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A gripe aviária e a América Latina

O vírus da gripe aviária infectará a América Latina?

O vírus da gripe aviária está avançando e ganhando força. Desde 2003,  não apenas aves, mas também humanos, vêm sendo infectados. Os números da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 151 pessoas já contraíram a doença, com 82 mortes, o que representa 54% da população infectada.

Até o ano passado, a cepa do vírus que infectava seres humanos estava confinada a cinco países asiáticos – Camboja, China, Indonésia, Tailândia e Vietnã.  Mas neste ano o vírus começou a viajar para o oeste, migrando para a Turquia, um país europeu, onde foram registrados 21 casos, embora até o momento apenas quatro – dois fatais – tenham sido oficialmente confirmados pelos laboratórios da OMS. 

A transmissão do vírus se dá das aves para os seres humanos. Entretanto, em vista da tendência verificada no comportamento do vírus, há um alto risco de que a transmissão possa ocorrer também entre humanos, criando a possibilidade de uma situação de pandemia. A OMS acredita que o risco de uma pandemia não é uma questão de “se”, mas sim de “quando”. 

Mas um vírus na Ásia e na Europa pode afetar pessoas que vivem a milhares de quilômetros de distância, na América Latina e no Caribe?  Um painel de especialistas do BID, da Organização Pan-Americana  da Saúde (OPAS), do Banco Mundial e da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) reuniu-se recentemente na Sede do BID para discutir o grau de risco, as possíveis implicações para a região e uma forma de trabalho conjunto capaz de proteger e preparar a região para uma possível pandemia.

A situação atual da gripe aviária

“A gripe aviária é uma doença animal contagiosa, causada por vírus que infectam mais comumente aves, mas que também podem infectar várias espécies de mamíferos, inclusive humanos“, informou o Dr. Otavio Oliva, da OPAS.  

“A maioria das variantes do vírus da gripe infecta apenas espécies animais, mas eventualmente um vírus sofrerá alteração por meio de mutações genéticas, até tornar-se capaz de infectar também  outros animais”, explicou o Dr. Oliva. “Esse é o problema que estamos enfrentando no momento com a gripe aviária, especialmente no que se refere à variante conhecida como H5N1”.

O perigo real de uma pandemia de gripe surge quando as mutações genéticas ocorrem abruptamente. Embora raro, isso acontece, acrescentou o Dr. Oliva.

“A pandemia ocorre na presença de três condições: tem que haver uma total ausência de imunidade ao vírus na população mundial; o vírus deve ser capaz de causar a doença em humanos; e o vírus deve desenvolver um meio eficiente de transmissão entre pessoas”, explicou o Dr. Oliva. “O terceiro requisito é o único que falta ao H5N1 no momento.”

Até agora, todas as pessoas infectadas contraíram o vírus por meio de contato direto com aves infectadas. Não houve ainda casos em que o vírus tenha sido transmitido diretamente de uma pessoa para outra. Mas especialistas em gripes da OMS, da OPAS e de outras importantes agências de saúde alertaram para o fato de que, freqüentemente, os vírus se adaptam com grande facilidade aos seus ambientes.     

“Na Turquia, já vimos como o vírus sofreu mutações no sítio de fixação no receptor; ele começou a se fixar preferencialmente nos receptores de células humanas”, alertou o Dr. Oliva. Esse tipo de mutação ajuda o vírus a infectar humanos com maior facilidade. 
 
Em vista das mutações já registradas, a gripe aviária é uma ameaça real para a América Latina e o Caribe, segundo a Dra. Clarisse Etienne, da OPAS. “A progressão dessa doença pode ser muito rápida – menos de 24 horas de um continente a outro, dada a freqüência com que as pessoas viajam.” Se uma pandemia global de gripe aviária efetivamente ocorrer, a doença pode chegar a qualquer país no próximo avião que aterrissar. 

Qual o perigo da gripe aviária para as Américas?

