Wylfo Caétano estava farto. Depois de quase uma década trabalhando em uma unidade encarregada de conservar a iluminação das rodovias, no Ministério dos Transportes do Uruguai, Caétano conhecia o trabalho como ninguém. Ele começou como consultor técnico, após abandonar os estudos de engenharia elétrica para ganhar experiência. Mais tarde, passou em um concurso para um emprego permanente como funcionário público em sua unidade e, por fim, foi promovido para a chefia de uma equipe de 12 funcionários.
Trabalhador compulsivo, que “nunca deixa um serviço pela metade”, segundo sua própria descrição, Caétano mergulhou nas misteriosas especificações técnicas dos sistemas de iluminação e tornou-se um especialista relutante nos processos de compra do governo. Era tarefa da sua equipe monitorar cerca de 5.000 lâmpadas de vias públicas, adquirir as lâmpadas e o equipamento necessários para reposição e executar o trabalho de manutenção usando grandes guindastes hidráulicos.
Só havia um problema: na prática, a legislação impedia que ele fizesse um bom trabalho. O principal problema, disse Caétano durante recente entrevista em Montevidéu, era o sistema de aquisições do governo. “As leis sobre compra são inacreditavelmente rigorosas — que é como devem ser — mas nos deixam de mãos e pés atados quando se trata de adquirir coisas de forma adequada”, disse ele.
Além de ser tão complexas que às vezes levava um ano para adquirir um lote de peças, as normas para compra davam muito pouca flexibilidade à equipe de Caétano. “Se eu recebesse três preços por um produto e os requisitos técnicos indicassem que eu tinha de escolher o mais caro, seria quase impossível fazer isso.” Como resultado, muitas vezes o governo era obrigado a adquirir material inferior ao padrão, ou mesmo inútil, para obedecer à letra da lei. Quando essas peças falhavam, o governo acabava gastando muito mais para resolver o problema. Em certa ocasião, a equipe de Caétano foi obrigada a instalar 130 novas lâmpadas com peças que sabia estarem com defeito. “Em dois meses, tivemos de substituir 60% delas”, recordou ele.
As normas rígidas de trabalho também atrapalhavam a equipe de Caétano. Foram-lhe cedidos quatro motoristas, por exemplo, que não tinham permissão para executar nenhuma outra tarefa a não ser dirigir os veículos. “Portanto, para a simples troca de uma lâmpada eu tinha de enviar sempre dois homens”, disse Caétano, “quando apenas um poderia dar conta do recado.” Com freqüência, Caétano recebia ordem de enviar grupos a locais de trabalho distantes, para dar a impressão de que se estava resolvendo um problema, mesmo quando não se dispunha das peças de reposição adequadas. Apesar de todo o seu empenho, em média a equipe de Caétano só conseguia manter cerca de 75% das lâmpadas de sua área funcionando.
“Havia um desperdício enorme, não porque alguém estivesse tirando partido da situação”, disse Caétano. “Todos estávamos perdendo. Os fornecedores perdiam porque não podiam vender para nós, porque nosso processo de aquisição era tão demorado. O Estado perdia porque gastava pagando combustível e salários a turmas que não podiam trabalhar.” E Caétano ia perdendo a paciência. O seu salário era várias vezes mais baixo do que o de amigos seus no setor privado, além de ele estar sendo isolado por funcionários com mais “jogo de cintura” no ministério, que se ressentiam por seu empenho constante em aumentar a eficiência.
Nova oportunidade. Em 1997, Caétano tomou conhecimento de que o ministério estava estudando a possibilidade de terceirizar determinadas operações de manutenção com o objetivo de reduzir custos. Como parte de um programa financiado pelo BID, o governo estava oferecendo incentivos financeiros a funcionários públicos que desejassem abrir empresas privadas para concorrer ao trabalho que seria terceirizado. Caétano, que sempre sonhara em um dia dirigir sua própria empresa, agarrou a oportunidade.
