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O que a Venezuela pode aprender com o furacão Mitch

As enchentes e os deslizamentos de terra devastadores que mataram cerca de 30.000 pessoas na Venezuela em dezembro último ocorreram pouco mais de um ano depois do furacão Mitch, que causou quase 10.000 mortes na América Central.

Em seguida ao furacão, montou-se um esquema internacional ambicioso para ajudar na reconstrução e transformação de Honduras, Nicarágua, Guatemala e El Salvador. O BID coordenou a ajuda da reconstrução, reunindo um grupo consultivo de agências multilaterais e governos doadores, desembolsando milhões de dólares em empréstimos para a reconstrução e ajudando os países afetados a traçar estratégias e a apresentar propostas de financiamento.

Mas, apesar desses esforços, a reconstrução na América Central tem tardado a tomar impulso - fato que levou todas as partes a exprimir frustração e procurar culpados. Os países afetados argumentam que a ajuda internacional tem demorado a chegar, está sendo mal coordenada e apresenta inúmeras "condicionalidades" que atrapalham ou limitam a forma como a ajuda pode ser usada. Os bancos multilaterais e os doadores bilaterais dizem que os governos nacionais não estão envolvendo os governos locais e a sociedade civil nos programas de reconstrução, que os procedimentos de compra e de alocação de recursos não são transparentes e que as reformas necessárias nos setores sociais não estão sendo realizadas. As organizações não-governamentais vêm chamando a atenção para as responsabilidades de todos pelos atrasos desnecessários, pelos resultados escassos e pelo fracasso em observar os princípios acordados na reunião de doadores realizada em maio último em Estocolmo.

É verdade que todos os pontos levantados têm seu grau de verdade. Mas não podemos perder de vista o fato de que estão surgindo oportunidades fundamentais neste exercício inerentemente difícil de reconstrução e transformação. Dessa experiência deveria nascer uma nova abordagem ao desenvolvimento em uma das regiões mais sujeitas a desastres naturais do mundo. As lições aprendidas serão inestimáveis para os países de qualquer região do mundo. A Venezuela, que está apenas começando a tarefa monumental de reconstrução, tem muito a ganhar com as lições de erros passados.

Entre os sinais positivos está o fato de que os temas de gestão de risco e mitigação de desastres finalmente estão recebendo a atenção que merecem. Nunca os governos reconheceram tão explicitamente que a mitigação é um elemento crucial não apenas em projetos de reconstrução, mas também no planejamento do desenvolvimento em geral. Muito embora sejamos lembrados quase que diariamente do malogro que está sendo colocar em prática com êxito as medidas de mitigação – pontes recém-substituídas que são levadas pelas águas da temporada de chuvas de outubro e famílias que voltam a se estabelecer em áreas de risco – resta o fato de que os países começaram a tomar medidas para melhorar a capacidade de gestão de risco. Eles estão estabelecendo monitoramento de risco e sistemas de alerta, mapeando as áreas de alto risco, adotando medidas de gestão de bacias fluviais, fortalecendo as normas de construção e estimulando as atividades de mitigação em nível comunitário.

Isto é pelo menos um começo. Mas essas medidas por si só não darão às pessoas de regiões propensas a desastres naturais a segurança de que precisam e que merecem. Os países afetados têm agora a missão formidável de organizar os sistemas nacionais de gestão de desastres, tanto para a elaboração de diretrizes para a reconstrução atual como na preparação para emergências futuras. Esses sistemas devem incluir a participação de entidades públicas e privadas e de organizações da sociedade civil. O seu principal objetivo deve ser o de alocar recursos para investimentos em mitigação de forma permanente.

Os governos não podem mais lidar com os desastres apenas depois que eles acontecem. Como diz o velho ditado, "a experiência só é boa quando não se paga demais por ela". Não resta a menor dúvida de que a Venezuela e a América Central pagaram muito caro, o que torna mais imperativo ainda que essas lições sejam transformadas em ação concreta.

A autora é especialista do BID em mitigação de desastres e desenvolvimento urbano.
 

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