Charo Quesada
Como presidente da Suspect Entertainment, Manuel Jiménez produz filmes, vídeos e comerciais e contrata jovens que gostariam de ser atores. Sediada em Hollywood, na Califórnia, sua empresa é especializada em “talentos étnicos difíceis de encontrar”. Na maioria dos casos, isso se refere a rapazes e moças do mundo violento das gangues. Jiménez oferece-lhes trabalhos como extras e então, se eles demonstrarem suficiente interesse e talento, procura encaminhá-los como atores.
Nos últimos sete anos, Jiménez tem obtido sucessos na reabilitação de membros das violentas gangues de rua de Los Angeles. Ele relatou seu próprio passado na Conferência sobre a Violência de Gangues de Jovens realizada recentemente na sede da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em Washington, D.C. “Vi muitas pessoas morrerem durante meus dez anos como membro de uma gangue, tenho cicatrizes de feridas de bala e de facadas por todo o corpo”, disse ele. “Eu me cansei daquilo e decidi procurar uma saída. Agora, quero oferecer uma oportunidade a esses garotos.”
Um problema institucional. A virada em estilo hollywoodiano na vida de Jiménez – ele agora usa ternos elegantes e não perde tempo distribuindo cartões de visita de sua empresa – é o que especialistas que se apresentaram na conferência gostariam de ver ocorrendo com milhares de jovens latino-americanos de ambos os sexos que hoje estão presos numa espiral de violência. É por isso que a OPS, a Coalizão Interamericana para a Prevenção da Violência (CIAPV), a Fundação Due Process of Law e o Washington Office on Latin America decidiram organizar uma conferência de instituições governamentais e civis com experiência nessa área.
Ao contrário da crença popular de que as gangues são um fenômeno recente, os oradores da conferência consideraram-nas um problema antigo “que não é resultado de guerras civis, ou de deportações dos Estados Unidos, ou de condições de pobreza”, de acordo com o sociólogo José Miguel Cruz, da Universidad de Centroamérica em El Salvador. “Eles não são os mais pobres entre os pobres”, prosseguiu, “e a Nicarágua, que viveu um conflito armado, tem uma incidência consideravelmente mais baixa do que El Salvador, Guatemala e Honduras.”
As raízes do problema devem ser buscadas em outra parte. “A violência dos jovens começa com a exclusão, a falta de oportunidade econômica, o abandono da escola”, disse Ernesto Bardales, dos Jóvenes Hondureños Adelante. “Ela é um problema institucional. Não temos políticas práticas para os jovens em Honduras, embora a necessidade delas seja reconhecida publicamente.”
Um após outro, representantes de municípios, departamentos policiais e organizações da sociedade civil mostraram a urgência da adoção de novas políticas governamentais e respostas adequadas. “As gangues representam um desafio para a saúde pública, para a segurança e para o desenvolvimento nas América”, disse Lainie Reisman, da CIAPV. “Os países centro-americanos, em particular, estão sendo desafiados a responder a esse problema respeitem os direitos humanos e as leis vigentes.”
Respostas erradas. As críticas mais duras dos participantes da conferência foram dirigidas a alguns governos e aos meios de comunicação em geral. Ambos foram censurados por “criminalizar” os problemas relacionados com as gangues. “A pior coisa não é o problema estar sendo politizado, mas o modo como as pessoas estão tentando resolvê-lo”, disse Bardales. “Alguns governos hoje vêm adotando reformas que reprimem as garantias constitucionais. A prática de humilhar e torturar esses jovens como se isso fosse algo legal está se tornando institucionalizada.” Foram citadas iniciativas recentes conhecidas como “Mano Dura” e “Plan Escoba” (“Plano vassoura”), que usam o conceito de “segurança nacional” para “declarar guerra aos jovens”.
Os meios de comunicação também foram criticados por devotar tempo e espaço excessivos ao tema do crime. “Temos de chamar a atenção para o modo como os meios de comunicação abordam a violência juvenil e para a sua tendência a ver o problema exclusivamente sob a perspectiva criminal”, disse Hamyn Gurdián, comissário-chefe de polícia da Nicarágua. “A repressão vende melhor ”, acrescentou. “É muito mais difícil vender prevenção.”
