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O enigma da violência

A violência diária que assola boa parte da América Latina está emergindo como um dos mais sérios obstáculos que a região enfrenta em seus esforços para alcançar as metas de desenvolvimento econômico-social e construir sociedades mais democráticas.

Em quase todos os países, a violência está se tornando mais comum, espalhando-se além de seus limites socioeconômicos históricos para cidades, regiões e localidades que antes não sofriam com esse problema. Segundo estimativas recentes, a região tem uma taxa de homicídios seis vezes mais alta do que a média mundial e os custos relacionados com a violência representam perto de 14% do produto interno produto da região.

Os estudos das origens dessa onda de violência e crime diferem em suas conclusões, mas concordam em que constitui um enorme desafio para instituições governamentais há muito tempo negligenciadas, especialmente nas áreas de justiça, policiamento e prisões.

Em alguns casos, os dados sobre violência na América Latina contradizem suposições amplamente aceitas. Por exemplo, segundo Fernando Carrillo Florez, especialista senior da Divisão de Sociedade Civil e Estado do BID, "os países mais pobres não são necessariamente os mais violentos, nem os mais desenvolvidos são necessariamente os menos violentos". Carrillo falou durante uma conferência patrocinada pelo BID em San Salvador e acrescentou que o desafio mais importante é a reforma do judiciário e dos sistemas de cumprimento das leis. A conferência realizou-se com o apoio do governo da Noruega.

O estudo que Carrillo apresentou na conferência, mais os de vários outros colaboradores, foram publicados num livro (em espanhol) intitulado Convivencia y seguridad, un reto a la gobernabilidad.

Segundo Carrillo, a atual onda de violência não é causada por fatores que podem ser isolados individualmente, sejam eles biológicos, psicológicos ou mesmo pessoais, mas por um conjunto de estruturas, processos e comportamentos no ambiente social em geral. Por isso, a luta contra a violência tem que ser empreendida em muitas frentes, incluindo escolas, hospitais, tribunais, academias de polícia e nas ruas, diz Carrillo. Em muitas dessas áreas, o BID está financiando programas para ajudar os governos a aumentar sua eficácia.

Outro fator na crescente onda de violência são os meios de comunicação, tanto escritos como eletrônicos. Segundo Santiago Real de Azúa, jornalista e colaborador do livro e hoje chefe da seção de imprensa do BID, "não há uma conexão simples, universal ou automática entre os meios de comunicação e a violência". Mas ao mesmo tempo observa que "não podemos negar que uma parte importante do problema tem sua origem no fato de que a violência é um produto que vende, uma mercadoria que se premia com publicidade e audiência".

Em lugar de incitar à violência, Real de Azúa diz que os meios de comunicação "reforçam comportamentos, forjam uma visão do mundo e inspiram a conduta que imperceptivelmente forma nossos planos e guia nossas sociedades".

Uma força inegável por trás da escalada da violência em muitos países são os conflitos armados, tanto passados como presentes. Essa situação, que ocorre em diversos países da América Central, provoca inquietação quanto ao grau de êxito que se pode esperar de esforços para realizar reformas socioeconômicas e modernizar o Estado.

Na Guatemala, por exemplo, onde em 1996 um acordo de paz pôs fim a quase quatro décadas de autêntica guerra civil, uma erupção subseqüente de insegurança civil levou alguns a pedir que os militares voltassem a assumir o poder, observou Richard Aitkenhead Castillo, ex-ministro da Guatemala e outro colaborador do livro.

El Salvador é outro exemplo doloroso de violência explosiva, em parte como resultado do longo conflito armado interno. A taxa anual de homicídio de 120 a 140 por 100.000 habitantes é dez vezes mais alta que a dos Estados Unidos, que por si já tem a mais alta taxa de violência de qualquer país desenvolvido do mundo.

Bruno Moro, coordenador das atividades das Nações Unidas em El Salvador, nota que se deve fazer uma distinção entre violência e crime. Unir os dois fenômenos, assegura, implicaria em que ambos devem ser resolvidos por meio da prevenção e da repressão.

"A violência é um fenômeno muito mais amplo que só se pode chegar a entender dentro de uma malha social que combina condutas aprendidas e padrões culturais, marginalização e exclusão social e econômica, incertidão e uma visão insegura do futuro", escreve Moro.

Em outros países, a violência crescente é freqüentemente atribuída ao aumento da desigualdadae e do desemprego, efeitos secundários das necessárias reestruturações econômicas. Como tal, as causas e conseqüências da violência podem ser comparadas com os fios de uma teia de aranha, tão interconectados que é impossível separá-los.

"O único que está claro", disse Rodrigo Guerrero, ex-prefeito de Cali e hoje consultor do BID, "é que a erradicação da pobreza e da desigualdade precisa ser parte integrante de um programa de luta contra a violência."

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