O Cardeal Oscar Andrés Rodríguez Maradiaga nasceu em Tegucigalpa, Honduras, em dezembro de 1942. Completou seus estudos primários e secundários no Instituto Salesiano de San Miguel e, em 1965, formou-se como professor do ensino médio em física, matemática, ciências naturais e química na Escola Normal Masferrer de El Salvador. Nesse mesmo ano, obteve o grau de bacharel em filosofia pelo Instituto Don Rúa de El Salvador.
Foi ordenado sacerdote na Guatemala em 1970. Em 1978, foi nomeado bispo titular de Pudenziana e Auxiliar de Tegucigalpa e em 1993 foi promovido à sede metropolitana de Tegucigalpa. Em 21 de fevereiro de 2001 foi nomeado cardeal. Entre muitos outros cargos, foi secretário geral e presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM).
Rodríguez conversou com Christina MacCulloch, representante de imprensa do BID, durante o encontro internacional sobre "Ética e Desenvolvimento: os Novos Desafios", realizado em Tegucigalpa, Honduras, de 1 a 3 de setembro.
BIDAmérica: Nestes tempos de crise econômica, por que devemos nos importar com a ética?
Rodríguez: Porque por um lado temos desenvolvimento e por outro temos pobreza. Como podemos fazer com que o desenvolvimento se converta em alívio da pobreza? Com uma perspectiva. Se for uma perspectiva puramente economicista, faremos crescer os índices econômicos ainda que os índices de pobreza aumentem. Mas se é uma perspectiva ética, então vemos que o desenvolvimento não é somente desenvolvimento econômico, mas o desenvolvimento humano. O desenvolvimento humano passa pela dimensão ética, pela dimensão dos valores. É reconhecer que todas as pessoas têm um valor, tenham ou não possibilidades econômicas. É buscar uma sociedade que já não é individualista, mas solidária.
BIDAmérica: Como se chega a esse tipo de sociedade?
Rodríguez: A solidariedade implica que se os esforços dos pobres e dos abastados se combinam, começa a aliviar-se. Mas não podem ser esforços apenas de uma parte. Muita gente pensa: "Bem, que os ricos dêem". E os pobres? Os pobres são também protagonistas da saída de sua pobreza para uma cultura de solidariedade. Os pobres podem ser afetados pelo individualismo, pela mentalidade de "cada um por si", sem considerar os demais. Por isso precisamos de uma perspectiva de que somos uma só humanidade, de que se trata precisamente de buscar um horizonte de esperança mediante os valores éticos do desenvolvimento.
BIDAmérica: Os jovens têm um papel particular nesse sentido?
Rodríguez: Esse é importantíssimo, porque a América Latina é um continente majoritariamente jovem. Hoje em dia, a única esperança que os jovens têm é conseguir um visto para ir para os Estados Unidos ou ir ilegalmente, o que tampouco é uma solução. Creio que é importante que compreendamos que em nossa sociedade é necessário dar aos jovens valores pelos quais lutar. Mas não valores que se expressem apenas em palavras, mas valores que se encaixem na vida, na sociedade, na comunidade política e na comunidade econômica. Não podemos pensar que isso pode ser feito apenas pela Igreja, pela família ou pela sociedade civil.
Os jovens se sentem alienados em sua própria terra. Não há perspectivas de educação porque não há recursos para oferecê-la. Quando se anda pelos bairros pobres, não há uma praça onde praticar esportes. Sem trabalho, sem educação, sem possibilidades de diversões sadias, o único que se fomenta é a delinqüência. Por isso, para atender à questão ética, temos que dar primeiro uma solução aos problemas sociais.BIDAmérica: Que tipo de valores são os que mais precisamos resgatar na América Latina e no Caribe?
Rodríguez: Creio que os principais valores são os valores da dignidade da pessoa. A grande maioria de nosso povo tem uma auto-estima muito baixa, porque estão sempre ouvindo que não servimos para nada, que não temos valor, que somos os piores do mundo, que este é um país atrasado. Precisamos, então, fortalecer nossa auto-estima, não com base em lisonjas, mas na dignidade da pessoa humana.
Em segundo lugar, o valor da honestidade. Aqui se criou uma cultura da corrupção, especialmente no âmbito político, com base na crença de que o que vale é o que tem dinheiro. Não importa como o obteve, ou se foi roubado. O importante é que tenha dinheiro. Por isso necessitamos de uma cultura da honestidade, da verdade. São esses grandes valores que funcionam como mananciais dos quais brota o rio da democracia.
Como conseqüência lógica, os valores da família, do respeito às pessoas, os valores da integração social. Hoje temos uma sociedade desintegrada e tremendamente sectária do ponto de vista político. A criança já nasce com uma bandeira partidária na mão. Por isso empreendemos uma campanha de educação política através da Igreja que provocou alguma estranheza, mas que ao longo do tempo vai dar muitos resultados.
BIDAmérica: O senhor acredita que a sociedade está disposta a deixar que a Igreja tenha um papel de destaque nesses temas?
Rodríguez: Creio que sim, porque especialmente nas décadas da repressão militar a Igreja sempre teve uma voz, quando muitas outras instituições se calaram. Hoje nossa voz procura fazer com que a sociedade reflita sobre a ética, a integração social, a globalização com eqüidade. Porque estou convencido de que não basta apenas proclamar uma doutrina. É preciso educar os indivíduos.
BIDAmérica: E o que a Igreja está fazendo para promover esse tipo de reflexão?
Rodríguez: Creio que os meios de informação, especialmente a televisão, estão excessivamente comercializados e concentrados nas más notícias. Por isso, fizemos um esforço para obter um canal de televisão, o canal 48, que se chama o "canal da solidariedade". Fazemos programas criativos, educativos e de . Temos, por exemplo, um programa para o qual estamos convidando candidatos políticos para que falem sobre valores. Estamos indo muito bem: entre os 14 canais , estamos em quarto lugar depois de apenas um ano e meio.
Dirigimos também uma universidade que está consolidada em valores e que em em oito anos passou de 35 para 6.000 alunos. porque desde o princípio definimos que nosso enfoque seria o estudo. O que quiser fazer política ou ter um passatempo que deixe o lugar para quem quer estudar. E dá resultado! Temos classes de jovens que saem com emprego antes de se formar. Isso tudo dá horizontes aos jovens.
BIDAmérica: O senhor crê que instituições como o BID podem ter um efeito positivo sobre algo abstrato como a ética?
Rodríguez: Sem dúvida nenhuma. Para nós, foi muito importante que o BID, através de sua presidência e da , tenha aberto as portas a um diálogo que inclui a Igreja também. Vimos que esses eventos criam um espaço especial para discutir essa temática tão importante. Acredito que esses esforços respondem a uma necessidade muito sentida em nossos tempos e estão ajudando a preencher um vazio.