 milhões em recursos concessionais para financiar sua execução. Também atraiu uma das maiores empresas elétricas do mundo, a Endesa S.A., que participa como acionista na companhia proprietária da linha de transmissão do SIEPAC. Outras empresas estão observando o processo e afinando os detalhes de seus próprios projetos. Maiores investimentos em geração não só abaixariam o preço da eletricidade na América Central, mas também aumentariam a confiabilidade de seus sistemas de energia, fator importantíssimo para as indústrias manufatureiras.
De acordo com a proposta do PPP, o SIEPAC seria complementado por uma conexão entre as redes do Instituto Nacional de Eletricidade da Guatemala e da Comissão Federal de Eletricidade do México. Mais adiante, se interligariam as redes da Guatemala e de Belize.
Regras bem definidas. Tanto em matéria energética como nas iniciativas de facilitação do comércio, integração viária e desenvolvimento das telecomunicações, o plano mesoamericano propicia a cooperação entre países para fixar regras claras que facilitem o intercâmbio na região. Tanto o transporte de eletricidade como os trâmites nas fronteiras e a fluidez do trânsito de veículos poderiam ser paralisados ou impossibilitados pela falta destes acordos. Para que estes se efetivem, é necessário um esforço de homologação de normas e harmonização de regulamentos entre os países, que poderão contar com o apoio financeiro e técnico da comunidade internacional para atingir estes objetivos.
O PPP também estimula a cooperação em outros campos onde os países da região mesoamericana apresentam vantagens e vulnerabilidades similares. Muitas de suas propostas iniciais surgiram de estudos apoiados pelo BID, CEPAL e BCIE para identificar projetos econômicos e sociais que promovam a integração entre os países da América Central e entre os estados do sul-sudeste do México.
Em matéria de desenvolvimento sustentável e desenvolvimento humano, vários projetos enfatizam grupos historicamente marginalizados, como os camponeses, os índios e as comunidades afrocaribenhas. As propostas propiciariam sua participação em projetos de gestão ambiental e aproveitamento sustentável dos recursos naturais, assim como na promoção de suas próprias instituições de governo local.
Por outro lado, estão previstos projetos para fortalecer o arcabouço jurídico e legislativo dos países mesoamericanos sobre gestão ambiental, aprimorando dados estatísticos sobre migrações e criando uma rede regional de instrutores ocupacionais, aspecto especialmente importante em uma região onde a taxa de desemprego freqüentemente chega a 50% da população economicamente ativa. Mais recentemente acrescentou-se à carteira de projetos a proposta de um amplo programa regional de saúde baseado no controle de doenças contagiosas como HIV/AIDS, que alcançam níveis altíssimos de disseminação em algumas das zonas mais pobres da região.
Seguro contra catástrofes. Na área de prevenção e mitigação de desastres naturais, há um projeto de melhoria da qualidade da informação meteorológica e hidrológica na região, caracterizada por sua vulnerabilidade a todo tipo de ameaças, como furacões, inundações, terremotos, maremotos, erupções vulcânicas, avalanches, incêndios florestais e secas. A cada ano, esses fenômenos atingem milhares de vítimas e causam centenas de milhões de dólares em prejuízos econômicos.
A fim de reduzir o efeito devastador dos desastres naturais sobre a saúde fiscal dos países mesoamericanos, o PPP estimulará o desenvolvimento de um mercado de seguros contra catástrofes, principalmente para apólices de proteção a infra-estrutura pública como estradas, pontes, escolas e hospitais. Espera-se que os seguros tenham duplo efeito: por um lado, aliviariam a necessidade de angariar recursos para a reconstrução; por outro lado, os prêmios serviriam como incentivo à construção de obras públicas mais resistentes a calamidades.
Haverá apoio também à organização de campanhas públicas que promovam medidas para reduzir a vulnerabilidade a ameaças naturais. Essa questão é particularmente importante porque as catástrofes normalmente atingem os pobres e muitas vezes seu poder destrutivo é exacerbado pela intervenção do homem. Na região mesoamericana, muitas vezes as pessoas constroem em zonas de alto risco e removem a cobretura florestal, duas práticas que contribuem para intensificar os efeitos de calamidades tais como inundações e deslizamentos de terra.
Potencial de progresso. As iniciativas do PPP buscam traduzir em ações concretas as aspirações de integração da região mesoamericana, onde em muitas ocasiões as boas intenções não saíram do papel.
Nesse sentido, há uma forte dose de realismo fiscal: os países participantes conhecem suas limitações orçamentárias e preferem ter recursos disponíveis para programas sociais de grande impacto na redução da pobreza, em áreas como educação e saúde. Conseqüentemente, na medida do possível, as iniciativas que envolvam investimentos em infra-estrutura serão custeadas com recursos privados.
Por exemplo, a iniciativa de desenvolvimento das telecomunicações, que visa melhorar a infra-estrutura de informática da região, inclui uma proposta para instalação de uma rede mesoamericana de fibra óptica. Seria um empreendimento do setor privado, onde os estados somente atuariam como reguladores.
No caso da iniciativa de integração viária, procura-se reduzir os custos partindo da infra-estrutura já existente e melhorando-a para facilitar o transporte de mercadorias e pessoas. A proposta se baseia em conectar e reabilitar as rodovias que compõe o Corredor Puebla-Panamá, a maioria das quais segue a rota da Rodovia Pan-americana. Como complemento, serão recuperados o Corredor Atlântico e algumas estradas de ligação entre ambas as costas.
O PPP também pretende levar oportunidades econômicas a lugares onde estas são escassas. No caso da iniciativa do turismo, esperam-se investimentos em projetos que envolvam a participação ativa das comunidades locais, especialmente as indígenas e afrocaribenhas. Esse turismo de baixo impacto ambiental ajudaria a gerar divisas, empregos e negócios para micro e pequenas empresas em localidades que não estão nos circuitos turísticos habituais. Uma possível alternativa se inspiraria no chamado "modelo Botswana", onde uma empresa hoteleira internacional se associa à comunidade local para levar adiante um empreendimento turístico que respeite as tradições étnicas e culturais dessa comunidade.
Mas um dos aspectos chaves do plano mesoamericano será seu programa de informação, consulta e participação popular. Esta iniciativa foi criada para aprofundar as experiências de diálogos em níveis locais e nacionais levadas a cabo em diversos países da região para chegar a um acordo em torno de projetos de desenvolvimento. Tanto os países participantes como a comunidade internacional consideram que este ponto é fundamental para que o PPP se torne sustentável e possa ir incorporando novas iniciativas para o bem comum.
Em reunião recente realizada em Washington com ministros da fazenda dos países mesoamericanos e representantes do PPP, o presidente do BID destacou o significado do plano nas atuais circunstâncias mundiais. "Estamos diante de uma grande iniciativa política que propõe transformar a Mesoamérica em área de cooperação econômica e social, onde os grandes acordos presidenciais traduzem-se em projetos concretos para ajudar a região a enfrentar o desafio da globalização", afirmou Iglesias.