Na opinião dos especialistas em gripes, o risco de a gripe aviária atingir a América Latina e o Caribe atualmente é relativamente baixo, uma vez que as aves que migram dos Estados Unidos para o sul não interagem com as aves a caminho da  América do Norte vindas da Sibéria, onde ocorreu um dos surtos mais recentes (entre aves, e não entre humanos).

Entretanto, segundo relatório do grupo de trabalho do BID sobre a gripe aviária, a atual percepção de baixo risco pode mudar, em vista da presença da cepa H5N1 do vírus em aves aquáticas no Canadá.

Além disso, se o vírus sofrer mutação, possibilitando a transmissão de pessoa a pessoa, o nível de risco muda completamente. Nesse caso, a pandemia de gripe poderia se espalhar pelas Américas sem que existam aves doentes. Basta que uma pessoa enferma viaje para a região.(1)

“Muitos países da região são vulneráveis a pandemias globais porque seus sistemas de vigilância epidemiológica são deficientes, especialmente no que concerne à vigilância animal”, declarou o especialista em saúde do BID,  André Medici.

A firma de consultoria britânica Maplecroft desenvolveu um Índice de Risco Pandêmico que classifica 161 países. Nesse estudo, sete países da América Central e do Caribe são considerados como de risco extremamente alto ou alto: Haiti, Barbados, República Dominicana, Granada, Guatemala, El Salvador e Jamaica.

No nível regional, o Dr. Oscar Mujica, da OPAS,  estima que se uma pandemia moderada de gripe infectasse 25% da população da América Latina e do Caribe, mais de 334 mil pessoas morreriam no transcorrer das oito primeiras semanas.  Se a pandemia fosse grave, o número de mortes poderia subir para 2,4 milhões.

Entretanto, a saúde não é o único fator a ser considerado. Uma pandemia de gripe aviária também poderia trazer conseqüências econômicas significativas para a região.

“Mais de 515 milhões de dias de trabalho poderiam ser perdidos se uma pandemia de grau moderado atingisse a região; uma pandemia grave poderia elevar esse número para quase 730 milhões”, informou o Dr. Mujica, observando que suas estimativas são apenas ilustrativas e não devem ser entendidas como previsões absolutas. “Os custos diretos desse tempo perdido poderiam ser de US$15 bilhões no primeiro caso, ou de US$21 bilhões, no segundo.”

Assim, há riscos para a indústria avícola da região, que produz US$18,5 bilhões em aves e US$5 bilhões em ovos anualmente, segundo a Dra. Cristina Shneider, da OPAS.

“As aves respondem por 40% da proteína consumida na América Latina e no Caribe; cada pessoa na região consome 25 kg de aves e 2,5 kg de ovos ao ano. Se uma pandemia de gripe aviária atingir a região e um grande número de aves morrer ou for exterminada, teremos também um problema nutricional em nossas mãos”, concluiu a Dra. Shneider. 

O Dr. Oliva acrescentou que “embora o risco de uma pandemia seja real e tenda  a persistir, e a evolução da ameaça não possa ser prevista, temos uma janela de oportunidade para interferir, fortalecendo, agora, os sistemas nacionais e internacionais de saúde pública”.

Um pouco de prevenção

A boa notícia é que especialistas em saúde da OPAS, do BID e de várias outras organizações já estão trabalhando arduamente no monitoramento da situação, implementando medidas preventivas e organizando-se para o caso de uma eventual pandemia na região.

Na escala mundial, foi criada uma rede global da gripe aviária, liderada pelos Estados Unidos, pela Austrália, pelo Reino Unido e pelo Japão, para atuar na prevenção e no monitoramento da gripe aviária. Como parte da rede global, 113 Centros Nacionais de Influenza (NICS, na sigla em inglês) foram criados em todo o mundo, dos quais 25 estão localizados na América Latina e no Caribe.   

