O debate público sobre pobreza e marginalização de grupos étnicos na América Latina e no Caribe, que antes era quase inaudível, hoje é impossível de ignorar.
Os líderes da região estão demonstrando uma nova consciência de um problema antigo que até recentemente estava obscurecido pela indiferença e inação oficiais. Em seu discurso inaugural, o Presidente Vicente Fox do México surpreendeu sua audiência no Congresso ao comprometer-se a "eliminar todas as formas de exclusão e discriminação de nossos grupos minoritários". Em termos parecidos se expressou também o Presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, referindo-se à situação dos afro-brasileiros e indígenas de seu país.
Os líderes latino-americanos estão chegando à conclusão que ter à margem do processo de desenvolvimento uma parte importante da população não é rentável para o país e, ao fim e ao cabo, prejudica a todos. O Presidente do BID Enrique V. Iglesias declarava recentemente: "Para nós, o crescimento econômico é também investimento em recursos humanos. O recurso mais importante de que uma economia dispõe é sua gente e são muitas as oportunidades perdidas devido à exclusão social".
Além disso, se fosse possível eliminar o fosso que separa esses grupos do resto da população - como, por exemplo, no campo da educação e da saúde -, os benefícios seriam ainda mais palpáveis. Com igualdade de oportunidades de acesso aos mercados de trabalho, o Brasil, por exemplo, aumentaria seu produto interno bruto em 25%, segundo dados recentes do BID. O mesmo estudo estima que 25% da pobreza na Bolívia, Brasil, Guatemala e Peru está relacionada à raça e à origem étnica. Segundo o Departamento de Planejamento Nacional da Colômbia, na costa do Pacífico, cuja população é 90% afro-colombiana, 85% vivem em condições de pobreza, comparados com a média nacional de 32%.
O papel do Estado. A Organização das Nações Unidas convocou uma Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata no final de agosto deste ano na África do Sul para redigir um programa de ação que explique a natureza do racismo e identifique estratégias para combatê-lo. Mary Robinson, Alta Comissária para Direitos Humanos da ONU, declarou recentemente que "as gerações futuras não nos perdoarão se deixarmos de tentar resolver esse problema hoje".
Existem inúmeras organizações não-governamentais e associações de grupos raciais e étnicos em todo o mundo que há décadas vêm lutando pelos direitos de populações minoritárias. Mas pouco se alcançará sem a vontade política dos governos de adotar as mudanças necessárias para desmantelar sistemas que permitem - e até encorajam - a discriminação e marginalização evidentes para quem quer que viaje pela América Latina e o Caribe.
"O Estado desempenha e continuará a desempenhar um papel fundamental em várias frentes chaves para promover a inclusão social: educação, saúde, luta contra o crime, redução da pobreza e eliminação da discriminação no mercado de trabalho", disse Iglesias durante seminário sobre exclusão social realizado na sede do Banco em Washington, D.C., em junho último. "Os governos são as locomotivas nesse campo. Nós estamos aqui para ajudá-los", acrescentou.
O mercado não pode resolver essas questões por si mesmo. Iglesias pediu intervenções inteligentes por parte do Estado onde quer que existam desigualdades e onde haja necessidade de preparar as pessoas para entrar no mercado de trabalho, oferecendo-lhes assim maiores oportunidades.
A principal recomendação que emergiu do seminário do BID foi que os governos parassem de negar a existência do racismo. O processo de participação civil foi descrito como uma atividade que vai além das consultas, porque inclui o direito à avaliação dos programas e seu impacto, bem como à exigência de transparência na distribuição e gestão dos orçamentos nacionais.
O compromisso do BID. O Banco tem sido pioneiro no campo do combate à exclusão social desde o Oitavo Aumento de Recursos de 1995, quando se comprometeu a investir 50% de seus empréstimos nos setores sociais. Mais de 40% da carteira atual envolve projetos relacionados com a redução da pobreza e a eqüidade social. Em 2000, 10% dos projetos aprovados pelo Banco reconheceram grupos indígenas como beneficiários ou interessados.
Recentemente, o Banco aprovou um plano de ação contra a exclusão social que inclui a destinação de US$250 milhões para promover o desenvolvimento de estratégias e projetos que expandam as oportunidades para as populações de ascendência africana e membros de grupos indígenas. O plano também enfatiza a coleta de informações estatísticas sobre grupos minoritários; novas pesquisas e esforços de divulgação; e capacitação de representantes de grupos tradicionalmente excluídos e organizações da sociedade civil.
"Pregamos a diversidade, mas nossos modelos de desenvolvimento ainda são uniculturais", diz Victor Hugo Cárdenas, ex-vice-presidente da Bolívia e ex-presidente do Fundo Indígena, patrocinado pelo BID. Não será fácil passar do desprezo por algumas culturas à apreciação e inclusão, mas chegou a hora de dar passos decisivos nessa direção.