Em uma das reuniões laterais realizadas em conjunto com a Reunião Anual da Assembléia de Governadores do BID realizou-se um diálogo sobre as relações Europa-América Latina.
Participaram desse encontro o Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Senhor Enrique V. Iglesias; o Presidente do Comitê Promotor da Reunião Anual do BID 2003 em Milão e Presidente da Região da Lombardia, Senhor Roberto Formigoni; o Presidente da Comissão Européia, Senhor Romano Prodi; o ex-Presidente do Chile, Senhor Eduardo Frei; o Ex-Secretário-Geral das Nações Unidas, Senhor Javier Pérez de Cuellar; o Ministro de Economia e Finanças da Itália, Senhor Giulio Tremonti; o Vice-Ministro de Economia e Finanças da Itália, Senhor Mario Baldassarri e outras ilustres personalidades.
Entre as questões destacadas no diálogo figuram as seguintes:
As duas regiões estão unidas na história, cultura, economia e política. Assentamento, independência e formação nacional na América Latina e no Caribe têm profundas raízes na Europa. Por mais de quatro séculos os vínculos da região com a economia mundial passavam, em grande parte, pela Europa. Atividades comerciais, educação, imigração e política reuniram os povos das duas regiões. Os canais de interação penetraram todos os níveis da sociedade: governos centrais, estados, sub-regiões, municípios, partidos políticos, movimentos trabalhistas, grupos religiosos e organizações nacionais e comunitárias.
O século 20 presenciou uma grande diversificação das relações internacionais da América Latina e do Caribe e uma influência crescente da América do Norte e da Ásia. Nesse ínterim, após séculos de conflito, a Europa Ocidental uniu-se num processo inédito de profunda integração que agora se expressa na União Européia (UE). Além disso, a União volta-se agora para o Oriente e está prestes a acolher dez novos membros.
A ampliação das relações internacionais da América Latina e do Caribe é impulsionada, em parte, pelas forças autônomas e centrífugas da globalização. Ademais, a América Latina e o Caribe enfrentam os desafios da globalização por meio de reformas estruturais corajosas, de cunho político e econômico, juntamente com uma vigorosa participação no sistema multilateral. Além disso, na gestão de sua nova interface com uma economia mundial globalizante, os governos buscam cada vez mais apoio por meio de iniciativas para reforçar os vínculos regionais e inter-regionais. Isso é feito por meio de uma integração regional formal, comércio e outros convênios, bem como iniciativas de cooperação.
É neste contexto que a UE e a América Latina e o Caribe se empenham cada vez mais na procura de relações inter-regionais mais estreitas. Além disso, os fundamentos básicos de iniciativas formais são sólidos, não somente devido a raízes históricas, mas também em conseqüência de realidades contemporâneas: a UE é um importante parceiro comercial e a fonte principal de investimento estrangeiro direto para a América Latina e o Caribe; é sem dúvida a fonte principal de ajuda para o desenvolvimento e cooperação econômica, bem como inspiração para as melhores práticas em política pública, inclusive integração regional, campo em que a Europa é líder desde longa data.
A Cúpula do Rio, de junho de 1999, e a Cúpula de Madri, de maio de 2002, assinalaram um novo marco nas relações inter-regionais, porque, pela primeira vez, a América Latina e a UE interagiram como dois blocos em busca da cooperação em metas comuns. A dissolução da Guerra Fria ajudou o mundo a unir-se mais estreitamente num ambiente democrático de valores básicos compartilhados. Mas os planos de construção de uma comunidade mundial sobre esses valores fundamentais não são homogêneos e muitas configurações são possíveis. A UE e a América Latina utilizaram essas cúpulas para trabalhar em conjunto a fim de imprimir seu selo nesse processo em evolução. De fato, o inter-regionalismo da UE-América Latina nas cúpulas expressou-se por meio de interesses conjuntos em muitas questões mundiais importantes; por exemplo, democracia, direitos humanos, multilateralismo, melhoria do desenho da arquitetura financeira internacional; integração regional; enfrentamento do problema de drogas sob o princípio de responsabilidade comum e compartilhada e promoção do desenvolvimento sustentável. Essa parceria em desenvolvimento será examinada e fortalecida no próximo ano na cúpula bi-regional do México.
Embora as cúpulas sejam a expressão mais alta do inter-regionalismo UE‑América Latina, os Convênios de Associação emergentes entre a UE e a região são os mais profundos. Esses convênios representam uma relação inter-regional em maturação, porque se baseiam no princípio da reciprocidade. Além disso, são mais inovadores em termos do estabelecimento de vínculos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, porque integram, sob um único patamar, três áreas vitais de interação: livre comércio recíproco, cooperação e diálogo político. Convênios de Associação pioneiros já foram negociados com o México e Chile. Está sendo negociado um convênio de associação entre a UE e o Mercosul, cuja nona reunião acaba de ser realizada com êxito em Bruxelas. Neste ínterim, a América Central e a Comunidade Andina começarão em breve a negociar um diálogo político e acordos de cooperação com a UE, os quais, conforme expresso na Cúpula de Madri, deverão lançar as bases dos Convênios de Associação. Por sua vez, o Caribe está reforçando seus vínculos com a UE no contexto do Convênio de Cotonou.