Os NICs monitoram a situação da gripe, no nível nacional, nos países em que estão localizados, isolando e caracterizando os vírus e enviando amostras aos Centros de Controle de Doenças nos Estados Unidos, para a caracterização final.   

“A primeira linha de prevenção é a detecção prematura de circulação viral em aves domésticas e a adoção de medidas de controle imediatas para erradicar a circulação viral”, disse o Dr. Oliva.

Funcionários da Organização Pan-Americana da Saúde vêm treinando todos os países da região – inclusive aqueles nos quais não há Centros de Controle de Doenças – na vigilância e no diagnóstico do  vírus da gripe. Paralelamente, especialistas da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional estão ajudando os países a desenvolver auto-avaliações de seus Planos Nacionais de Prontidão para a Pandemia de Influenza (NIPPP, na sigla em inglês), bem como planos de ação para preencher eventuais lacunas.

Os países desempenham um papel-chave

Mas, mesmo com uma rede global em ação, os países precisam começar a agir para evitar que a gripe aviária se transforme em uma pandemia, segundo os especialistas em saúde.

A OPAS, o BID e outras organizações estão trabalhando com os países da região para desenvolver Planos Nacionais de Prontidão para a Pandemia de Influenza, com base em diretrizes estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde. Os planos incluem medidas de ação imediata em casos de emergência, vigilância, investigação e tratamento de casos, prevenção da disseminação da doença e gestão de serviços essenciais.    

Até o momento, oito países da região – Argentina, Brasil, Costa Rica, Honduras, Panamá, Chile, Equador e México – concluíram ou esboçaram seus NIPPPs, além dos países caribenhos de língua inglesa, que já desenvolveram o esboço de um plano sub-regional.  Outros 11 países estão atualmente trabalhando na elaboração de seus planos:  Bolívia,  Colômbia,  República Dominicana, El Salvador,  Guatemala,  Haiti,  Nicarágua,  Paraguai,  Peru,  Uruguai e  Venezuela.

Mas muitos desses planos ainda precisam ser avaliados quanto ao grau de prontidão para ser implementados. Por exemplo, será que os países dispõem de financiamento para intensificar a vigilância da saúde animal e humana e fortalecer as redes de laboratórios, aumentar os estoques de vacinas e drogas antivirais, indenizar  produtores de aves e pequenos agricultores por seus prejuízos econômicos e fortalecer sistemas de comunicação social e alerta? 
 
“Os países precisam levar ao conhecimento da Organização Mundial da Saúde novos casos da gripe em seus territórios; eles precisam certificar-se de que os funcionários lotados em pontos de entrada como aeroportos, portos e zonas de fronteira recebam treinamento adequado em detecção e vigilância; e precisam se envolver, no nível local, em seus sistemas públicos de saúde, além de garantir que as pessoas sejam informadas”, disse o Dr. Mario Libel, da OPAS.

Alguns países da região já começaram a envidar esforços para conter a doença. O Brasil, por exemplo, destinou US$440 milhões para esse fim, e já conta com pontos de verificação em portos e aeroportos para examinar as aves que chegam ao país.

O governo mexicano destinou US$55 milhões para desenvolver uma vacina contra a gripe aviária, estocar drogas antivirais existentes, adquirir equipamentos de proteção para o pessoal de saúde e monitorar a doença.
 
O BID versus a gripe aviária

“O BID está engajado em esforços para prevenir e monitorar a gripe aviária em três frentes”, informou César Falconi, do BID. “O Banco fornece recursos para financiar programas que envolvam a gripe, apóia a OPAS em iniciativas de treinamento técnico e oferece cooperação técnica e apoio, nesse caso também em cooperação com a OPAS.”

Atualmente, o Banco está financiando um projeto de cooperação técnica regional para apoiar a OPAS na avaliação e implementação dos NIPPPs dos países. O projeto também produzirá um estudo para determinar o grau de prontidão dos países para reagir à gripe aviária  e desenvolver um modelo para os NIPPPs, ou planos de ação de países.

