As pessoas de países que viveram um crescimento econômico acelerado em anos recentes mostram-se menos satisfeitas com sua vida do que pessoas de nações com taxas de crescimento mais baixas, de acordo com um novo estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O estudo é a edição mais recente da série Desenvolvimento nas Américas, publicada pelo BID.
A satisfação em Trinidad e Tobago, Chile, Peru e Equador, países com a maior taxa de crescimento na região em anos recentes, é mais baixa do que em nações como Guiana, El Salvador, Paraguai e Guatemala, cujas economias apresentaram pouco ou nenhum crescimento.
O estudo, uma investigação sem precedentes das percepções das pessoas da região, utiliza dados da Pesquisa Mundial do Gallup e informações encomendadas pelo Banco para complementar a pesquisa. Os entrevistadores perguntaram a cidadãos da América Latina e do Caribe como eles percebiam aspectos importantes de sua vida, como qualidade da educação, atendimento de saúde, moradia e emprego, encontrando algumas respostas surpreendentes e, às vezes, contrárias ao senso comum.
As taxas de satisfação não são necessariamente mais elevadas nos países mais ricos ou naqueles com os melhores serviços sociais ou com o crescimento mais acelerado. Países da região com alta renda per capita, como Brasil, Argentina, Chile e Uruguai, apresentaram níveis moderados de satisfação com a vida, ficando atrás de países com renda per capita mais baixa, como Guatemala, Colômbia e Jamaica.
“No geral, os latino-americanos estão satisfeitos com sua vida, mas é interessante notar que as pessoas de alguns dos países mais pobres são as mais otimistas, enquanto cidadãos de alguns dos países mais desenvolvidos são os mais pessimistas”, disse o presidente do BID, Luis Alberto Moreno. “Não é surpresa que as pessoas com renda mais alta sejam mais satisfeitas com a vida do que as de renda mais baixa, mas o crescimento econômico, na verdade, produz descontentamento em vez de uma felicidade maior, pelo menos no curto prazo.”
As percepções podem ser afetadas por diferenças culturais e pelo progresso econômico recente do país. O estudo mostra que o crescimento econômico rápido leva a uma elevação ainda mais rápida das aspirações das pessoas por uma vida melhor. As mudanças aceleradas na economia, e não apenas o nível de renda ou de consumo, acabam afetando o nível de satisfação no curto prazo.
“Governos que centram suas políticas exclusivamente no crescimento tendem a perder apoio no longo prazo se não responderem às expectativas mais elevadas que acompanham o crescimento, em áreas que vão de educação e saúde a distribuição de renda”, explica Eduardo Lora, economista-chefe do BID e coordenador do estudo. “A dificuldade está em responder a essas demandas sem sufocar o crescimento.”
A satisfação com a vida na América Latina e no Caribe foi calculada usando dados da Pesquisa Mundial 2007 do Gallup. Os participantes da pesquisa classificaram sua satisfação com a vida em uma escala de zero a dez, com zero sendo a menor classificação possível.
O Gallup entrevistou mais de 40.000 pessoas em 24 países da América Latina e do Caribe entre novembro de 2005 e dezembro de 2007. A margem de erro da pesquisa varia para cada país, indo de 3,1% a 5,1%.
Satisfação e crescimento econômico
Países
Satisfação com a vida (escala de 0 a 10)
Crescimento médio do PIB per capita*, 2001-2006
Costa Rica
7,4
2,8
Panamá
6,8
3,0
México
6,6
1,2
Venezuela
6,5
2,0
Belize
6,4
2,4
Guatemala
6,3
0,3
Colômbia
6,2
2,4
Jamaica
6,2
1,3
Brasil
6,2
1,5
Guiana
6,0
1,2
Argentina
6,0
2,0
Trinidad e Tobago
5,8
8,8
Chile
5,8
3,1
Uruguai
5,7
1,8
Bolívia
5,4
1,3
Peru
5,3
3,5
El Salvador
5,3
1,1
Paraguai
5,2
0,8
Honduras
5,1
2,0
Equador
4,9
3,9
Nicarágua
4,9
1,9
República Dominicana
4,9
3,0
Haiti
3,8
-1,7
Cálculos do BID com base na Pesquisa Mundial 2006 - 2007 do Gallup e nos Indicadores do Desenvolvimento Mundial.
