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Uma reforma previdenciária que começa a dar resultados

Daniel Drosdoff

LIMA, PERU – Roberto Francisco Cárdenas, de 42 anos, trabalha como motorista para a administração regional na cidade andina de Cusco. Ángel Cruz, de 59 anos, é um motorista aposentado em Lima que faz trabalhos ocasionais. Maria Antonieta Garibotto, de 63 anos, é viúva e mora em Lima.

O que os três têm em comum é o fato de serem associados ao sistema de previdência privada do Peru. E os três estão convencidos de que esse foi um bom negócio.

O sistema de previdência privada no Peru foi estabelecido como uma alternativa em 1992, numa época de crise financeira e quase colapso do sistema previdenciário administrado pelo Estado. O sistema é constituído por fundos controlados por cinco empresas administradoras de fundos de pensão (AFP) concorrentes.

A sra. Garibotto recebe 700 soles (cerca de US$200) por mês como viúva com direito a pensão de seu falecido marido. “Agradeço a Deus por minha AFP”, diz ela. “Se meu marido fosse associado ao sistema do governo, eu estaria recebendo 80 soles por mês.”

As AFPs tiveram um início instável na época de sua criação, em parte porque as pessoas se mostraram céticas quanto à viabilidade do novo sistema. Porém, com o tempo, conforme os fundos foram acumulando ativos e começaram a pagar benefícios, as boas notícias se espalharam, e um número crescente de pessoas decidiram se associar ao sistema privado.

Cruz escolheu uma opção denominada em dólares norte-americanos para seu plano de pensão e recebe US$350 por mês de sua AFP. Colegas da mesma profissão que preferiram continuar no sistema público estão recebendo 350 soles por mês, um pouco mais de US$100. Quando se associou a uma AFP em 1992, Cruz, como outros peruanos, tinha diante de si uma escolha: permanecer no sistema público com um retorno garantido pelo Estado, ou assinar um contrato com um sistema privado novo, mais arriscado e ainda não testado que apresentava o potencial de uma renda melhor na aposentadoria.

Cruz disse que resolveu entrar para o plano privado porque “era mais fácil associar-se a ele. Havia menos burocracia”.

Em Cusco, Cárdenas decidiu se associar ao sistema privado em parte pela propaganda convincente dos vendedores da AFP, mas também porque amigos e colegas lhe disseram que os benefícios seriam mais altos do que os oferecidos pelo sistema estatal. O fundo de pensão desconta 8% de seu salário e seu empregador, o governo regional de Cusco, oferece-lhe um plano de saúde como benefício. Com o plano de previdência público, o desconto em seu salário seria de 13%, correspondentes ao fundo de previdência e a um pacote de benefícios que incluiria um plano de saúde.

Uma nova fonte de capital. Depois de mais de doze anos em operação, as AFP peruanas dão cobertura hoje a 3,5 milhões de trabalhadores e têm ativos acumulados de US$8,7 bilhões. Esse montante já corresponde a cerca de 60% do capital de investimento do país e está crescendo a uma taxa de US$60 milhões por mês, diz Fernando Muñoz-Najar Perea, consultor da Associação de AFP.

“Os fundos alcançaram seu principal objetiv melhorar as aposentadorias de milhões de trabalhadores associados”, diz Muñoz-Najar.

O sistema privado foi criado em resposta a uma crise fiscal. “O país estava quebrado”, lembra ele. “As contas nacionais precisavam ser acertadas.” O projeto do sistema de previdência privada peruano baseou-se em grande medida no modelo bem-sucedido desenvolvido pelo Chile. O desenvolvimento do sistema recebeu apoio financeiro e assistência técnica do BID e do Banco Mundial. No entanto, ao contrário do Chile, que exigiu que todos os trabalhadores empregados na economia formal entrassem obrigatoriamente nos planos privados, o Peru decidiu manter um sistema previdenciário nacional paralelo, que foi gradualmente se reduzindo, conforme os planos privados se firmavam. O plano estatal continua a competir com o sistema privado e atende cerca de 800.000 trabalhadores.

Muñoz-Najar estima que os benefícios de aposentadoria dos planos privados são, em média, o dobro da renda recebida pelos trabalhadores que participam do sistema estatal.

Há, no entanto, algumas exceções. Professores, por exemplo, têm paridade em ambos os sistemas, estatal ou privado, garantida por lei. Ex-funcionários públicos graduados recebiam até recentemente uma pensão conhecida como Cédula Viva, que lhes permitia aposentar-se com o salário integral. A Cédula Viva foi abolida em 2002 como parte do processo de reforma previdenciária, mas aqueles que estavam recebendo o benefício antes da mudança da lei continuaram a recebê-lo, o que representa um custo estimado para o Tesouro de US$1,5 bilhão por ano.

Baixa taxa de cobertura. Apesar de seus sucessos, o sistema privado peruano recebe críticas por dois aspectos: ele alcança apenas cerca de 27% da população economicamente ativa de 13 milhões de peruanos, e seus custos de transações são considerados altos por alguns analistas.

