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Uma cidade improvável

Um guia turístico da cidade colombiana de Manizales a descreve como um lugar de "topografia abrupta", que está "em harmonia com a natureza" e possui uma "simbiose entre o natural e o artificial". Tudo muito bem, mas um breve exame dos 150 anos de história desta cidade mostra que sua localização sempre foi fonte permanente de dores de cabeça e sofrimento.

Construída sobre o declive íngreme de uma montanha isolada, 2.150 metros acima do nível do mar, em uma região conhecida por seus terremotos freqüentes, deslizamentos de terra e erupções vulcânicas, Manizales convive com desastres naturais desde sua fundação. Mas com o passar dos anos a cidade conseguiu transformar este infortúnio em vantagem. O resultado foi a evolução de uma "cultura sísmica local", que hoje serve de modelo para outras cidades interessadas em prevenção e controle de desastres naturais recorrentes.

"Nenhuma outra cidade do mundo está na mesma situação que Manizales", afirma Omar Darío Cardona, consultor do BID e engenheiro de gerenciamento de risco que dirige a firma Ingeniar Ltda., de Bogotá.

Vulnerabilidade sísmica Terremotos freqüentes derrubaram as construções originais de Manizales, que eram feitas de taipa e tijolos de adobe. Devido à alta vulnerabilidade sísmica da cidade, as autoridades municipais eliminaram esta forma de construção no final do século 19. Manizales então desenvolveu seu próprio ‘estilo de construção à prova de terremotos’, usando materiais locais que já tinham sido utilizados pelos primeiros colonizadores da cidade. Essa técnica de construção de paredes, chamada bahareque, emprega postes de madeira misturados com barro e um bambu local conhecido como guadua. O método bahareque, desde então, passou a ser a técnica de construção predominante em Manizales.

Novos desastres ocorreram entre 1922 e 1925 na cidade, quando fiações elétricas recentemente instaladas causaram dois grandes incêndios. Mais de 30 quarteirões de casas foram destruídos, e a técnica de construção bahareque ficou temporariamente desacreditada. Pelo fato de a cidade ser isolada demais para importar materiais de construção de fora, as autoridades locais decidiram continuar a promover a técnica bahareque, incorporando algumas melhorias e outros materiais. O resultado foi um estilo único de arquitetura urbana. As atuais normas nacionais colombianas sobre resistência a terremotos recomendam o uso de material de construção reforçado para casas subsidiadas pelo governo.

Em 1929, Manizales era a capital do café e seus produtos eram cotados na Bolsa de Valores de Nova York. A estrada de ferro havia chegado e, graças ao bahareque, a cidade continuou a resistir aos efeitos dos terremotos. Na verdade, o forte terremoto de 1938 não causou danos significativos à cidade e os terremotos de 1962, 1964 e 1979 causaram somente danos menores.

Deslizamentos de terra. Nem tudo estava são e salvo em Manizales, porém. A ruas extremamente íngremes da cidade estão penduradas na montanha e chuvas fortes soltam o solo e desencadeiam deslizamentos fatais, que já soterraram um grande número de casas e mataram centenas de pessoas. Os deslizamentos estavam retirando o subsolo da cidade e, por isso, foi preciso construir inúmeras plataformas com o intuito de compensar os graus de declive e inclinação.

"Na década de 60, a cidade decidiu controlar os deslizamentos de terra", diz Cardona. "Com a ajuda de um empréstimo do BID para o governo federal no valor de US$200 milhões, diversos trabalhos notáveis de engenharia foram realizados para controle de água, construção de terraços e contenção de encostas."

Manizales já foi atingida por tantas catástrofes em sua curta história — incluindo a erupção do vulcão Nevado del Ruiz em 1985, que causou 20.000 mortes nas cidades vizinhas de Armero e Chinchiná — que a cidade é hoje um centro mundial em pesquisa de desastres causados por fenômenos naturais.

Após o desastre de 1985, foi criado um observatório de vulcanologia. Além disso, Manizales tem uma escola de engenharia reconhecida mundialmente, especializada em estudos sísmicos e mapeamento de risco. Desde a década de 80, a cidade possui instalado um sistema municipal de prevenção de desastres baseado nos planos de desenvolvimento urbano municipal e de uso do solo que incorporam prevenção e gestão de calamidades públicas como um de seus alicerces estratégicos e políticos.

A preparação para desastres se tornou parte da cultura da cidade. Informações relacionadas à prevenção e atividades educativas são regularmente conduzidas nas escolas. São feitas simulações periódicas para garantir que a atenção e a vigilância permaneçam em alta. O prefeito tem um assessor de preparação para desastres e a cidade emprega um time de profissionais de alto nível, que trabalha em centros de pesquisa científica. Todos os habitantes que se empenham em reduzir a vulnerabilidade de suas residências recebem um incentivo fiscal.

Além disso, a cidade é dotada de um centro de recursos intergovernamental para atender a emergências, assim como um corpo de bombeiros bem treinado. Vários prédios públicos como corpo de bombeiros, escolas, universidades e hospitais tiveram suas estruturas reforçadas e muitos deles hoje estão cobertos por apólices de seguro em grupo. A população inclusive concordou com uma arrecadação especial para ajudar a manter o plano de prevenção a desastres da cidade.

Investindo no futuro."Manizales está na vanguarda em prevenção e manejo de desastres naturais", diz Cardona. A cidade continua a aprimorar seu sistema, mas Cardona diz que mais financiamentos serão necessários para que o trabalho possa prosseguir.

Um novo problema são as ondas de pessoas que buscam a cidade para fugir da violência que assola outras regiões da Colômbia. É curioso que a "capital do desastre natural" do país seja vista por alguns como um refúgio.

"Precisamos tomar medidas para prevenir o desenvolvimento urbano descontrolado em Manizales", diz Cardona. "Muitos assentamentos espontâneos de famílias pobres e migrantes correm sérios riscos de deslizamentos de terra no futuro. Os habitantes de Manizales possuem uma mentalidade orientada à prevenção adquirida através de gerações, mas os que vêm de fora não têm consciência de sua vulnerabilidade", acrescenta.

Infelizmente, o governo colombiano não vê os pedidos de apoio vindos de Manizales como prioridade, precisamente porque a cidade – que já fez tanto na área de prevenção de desastres naturais – está em situação muito melhor do que outras áreas do país.

Há esforços no sentido de conseguir apoio do governo federal para obter um empréstimo de US$5 milhões do BID para custear as obras emergenciais da cidade. "As soluções devem surgir com a mesma rapidez que os problemas", declara Cardona.

No centro de Manizales existe uma catedral neogótica de 100 metros de altura, que veio a simbolizar o desafio da cidade para com as forças da natureza. Inaugurada em 1939, permanece de pé apesar de diversos terremotos e incêndios. Como parte da política municipal de prevenção, as autoridades locais estão planejando um reforço na estrutura da catedral, para que este símbolo possa permanecer firme por muitos anos.

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