No sábado, 13 de janeiro de 2001, um terremoto que atingiu 7,6 na escala Richter abalou El Salvador, engolindo bairros inteiros, destroçando famílias e ceifando vidas. Na esteira do terremoto, 1.900 tremores secundários agravaram a desgraça já causada, apavorando os sobreviventes e desestabilizando ainda mais o solo. Esse último desastre natural, que nessa região nada tem de incomum, deixou um rastro de 46.000 desabrigados e quase 700 mortos.
Quando essas coisas acontecem, são os pobres e muito pobres que mais sofrem. Mesmo nos melhores momentos, os que vivem à margem da sociedade mal conseguem satisfazer suas necessidades básicas. Quando a catástrofe se abate sobre eles – seja uma crise econômica seja um desastre natural –, os mais fracos tendem a perder completamente o controle. Assim uma porcentagem maior da população passa a viver abaixo da linha da pobreza e uma sociedade já sobrecarregada se precipita numa espiral de crescimento econômico negativo e maciços problemas sociais.
Esse problema é tratado em Social Protection for Equity and Growth (Proteção Social para a Eqüidade e Crescimento), um fascinante lançamento de autoria de membros da Unidade de Assessoria para Pobreza e Desigualdade do BID sob a coordenação de Nora Lustig, assessora sênior do Banco para este assunto.
Os autores dos vários capítulos, num tom factual, expõem as conseqüências do desastre natural, da instabilidade financeira, do desemprego e do envelhecimento para os desfavorecidos da América Latina, onde se estima que um terço da população vive abaixo da linha da pobreza. Deixando de lado hipérboles, o livro cita números frios, que contam essa história sem enfeites mas com eloqüência. Um dado: na América Central, 68% da população já vivia abaixo da linha da pobreza antes do furacão Mitch se abater sobre a região, em 1998. Depois do Mitch, segundo as fontes citadas no livro, a porcentagem dos guatemaltecos destituídos do essencial se elevou ao estarrecedor nível de 80%.
Além dos desastres naturais a que a região é vulnerável, os autores observam que as desacelerações econômicas continuam a castigar muitos países latino-americanos. Essa combinação causa um impacto desastroso de longo prazo. "As crises econômicas e os desastres naturais são, infelizmente, muito comuns na América Latina e muitas vezes se fazem sentir além de muitas fronteiras", escreve Lustig na introdução do livro. "Nos últimos 20 anos, a América Latina enfrentou desacelerações econômicas acentuadas, devido a uma combinação de políticas macroeconômicas incorretas, quedas nas relações de troca, volatilidade dos fluxos de capital e instabilidade ambiental". Com efeito, os autores estimam que a pobreza tem subido 2% na região a cada queda de meio ponto percentual no crescimento econômico.
Mas Social Protection for Equity and Growth não é só mais uma crônica do árduo destino da América Latina. Esse volume delgado e bem organizado contém um estojo de ferramentas para a ação positiva e convoca os governos a criar uma estratégia de proteção social para reduzir a probabilidade de eventos adversos, amenizar o impacto de eventos catastróficos para os pobres e estimular o crescimento econômico. "O primeiro passo para evitar o círculo vicioso dos choques adversos e da pobreza crescente é prevenir crises futuras por meio de uma melhor gestão macroeconômica e estratégias para a redução dos riscos de desastres naturais", escreve Lustig. "Os governos precisam também de adotar redes de segurança direcionadas para os mais necessitados… essas redes devem ser projetadas para ajudar as famílias a acumular os ativos de capital humano e físico de que necessitam a fim de escapar permanentemente da pobreza."
Um dos argumentos centrais do livro refere-se à forma como os governos lidam com a desaceleração econômica. Os autores argumentam que, quando uma crise financeira força o país a apertar o cinto para evitar o desastre financeiro, os governos tendem a reagir mecanicamente: retalham os programas de gastos sociais para ajudar a equilibrar o orçamento. Os autores argumentam que essas medidas são normalmente contraproducentes. Em primeiro lugar, agravam a situação imediata dos pobres e, em segundo, causam um impacto negativo sobre o capital humano do país, ativo essencial para o crescimento. De fato, em última análise o custo da eliminação dessas rubricas orçamentárias supera o custo de sua manutenção.
Uma solução melhor, segundo os autores, é institucionalizar permanentemente os mecanismos de proteção social, assim preservando, mesmo em plena crise financeira, as políticas e programas que beneficiam os pobres. Um exemplo: Trabajar, o programa argentino que teve êxito mobilizando beneficiários de auxílio-desemprego para trabalhar em obras públicas, custa vinte e cinto centésimos por cento do PIB e beneficiou 350.000 desempregados. O custo estimado para estender o programa a todo o país é inferior a 1% do PIB.
Os autores de Social Protection for Equity and Growth demonstram que um complexo grupo de circunstâncias – algumas macroeconômicas, algumas sociais e culturais, outras geográficas – conspira contra os cidadãos mais vulneráveis da América Latina. E dizem que a via de sucesso para o alívio da pobreza tem de pesar todos os fatores, tanto os que se acham na raiz do problema e podem ser removidos (como a política fiscal irresponsável e a degradação ambiental) como os inevitáveis (como a vulnerabilidade da região aos desastres naturais). Além disso, argumentam que os atuais programas de proteção social têm de ser avaliados com clareza em termos de sua eficácia e de seus abusos antes que se possam fazer progressos.
Os autores acentuam que o impacto dos desastres na América Latina pode ser amenizado instituindo reformas financeiras e regulando o uso da terra, desenvolvendo sistemas sociais, estimulando o espírito empreendedor e criando fundos de reserva. Argumentam, de modo convincente, que uma estratégia coerente de proteção social melhorará a situação econômica geral do país após uma crise e o preparará para lidar com os inevitáveis desastres futuros. As redes de segurança social bem administradas e direcionadas com precisão evitarão que aqueles que já se acham à beira da miséria percam tudo quando a crise acontecer, engrossando as fileiras dos mais destituídos e aumentando o ônus do país a longo prazo.