Da mesma forma que um político pode definir uma era, um determinado projeto pode deixar a sua marca em uma instituição de desenvolvimento. Para o BID, esse projeto foi a "BR-364", abreviatura de uma operação financiada pelo Banco para a pavimentação de uma rodovia na Amazônia brasileira entre as cidades de Porto Velho e Rio Branco.
O projeto e a cadeia de inovações que ele deflagrou serão temas de uma nova reportagem que reunirá as reflexões de algumas das numerosas pessoas envolvidas, como autoridades do BID, líderes de comunidades indígenas, seringueiros, funcionários estaduais e municipais do país e representantes de organizações não-governamentais.
Depois que o BID aprovou empréstimos no total de US$58,7 milhões em 1985 para ajudar a financiar a estrada, preocupações com o impacto do projeto sobre as comunidades indígenas e de seringueiros e sobre o meio ambiente fizeram com que o Banco destinasse US$10 milhões adicionais ao Programa de Proteção do Meio Ambiente e das Comunidades Indígenas (PMACI). Quando se constatou que o PMACI não estava sendo conduzido conforme fora desenhado, o BID tomou a medida sem precedentes de sustar o desembolso dos empréstimos.
Para romper o impasse, o BID promoveu uma extensa rodada de consultas entre todos os grupos envolvidos, incluindo órgãos governamentais e militares brasileiros. Muitos desses grupos historicamente antagônicos foram colocados frente a frente pela primeira vez. O resultado foi que se chegou por consenso a um novo plano PMACI que incluía a criação de reservas para seringueiros, a demarcação de terras indígenas, o treinamento de pequenos produtores em métodos mais avançados de produção e a melhoria nos serviços de saúde e educação.
Como se viu depois, o impacto do plano superou em muito o âmbito do projeto. No relatório "Participação e Desenvolvimento Sustentável na Amazônia: o Caso do PMACI", os autores Mary Allegretti, Anne Deruyttere e Carlos Ramírez descrevem como o projeto levou a uma série de mudanças que atingiram o núcleo dos procedimentos do BID para o financiamento de projetos de desenvolvimento. Antes, a informação era controlada, com o mínimo de divulgação para o público; depois, a transparência tornou-se a palavra de ordem. Enquanto antes as comunidades e os grupos privados tinham pouca oportunidade de influenciar o desenho dos projetos, o PMACI trouxe uma nova abordagem aos empréstimos para o desenvolvimento em que a participação comunitária no desenho e na implementação é considerada um requisito necessário ao êxito do projeto. O projeto teve até mesmo muita coisa a ver com a criação da Divisão do Meio Ambiente do Banco e com a implementação de procedimentos em que os projetos do BID passam por uma revisão dos impactos ambientais potenciais.
Em seu resumo final dos fatos, a então Vice-Presidente Executiva do Banco Nancy Birdsall disse que o PMACI será lembrado por representar um microcosmo das complexidades inerentes ao processo de desenvolvimento. Não é fácil conciliar as metas de desenvolvimento nacional com a proteção dos grupos populacionais vulneráveis, disse ela, nem com a necessidade de garantir a sustentabilidade dos recursos naturais.
"Não é fácil conciliar as necessidades urgentes e imediatas do desenvolvimento com a idéia de que a participação e o debate são importantes por si mesmos", disse Birdsall, "embora, no curto prazo, eles pareçam retardar o processo de desenvolvimento."
O PMACI não produziu respostas definitivas, concluiu Birdsall, porque estas não existem. Mas demonstrou a importância de diversos elementos que deverão ser - e foram - incorporados em outras operações: descentralização, participação e conciliação da proteção ambiental com o desenvolvimento.