No debate cada vez mais áspero sobre as conseqüências da globalização, a posição de escritores e artistas em geral tende a ser contra ela. A globalização, segundo esses argumentos, está asfixiando o mundo com shows inócuos da televisão americana, filmes de ação de Hollywood, música popular em inglês e livros produzidos em massa e traduzidos às pressas. Ao mesmo tempo, as tradições artísticas locais e as vozes culturais e lingüísticas diferenciadas estão sendo empurradas para as margens.
Mario Vargas Llosa, o novelista peruano e ex-candidato presidencial, não concorda com esse ponto de vista. Em conferência apresentada na sede do BID em Washington, D.C., em setembro último, Vargas Llosa fez uma defesa ousada da globalização, tanto por suas conseqüências econômicas quanto, surpreendentemente, por seus efeitos sobre a cultura.
A América Latina está historicamente ligada a "quase todas as regiões e culturas do mundo", disse Vargas Llosa. "E esse fato, que nos impede de ter uma identidade cultural única… é nossa maior força, contrariamente aos que os nacionalistas acreditam."
Usando como ponto de partida os protestos ocorridos durante a fatídica reunião da Organização Mundial do Comércio realizada em Seattle em 1999, Vargas Llosa denunciou o que considera as contradições e hipocrisias do movimento antiglobalização. Observou que foram os países em desenvolvimento – não os industrializados – que batalharam mais por reduções ainda maiores às barreiras comerciais na reunião de Seattle, particularmente as tarifas que impedem a entrada dos produtos agrícolas e manufaturados das economias emergentes na Europa e nos Estados Unidos. Essa postura não é uma coincidência, segundo Vargas Llosa. Vem da consciência entre os países em desenvolvimento de que as políticas de nacionalismo econômico, protecionismo e substituição de importações do passado deixaram-nos "empobrecidos e marginalizados".
Vargas Llosa disse que a globalização beneficiou indivíduos de quase todos os grupos que protestavam em Seattle. A maioria dos jovens que cometeram atos de vandalismo contra lojas durante a reunião da OIC, por exemplo, vinha de lares confortáveis de classe média que se tornaram ainda mais confortáveis graças ao vigor da economia americana. Além disso, ele se perguntava como os sindicatos americanos podiam alegar perda de empregos locais para os países em desenvolvimento quando nos Estados Unidos o desemprego era o mais baixo em 30 anos e os salários reais aumentavam consistentemente. Ao se opor ao investimento estrangeiro nas economias emergentes, os sindicatos "estavam lutando, de fato, contra o progresso das classes trabalhadores nos países pobres", disse Vargas Llosa. Isso revelava, a seu ver, o que ele chamou de "uma visão mesquinha e nacionalista do desenvolvimento".
Embora o apoio de Vargas Llosa à economia de livre mercado seja bem conhecido na América Latina, sua adoção da cultura globalizada ainda surpreende. Ele não nega que as fronteiras espaciais e temporais que antes mantinham as culturas locais isoladas estão sendo derrubadas e ele reconhece que certas formas de expressão tradicionais desaparecerão por isso. O mundo no século 21 será sem dúvida "menos pitoresco, com menos cor local, do que o anterior", disse ele. Mas esse processo se deve à modernização, segundo Vargas Llosa, e a globalização é um efeito da modernização, não sua causa. Mais ainda, a globalização abre uma gama de oportunidades para a sociedade como um todo e é legítimo pensar que esses benefícios compensam as perdas culturais. Apesar do que os intelectuais e os líderes tradicionais possam dizer, a maioria das sociedades aceita rapidamente os frutos da globalização quando lhes é dada a oportunidade de escolher. Isso não seria assim se as pessoas soubessem com certeza que a globalização seria nociva para elas.
Vargas Llosa questionou até a idéia de uma "identidade nacional" ameaçada, invocada tantas vezes pelos críticos da globalização. Esse conceito é "uma ficção ideológica"que serve aos interesses de nacionalistas mas tem pouco respaldo histórico ou empírico, segundo ele. O escritor lembrou à audiência que as culturas estão em fluxo constante e que nenhuma tradição cultural sobreviveu sem ter tomado emprestado elementos de outras culturas e se transformado com o tempo. Além disso, movimentos que enfatizam a identidade nacional inevitavelmente ameaçam a liberdade e expressão individuais, segundo ele. "A imposição de uma identidade cultural a um povo equivale a aprisioná-lo e negar a seus membros a mais preciosa das liberdades: a de escolher o que, quem e como se quer ser."
A idéia de identidade nacional é especialmente questionável na América Latina, disse Vargas Llosa. Esforços passados para definir essa identidade, como os dos movimentos Hispanista ou Indigenista, falharam notoriamente em refletir a verdadeira diversidade das influências culturais e raciais que moldaram as sociedades da região. A América Latina está historicamente ligada a "quase todas as regiões e culturas do mundo", disse. "E esse fato, que nos impede de ter uma identidade cultural única… é nossa maior força, contrariamente aos que os nacionalistas acreditam."
Vargas Llosa argumentou que é contraproducente e fútil tentar perpetuar um determinado momento cultural por meio de políticas ou regulamentos. As culturas "não precisam ser protegidas por burocratas ou comissários, não precisam ser confinadas atrás de grades ou isoladas por funcionários aduaneiros para se manter vivas e vigorosas", disse ele. Em vez da pressão homogeneizadora de políticas culturais nacionalistas impostas de cima, o mundo precisa de mais liberdade para criar e evoluir. Segundo Vargas Llosa, não é coincidência o fato de que à medida que o Estado-nação tradicional se enfraqueceu devido à globalização nos últimos anos, assistimos à renascença de culturas e línguas antes marginalizadas que estão encontrando novas vias de expressão e autopreservação num mundo eletronicamente conectado.