O consultor internacional independente Oscar Blanco Sánchez diz que o “calcanhar de Aquiles” dos fundos de pensão privados é o fato de que a maioria dos trabalhadores peruanos não recebe aposentadoria nenhuma, por serem autônomos ou por pertencerem aos 50% da força de trabalho que se encontram no setor informal da economia.

Muñoz-Najar concorda. “O principal problema dos fundos de pensão privados é o baixo número de pessoas que eles atendem. Falta ao Peru uma cultura da previdência”, diz ele. “As pessoas esperam que seus filhos ou netos cuidem delas na velhice.”

Os três milhões de trabalhadores contribuintes autônomos na economia formal poderiam ser atraídos para o sistema privado se suas contribuições previdenciárias fossem isentas de impostos, como acontece na maioria dos países, diz Muñoz-Najar.

Ele informa que a Associação de AFP está reivindicando que o governo introduza uma isenção tributária para contribuições e torne obrigatória a associação ao sistema de pensões privado para os trabalhadores autônomos incluídos na economia formal.

Os trabalhadores da economia informal são ainda mais difíceis de ser alcançados por um plano de previdência, diz ele. Talvez para isso seja necessário um sistema de deduções financiado pelo governo, com base na quantia que um trabalhador paga em taxas de consumo, como o imposto sobre circulação de mercadorias ou o imposto sobre o consumo de gasolina.

“Um taxista independente não recebe benefícios, mas, se você lhe perguntar, ele lhe dirá que não paga impostos”, diz Muñoz-Najar. “Na verdade, ele paga uma série de impostos: toda vez que enche de gasolina o tanque de seu carro ele paga um imposto alto sobre o combustível. O Estado pode ter de levar em consideração as taxas sobre o consumo ao criar sistemas de pensão para aqueles que não estão inscritos em nenhum plano.”

Taxas administrativas elevadas. Um estudo recente de Carmen Li, da Universidade de Essex, no Reino Unido, e Javier Olivera, do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Peru, revela que a taxa administrativa média das AFP peruanas é a mais alta da América Latina. Muñoz-Najar comenta que o estudo foi publicado antes de uma queda significativa nas taxas de comissão cobradas pelas AFP peruanas. Ele diz que as taxas administrativas variam entre as cinco AFP que competem entre si e aplicam porcentagens diferentes. Muitas tarifas caíram cerca de três quartos de ponto percentual em 2005, quando um novo prestador de serviços, a AFP Horizonte, começou a operar com uma taxa administrativa de 1,45% das contribuições para o fundo, 82 pontos base abaixo da média do setor.

“Durante os primeiros cinco anos de operações, as oito AFP originais perderam dinheiro”, lembra ele. “Houve muitas críticas na imprensa. As pessoas diziam que o sistema era um fracasso, porque as AFP não conseguiam ter lucros. Depois, quatro das AFP encerraram suas operações e as outras começaram a lucrar. Então foram criticadas por cobrar taxas altas.”

Leis nacionais rígidas criaram barreiras entre os ativos das AFP e os fundos mantidos em nome de depositantes, os quais podem transferir suas contas intactas para uma AFP diferente se seu administrador original sair do mercado. O risco é reduzido pela fixacão de um teto para a aplicação em ações, que só pode representar um máximo de 30% da carteira de aplicações da empresa. Além disso, uma empresa individual não pode possuir mais de 4% das ações de uma AFP. Embora sujeitas a essas leis conservadoras, as AFP proporcionam um retorno de 6 a 7%, o que é “um rendimento muito bom”, diz Muñoz-Najar.

O consultor Blanco concorda em que, de modo geral, as AFP foram uma contribuição positiva para a sociedade e para a economia peruanas. “Basicamente, o sistema funciona”, diz ele. “Um importante segmento da população já tem garantia de uma pensão. As poupanças domésticas estão crescendo. O Estado é solvente, o que não aconteceria se o sistema antigo não tivesse sido alterado.”

O papel do BID. O BID contribuiu para a elaboração e o estabelecimento do sistema de previdência privada no Peru com um empréstimo baseado em políticas de US$200 milhões para a reforma do setor financeiro em 1992 e, nesse mesmo ano, com um empréstimo paralelo de US$22 milhões para assistência técnica.

Em 2002, o Banco aprovou um empréstimo baseado em políticas de US$300 milhões para o Peru voltado ao aprofundamento da reforma previdenciária e outras medidas destinadas a fortalecer as finanças públicas e melhorar o direcionamento de gastos sociais para os setores mais pobres da população.

Hunt Howell, especialista do BID para o setor financeiro, diz que o Peru não só executou com sucesso as reformas previdenciárias programadas, como também o fez de uma maneira mais completa e extensa do que havia sido previsto. Por exemplo, a reforma incluiu a aprovação pelo Congresso de uma emenda constitucional que permitiu ao governo começar a desativar as pensões Cédula Viva. Howell observa que o empréstimo baseado em políticas também levou à reforma do programa de aposentadoria de policiais e militares estabelecido na década de 1970 como um plano nominalmente privado, “ao estilo AFP", que se tornara cada vez mais subcapitalizado devido a uma governança e administração deficientes. Essa reforma foi essencial, visto que o programa representava um passivo contingente significativo para o Tesouro Nacional.

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