“Países com pessoal e instituições qualificados podem transferir seu conhecimento para outros menos dotados”, segundo André Medici, do BID. “Mas isso poderá não acontecer, a menos que sejam criados incentivos para intensificar a cooperação.” 

Além de abordar fatores de saúde que podem surgir de uma pandemia de gripe aviária, o Banco está analisando também aspectos econômicos e sociais.

“Em alguns países da região, a produção de aves é tão importante para a economia, que quando os preços sobem, as pessoas dizem que há uma ‘inflación del pollo’ (inflação do frango)”, acrescentou Falconi. “Para proteger as economias desses países, o BID está financiando atividades de cooperação técnica para avaliar mecanismos de compensação financeira, nos casos que requeiram o extermínio de aves ou outros mecanismos emergenciais.”

Finalmente, o Banco vem exercendo uma coordenação ativa com instituições internacionais, governos, o setor privado, centros de pesquisa e a sociedade civil, por meio de conferências, grupos de trabalho e iniciativas internacionais, inclusive a Estrutura Global para o Controle Progressivo de Doenças Animais Transfronteiriças (GF-TADs).

A GF-TADs vem trabalhando para desenvolver uma ação regional coordenada, que leve em conta questões de difícil abordagem no nível regional, tais como a atualização dos padrões de migração de aves e a comunicação e cooperação internacionais.  

Atraindo a atenção da região...

Na opinião dos especialistas em saúde, o que tem sido feito até o momento é apenas uma fração do que precisa ser feito para que se esteja realmente preparado para uma pandemia; e a necessidade de estar preparado é mais urgente do que pode parecer.  

“A América Latina e o Caribe são vistos como regiões de baixo risco para a gripe aviária”, disse Marco Ferroni, do BID, “e as pessoas tendem a ignorar riscos baixos.” 

Segundo especialistas em saúde, a forma para fazer com que os países estejam mais atentos  aos riscos, é produzir um estudo mostrando os possíveis impactos de uma pandemia de gripe aviária, em termos tanto de saúde como econômicos.

“Mesmo que não haja nenhum caso da gripe nas Américas, a América Latina – e especialmente o Brasil – sofrerão, porque as exportações de frango despencarão devido ao medo da doença. Os impactos econômicos na região poderiam ser enormes”, afirmou Mark Cackler, do Banco Mundial.

A América Latina e o Caribe produzem 16 milhões de toneladas de aves anualmente, número que representa 26% da produção mundial, bem como 5 milhões de toneladas de ovos no mesmo período. O Brasil é o terceiro maior produtor de aves do mundo; os derivados de aves respondem por 23% das exportações do país, segundo a OPAS.

…e avançando

A Dra. Etienne enfatizou a necessidade da coordenação de esforços entre setores e agências. “Precisamos criar uma iniciativa conjunta”, declarou. “Precisamos desenvolver, em conjunto, informações a ser transmitidas aos países, para que estes as retransmitam ao seu povo, por exemplo. Também precisamos trabalhar em conjunto na avaliação de planos, realizando análises de lacunas e modelagens econômicas, além da gestão do conhecimento da informação.”

A arrecadação de fundos é uma outra área de colaboração, declarou Wanda Engel, do BID. “Precisamos coordenar o financiamento de planos de países; financiamentos fragmentados não nos levarão a lugar algum”, concluiu.

A comunidade internacional destinou US$1,9 bilhão para o esforço de combate à gripe aviária, durante uma conferência realizada em Pequim, na China, no início deste mês. Mas o Banco Mundial estima que o custo total de uma pandemia para a economia mundial seria de US$800 bilhões, apenas no primeiro ano.

A Dra. Margaret Chan, especialista em pandemias da OPAS, disse em Pequim que o custo de agir agora é “uma pechincha”, se comparado aos prejuízos potenciais de uma pandemia.   

 

(1) Nota: Ver Influenza pandémica y aviar na página web da OMS.

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