O regionalismo que a América Latina e o Caribe estão implementando com a Europa é parte de uma abordagem regional mais ampla que inclui compromissos políticos para aprofundar a integração sub-regional entre vizinhos coesos e um conjunto de áreas de livre comércio. O objetivo desta estratégia é complementar e fortalecer a participação da região no sistema multilateral e na economia mundial. As iniciativas de integração sub-regional, como o Mercosul, oferecem muitas oportunidades de desenvolvimento e inclusão social de povos e locais e, portanto, um compromisso político deve ser redobrado para levar avante esses processos, mesmo sob as difíceis circunstâncias atuais. Em reconhecimento do importante papel do regionalismo no desenvolvimento, o BID tornou o apoio ao mesmo um dos pilares centrais da Estratégia Corporativa do Banco.
O inter-regionalismo UE-América Latina e Caribe é um instrumento crítico para o desenvolvimento em virtude da promessa de acesso melhor e mais seguro aos mercados europeus nas áreas em que a América Latina e o Caribe têm vantagem comparativa, programas de cooperação, transmissão de melhores práticas e uma expressão mais forte nos fóruns internacionais em questões de interesse mútuo. O inter-regionalismo com a América Latina é também importante para a UE como expressão de seu posicionamento global numa economia mundial cada vez mais competitiva, na qual o escopo da participação no mercado é uma dimensão estratégica de liderança mundial mais ampla em normas multilaterais, em política e em desenvolvimento cultural.
A Europa é um acionista vital no BID. O inter-regionalismo crescente entre a UE e a América Latina e o Caribe reforçou o potencial dessa parceria. É neste contexto que a Comissão Européia e o BID trabalham cada vez mais em conjunto no desenvolvimento da América Latina e do Caribe.
A experiência européia oferece muitas perspectivas para o apoio, prestado pelo Banco, ao desenvolvimento de seus países membros mutuários. Naturalmente, a integração regional destaca-se como exemplo, o mesmo sucedendo com o papel estratégico das sub-regiões e locais europeus para dar legitimidade aos processos de integração. Porém, destaca-se também a preocupação do Continente no tocante a áreas como o desenvolvimento sustentável e o primado da lei. A estratégia de Lisboa é uma expressão da necessidade de melhorar a coesão social por meio de esforços proativos para reduzir a pobreza e oferecer proteção social. Como a pobreza e a desigualdade social continuam a ser obstáculos importantes à modernização e estabilidade política na América Latina e no Caribe, há também aqui uma clara coincidência de interesses.
A colaboração entre o BID e a Comissão Européia ganhou expressão formal mediante a assinatura, em 2002, de um Memorando de Entendimento entre ambas as entidades para trabalharem em conjunto em quatro áreas básicas: i. consolidação da democracia e dos direitos humanos; ii. eqüidade social e redução da pobreza; iii. integração regional e comércio; e iv. tecnologias da informação e uma sociedade com conhecimentos compartilhados.
O Memorando de Entendimento já gerou frutos para as duas organizações. Em preparação para a Cúpula do México, a realizar-se no próximo ano, o Comissário Chris Patten e o Presidente Enrique V. Iglesias promoverão em Bruxelas, em junho deste ano, um importante seminário sobre Coesão Social. Esse seminário analisará os problemas da desigualdade e exclusão social e meios de superá-los. Posteriormente, em julho, a Comissão Européia e o BID colaborarão numa conferência em Lima, Peru, na qual representantes das duas regiões dialogarão sobre as respectivas experiências em consultar a sociedade civil no processo de integração e em iniciativas comerciais. Neste ínterim, o BID e a Comissão Européia concluíram recentemente um exercício conjunto de programação regional na América Central e reuniram-se ambos com a Secretaria da Caricom na Guiana para discutir cooperação. As duas organizações também prestaram apoio financeiro ao Grupo de Peritos da Cátedra Mercosul do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po) em negociações para a celebração de um convênio entre a UE e a Associação do Mercosul. Este é apenas o início da colaboração. Outras atividades estão em etapa diferente de planejamento e organização.
O espírito das considerações aqui expostas reforça a convicção dos participantes no sentido de que a América Latina e o Caribe têm um interesse comum em ampliar e aprofundar suas atuais relações com a União Européia: nas consultas políticas entre os Chefes de Estado e de Governo, na aceleração dos processos de negociação comercial em curso, como os que estão ocorrendo entre o Mercosul e a União Européia, na cooperação para a modernização institucional da região e no apoio à consolidação de suas instituições democráticas com pleno respeito aos direitos humanos.
Uma cooperação mais ampla e mais profunda entre a América Latina e o Caribe, de um lado, e de outro a União Européia trabalhará em benefício não só de ambas as partes mas também de toda a comunidade internacional, contribuindo para o entendimento entre os povos, para o progresso econômico e para a justiça social.