Há muitas maneiras de ficar conhecendo o teatro mas poucas tão instrutivas quanto ver duas companhias diferentes encenando a mesma peça.
Essa foi uma das conclusões do Primeiro Festival Nacional do Teatro Experimental realizado na cidade litorânea de La Plata, na Argentina, em novembro último. Gustavo Vallejos, diretor de teatro que organizou o festival com apoio financeiro do Centro Cultural do BID, convidou sete companhias regionais para encenar as peças. Duas delas, por coincidência, decidiram montar "Em Alto Mar", uma obra de Slavomir Mroceck para três atores.
As coincidências terminam aí. Cajamarca, uma trupe da província argentina de Mendoza, montou a peça com três atores dentro de uma grande jaula de metal. Devenir, uma companhia teatral com base em La Plata, pôs em cena três atrizes para as mesmas partes, colocando-as numa balsa à deriva.
"Foi uma experiência estranha e maravilhosa", disse Vallejos. "Pudemos ver que os mesmos textos não levam às mesmas imagens. Para os atores, foi muito enriquecedor ver e apreciar coisas na produção da outra companhia que nunca lhes ocorrera."
A justaposição de estilos e interpretação também foi esclarecedora para a platéia, dominada por estudantes e jovens locais que, segundo Vallejos, normalmente não vão ao teatro, especialmente o de tipo experimental.
"O festival ultrapassou de muito nossa esperança de desmistificar o teatro experimental e mostrar que , ao contrário da crença geral, ele é acessível a qualquer um", disse Vallejos. "Abrimos as portas à comunidade e acabamos vendo um público jovem que nunca vai ao teatro."
Parte da atração para os não iniciados foi a natureza despretensiosa e participativa do evento. Além das peças, o festival realizou diversas oficinas para atores, onde situações ou conceitos dramáticos eram espontaneamente propostos, desenvolvidos e representados.
"Conseguimos mostrar que quando se trata de criar teatro é possível trabalhar com uma ampla gama de aptidões e técnicas e ainda assim apresentar um resultado coeso", disse Bettina Giorno, assistante da companhia Devenir. "Não havia prima-donas. Mesmo os diretores e atores das companhias inscritas queriam tomar parte nas oficinas junto com estudantes, atores, dançarinos e outros colegas."
Vallejos tinha esperanças de que o festival, além de demolir a barreira entre público e artistas, encorajasse a cooperação entre os grupos teatrais espalhados pelo país, pouco conhecidos e pobres de recursos. Ele não ficou desapontado. As sete companhias que participaram do festival estão planejando co-produzir e co-financiar peças e servir como mentores de grupos teatrais recém-formados em suas províncias natais. Combinaram também realizar um segundo festival de teatro experimental dentro de dois anos. Dessa vez, duas companhias deverão especificamente montar a mesma peça.
"O trabalho teatral é difícil e muita gente criativa e motivada acaba desistindo no meio do caminho", disse Vallejos. "Este festival mostrou que o teatro experimental é uma alternativa válida."