Estimulado por seu chefe e com a ajuda técnica da unidade de modernização que dirigia o programa do BID, Caétano preparou uma proposta minuciosa de contrato para fornecer manutenção à mesma área que estava sob sua responsabilidade. Ao mesmo tempo, o ministério realizou uma meticulosa análise de custos, que mostrou que a unidade de Caétano (incluindo salários, combustível, equipamento e material) estava custando ao governo cerca de US$50.000 por mês. Caétano calculou que poderia fornecer um nível muito melhor de serviço, como empresa privada, por cerca de 30% menos. E achava que podia fazê-lo com cinco homens, em vez de 12.
Finalmente, o ministério assinou um contrato de dois anos com a nova firma de Caétano, Candelas SRL, pelo qual ele devia manter 97% das lâmpadas na sua área sempre em boas condições operacionais por US$37.000 ao mês. O ministério realizaria verificações periódicas aleatórias, e Candelas seria punida financeiramente cada vez que a porcentagem de lâmpadas em funcionamento caísse abaixo de 97%. Caétano convenceu quatro dos seus melhores colegas a se unir a ele na nova empreitada. Os demais membros de sua divisão aceitaram pacotes de aposentadoria do governo ou empregos em outros ministérios.
Hoje, Caétano e seus colegas estão ganhando muito mais do que quando eram funcionários públicos e a Candelas venceu recentemente uma concorrência pública para um segundo contrato de manutenção, de dois anos. Caétano declarou que consegue manter praticamente 100% das lâmpadas sempre em funcionamento e com custos muito mais baixos porque só trabalha com fornecedores de confiança e constantemente negocia descontos — algo que jamais poderia fazer no setor público. Recentemente, sua empresa obteve um contrato da companhia de eletricidade pública do Uruguai e contratou cinco novos empregados.
Competência básica. A Candelas SRL é uma das dezenas de pequenas empresas constituídas por ex-funcionários do governo como resultado do programa uruguaio de reestruturação e modernização do Estado. Outra é a Gorestin SRL, fundada por Carlos Fernández, ex-funcionário de processamento de dados da Direção de Registros do país. Como Caétano, Fernández andava frustrado com o fato de ele e alguns outros funcionários conscienciosos terem de cobrir constantemente as falhas de colegas que se recusavam a fazer a parte que lhes cabia — embora recebessem o mesmo salário. Ao tomar conhecimento do programa de terceirização, ele e um colega prepararam uma proposta para uma empresa que forneceria processamento de dados a uma taxa fixa por documento, com não mais do que um erro por 1.000 documentos processados. A proposta foi aceita e agora Fernández e seu sócio empregam 10 universitários em meio expediente como processadores de dados e estão participando de concorrências para novos contratos do governo. “Não temos nenhum problema com a produtividade porque os nossos funcionários recebem por documento processado”, disse Fernández. “Quando um deles não aparece, os outros ficam contentes pois vêem nisso a oportunidade de ganhar mais dinheiro.”
Nem Caétano nem Fernández consideram sua experiência como uma acusação ao Estado em si, mas como um exemplo de como certos tipos de trabalho são mais apropriados ao setor privado. “O Estado tem obrigação de ser completamente transparente nos seus métodos de aquisição e isso significa utilizar determinados procedimentos e assegurar que ninguém seja excluído de uma licitação”, disse Caétano. Significa que o Estado precisa de tempo para examinar cada oferta para uma aquisição, independentemente dos seus méritos, e que também deve responder aos protestos dos licitantes. “Mas se eu souber de antemão que um determinado fornecedor vai nos vender material ruim, eu simplesmente o excluirei. O Estado não pode fazer isso. Portanto, acaba gastando mais.”
Caétano acredita que muitas outras áreas do governo podem se beneficiar com a terceirização e julga que essa prática aumentará à medida que as pessoas conheçam histórias como a sua. “Neste exato momento, muita gente ainda está observando para ver como nos saímos”, disse ele.