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O lixo como fonte de renda

A reciclagem não é novidade na América Latina. Até onde é possível lembrar, os mais pobres dos pobres ganham a vida precariamente catando lixo nos depósitos de lixo durante o dia e nas ruas à noite, em busca de qualquer coisa que possa ser vendida. Muitos desses catadores de lixo são crianças e em alguns locais famílias inteiras vivem nos aterros sanitários, dividindo os dejetos da cidade com os urubus e os ratos.

Mas, nos últimos anos, em muitos países da América Latina estabeleceram-se programas organizados de reciclagem. Alguns deles visam beneficiar os catadores de lixo que há muito vasculham aterros sanitários. Outros foram criados em resposta a campanhas educativas organizadas por grupos ambientalistas locais e internacionais. Os mais bem-sucedidos combinam objetivos ambientais com os retornos econômicos essenciais para tornar um programa verdadeiramente sustentável.

Os programas vão de pequenos projetos comunitários a empreendimentos industriais de grande escala. Em Jambelli, pequena cidade litorânea de veraneio do Equador, a bela vista do mar costumava ser desfiguradas pelos monturos deixados pelos freqüentadores da praia, que nunca conseguiam achar receptáculos para o lixo. Com o apoio financeiro de um programa de gestão comunitária de recursos costeiros financiado pelo BID, as lojas situadas em frente à praia colocaram lixeiras destinadas ao material reciclável em locais estratégicos e lançaram uma campanha educacional para estimular tanto os turistas como os moradores a usá-las.

Esforço semelhante transformou as atitudes em relação ao lixo em Ayora, pequena cidade de montanha da província equatoriana de Cayambe. Quando o conselho municipa se cansou do precário serviço de coleta de lixo prestado pela vizinha capital da província, os moradores decidiram resolver o problema por conta própria.

O conselho municipal de Ayora conseguiu US$17.000 em doações – US$5.000 em recursos do BID, canalizados por meio da Fundação Esquel, e US$12.000 do governo do Canadá – que usou na aquisição de lixeiras vermelhas, colocadas nas esquinas das ruas. Depois comprou uma carroça e um cavalo e inaugurou um serviço de coleta de lixo duas vezes por semana. Em seguida, o conselho montou um centro de reciclagem fora da cidade, no qual é separado o que é metal, plástico, vidro e papel para revenda, enquanto o lixo orgânico é convertido em fertilizante composto, vendido aos cultivadores de flores do vale. O pouco que sobra é incinerado.

A coleta de lixo é hoje uma fonte de orgulho cívico, particularmente entre as crianças. Depois que a reciclagem foi colocada no currículo escolar, em casa as crianças exigem dos pais que usem as lixeiras para despejo de seu lixo.

"A mudança nos lares vem das crianças", explica Gabriel Serrano, presidente do Conselho Municipal de Ayora. "Os pais têm menos educação social e cultural que seus filhos. E dão atenção ao que eles lhes dizem."

A reciclagem no Brasil, como quase tudo o mais nesse país, está ocorrendo em grande escala. Considere-se o exemplo de Fortaleza, capital do estado nordestino do Ceará. Cerca de 1.000 pessoas, entre elas 300 crianças, viviam antes do que conseguiam catar no enorme depósito de lixo de Jangurussu, nos arredores desta cidade de 2 milhões de habitantes. Eles faziam uma triagem completa do lixo, com as mãos desprotegidas, separando plásticos, vidros, metais e madeira para revenda. Os caminhões despejavam lixo no aterro sanitário dia e noite. O trabalho era difícil e muitas vezes perigoso, sobretudo à noite, quando as crianças podiam não ser vistas e eram atropeladas pelos caminhões.

"Trabalhávamos a céu aberto e sob sol quente, na chuva, em meio ao barulho", relembra a jangurusseira Antonia Jocinélia Pacheco Ferreira. "Vivíamos como animais."

No início da década de 90, a companhia de saneamento da cidade, SANEFOR, solicitou ao BID financiamento para a expansão do sistema de esgotos e de coleta de lixo da cidade. O projeto incluía uma usina de reciclagem no aterro sanitário de Jangurussu e um plano para organizar os jangurusseiros em cooperativa, com a construção de moradias de baixo custo para eles em local próximo. Hoje, a usina funciona em três turnos e está aos poucos se tornando auto-sustentável.

"De todos os projetos da SANEFOR", diz Izelda Rocha Almeida, assessora suplente para o programa, "este é o melhor em termos de benefícios sociais. Mas foi o de mais difícil execução de todos. Como cooperativa, eles conseguem vender os artigos recicláveis a um preço melhor do que antes. Mas é difícil convencê-los a enviar suas crianças para a escola, porque acham que são necessárias para trabalhar com eles no aterro sanitário."

Em Bragança Paulista, cidade do estado de São Paulo, a fábrica de papel de seda SANTHER oferece um exemplo impressionante do que se pode chamar de segunda geração da reciclagem.

A empresa fabrica a maioria de seus produtos a partir de papel usado –100 toneladas dele por dia. Ao mesmo tempo, cerca de 80% da borra produzida no processo de fabricação – cerca de 90 toneladas por dia – são usados pelas fábricas de tijolo da vizinhança. Essas fábricas misturam a borra com argila na proporção de 1 por 9 para produzir tijolos mais leves, mais fortes e mais baratos que os tijolos convencionais. A doação da borra acarreta para a SANTHER a economia anual de US$30.000, que seriam pagos pela sua remoção e eliminação. Em 1993, a empresa recebeu financiamento da Corporação Interamericana de Investimento, afiliada do BID, para compra de nova maquinaria com o objetivo de expandir a sua produção.

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