Nada irrita mais o professor emérito da University of Southern California, Dr. Malcolm Klein, do que a idéia de que os membros de gangues são criaturas violentas cujo único objetivo é reunir-se para cometer atos criminosos ou ilegais. “O objetivo dessas gangues é obter o apoio social mútuo que não estão conseguindo em outros lugares”, disse ele. “Não é o crime em si.”
A maioria acha que são as experiências pessoais desses jovens que os fazem sair de casa e se identificar com membros de gangues que têm problemas similares. “Eles vêm de famílias disfuncionais, lares rompidos, de mães solteiras, com fortes históricos de abuso infantil, negligência separação”, disse Cruz. “Acham que, na rua, podem pelo menos reagir, o que não conseguem fazer em casa.”
Soma-se a tudo isso o crescimento urbano desordenado, processos de exclusão social que derivam da falta de oportunidades, problemas de identidade devido à falta de modelos na infância, uma cultura que legitima a violência e é muito permissiva quanto ao uso de armas de fogo (El Salvador é o sétimo maior importador de armas de mão do mundo) e a dinâmica da violência e das drogas nas ruas. “O momento em que eles são expelidos da escola torna-se o passo definitivo para a gangue”, explicou Cruz. “Os garotos não têm outra escolha.”
O BID concorda com essa crítica. “Com muita freqüência, essas estratégias repressivas levam a violações dos direitos humanos”, disse Juana Salazar, especialista em setor social do Departamento de Operações Regionais 3 do Banco. “A eficiência desses tipos de intervenção não foi comprovada, mas seus custos econômicos e sociais são reconhecidamente altos.”
Um plano integrado. O comissário de polícia nicaragüense Gurdián propôs o “Modelo Preventivo Nacional” como um protótipo que poderia ser exportado para países do norte da América Central. Coordenado pela Polícia Federal do país, ele tem produzido bons resultados. “Na Nicarágua, abordamos esse fenômeno do ponto de vista das relações comunitárias e da gestão interinstitucional”, explicou. “Mais de mil oficiais de polícia trabalham como voluntários nessa área, desenvolvendo projetos preventivos com famílias, comunidades e escolas. A polícia está sendo proativa, num esforço para fazer os jovens participarem da sociedade.”
Gurdián comentou ainda que 73% da população da Nicarágua tem 30 anos ou menos, enquanto a média regional da América Central é 70%. Ele advertiu quanto à séria ameaça de deixar que se dissemine “uma doença que poderia ser evitada pelas ações apropriadas”.
Em vista das altas taxas de criminalidade e violência prevalentes e de seu impacto sobre os jovens, o BID está apoiando projetos de coexistência pacífica e cívica em El Salvador, Honduras, Guatemala e Nicarágua. Muitos desses programas contam com componentes especiais projetados para lidar com o problema das gangues. Como a intenção do Banco é colaborar com a prevenção, vários dos projetos financiados incluem medidas para ajudar a reintegrar ex-membros de gangues na sociedade. O BID também está patrocinando pesquisas aprofundadas sobre esse tópico, com base em levantamentos de campo. Por fim, com a ajuda de ONGs e da Igreja, o Banco vem apoiando projetos de capital semente para ajudar esses jovens a iniciar seus próprios negócios.
“Temos de criar mais visibilidade para essa questão e apresentá-la com uma voz distinta”, disse Rodrigo Guerrero, membro da CIAPV. “O custo de intervir com atraso é muito alto. violência chega a representar 15% do PIB de um país. Temos de dar início a atividades preventivas com uma abordagem positiva e levar este debate para toda a América Central, onde os governos locais desempenham um papel decisivo no controle desse problema. E precisamos fazer algumas mudanças radicais. Temos de padronizar critérios, metodologias e respostas.”
“Precisamos compreender os jovens em geral”, concluiu Bardales.