* Crescimento do PIB per capita em termos de paridade do poder de compra para 2000
América Latina e o resto do mundo
A edição de Desenvolvimento nas Américas deste ano, intitulada “Além dos fatos: Compreendendo a qualidade de vida”, revela que as percepções das pessoas sobre educação e emprego na região podem diferir amplamente da realidade.
Os dados da pesquisa mostram, por exemplo, que a maioria das pessoas da América Latina e do Caribe se diz satisfeita com o nível da educação pública, embora os alunos da região tenham apresentado desempenho consistentemente ruim em testes internacionais de avaliação de alunos.
Venezuela, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Honduras e República Dominicana, por exemplo, declararam níveis de satisfação com a educação mais elevados que os do Japão, embora os alunos desses países tenham apresentado pontuações em provas de desempenho escolar 35% mais baixas, em média, do que os alunos japoneses, de acordo com o estudo.
O relatório também mostra que 81% das pessoas da região estão satisfeitas com seu emprego, mais do que os trabalhadores de países com alta renda per capita como Japão e Coréia do Sul, onde 78% dos entrevistados disseram estar satisfeitos com seu trabalho. A satisfação é alta apesar de um quarto da população da região não ganhar o suficiente para sair da pobreza e do aumento na proporção de pessoas que trabalham por conta própria ou sem remuneração.
A região apresentou níveis geralmente altos de satisfação com a vida em comparação com outras regiões do mundo, mesmo depois de diferenciais de renda terem sido levados em conta (ver gráfico abaixo). A América Latina declarou um nível médio de satisfação com a vida de 5,8, mais do que a Europa e a Ásia Central, mas menos que os 7,5 registrados na América do Norte e 7,2 na Europa Ocidental.
Quase 80% das pessoas da região disseram estar satisfeitas com sua situação de moradia, mais do que na Europa e Ásia Central, por exemplo. No total, 85% das pessoas entrevistadas na região informaram que estão satisfeitas com sua saúde, o que é um nível comparável à maioria das regiões, porém mais alto que o Leste Europeu e a Ásia Central.
Ranking de satisfação
Os cidadãos da Costa Rica, Panamá, México e Venezuela apresentam os níveis mais altos de satisfação com a vida na região. Equador, Nicarágua, República Dominicana e Haiti – o único país na pesquisa cuja economia encolheu no período – tiveram o nível de satisfação mais baixo (ver gráfico abaixo).
As pessoas que residem em países com maior sucesso econômico mostram-se, com freqüência, menos satisfeitas com as condições de saúde, moradia, trabalho e educação proporcionadas pelo governo. A população da maioria dos países com pior desempenho econômico, com exceção do Haiti, apresenta-se mais satisfeita.
Os chilenos estão entre os menos satisfeitos com suas condições de saúde, educação, moradia e emprego. Os cidadãos da Costa Rica estão entre os mais satisfeitos com esses serviços.
Individualmente, os cidadãos pobres de todos os países declararam níveis mais altos de satisfação com educação, moradia, emprego e saúde, o que é uma indicação de que eles podem ter aspirações mais baixas do que os ricos, de acordo com o estudo.
Além da renda
Vários fatores além do crescimento da renda podem afetar a satisfação das pessoas com a sua vida e seu país. Alguns deles oferecem pouco espaço de ação para políticas públicas, como relações familiares, amizades e crenças religiosas. Outros, porém, podem ser alvos de ações governamentais.
“Este relatório pode ser um excelente recurso para os governos da região que agora enfrentam decisões difíceis de cortes de gastos, porque a crise financeira está reduzindo o crescimento econômico e prejudicando a arrecadação tributária”, disse o presidente Moreno. “Os governos podem decidir melhor suas prioridades se souberem como as pessoas pensam.”
A pesquisa mostra que a satisfação com a vida na região pode ser muito reduzida se a renda das pessoas não for suficientemente estável para que elas possam comprar alimentos básicos, manter a saúde, conservar seus bens e pagar por moradia.
“Essa descoberta aumenta a urgência de que os governos mantenham ou mesmo ampliem as transferências condicionais de renda para os pobres, em particular nos países que sofrem uma queda acentuada nas remessas de seus trabalhadores migrantes”, disse Moreno.
Outra descoberta importante do estudo relaciona-se à satisfação no trabalho. O que mais importa para as pessoas da região é ter um emprego que lhes proporcione independência e onde elas sintam que suas opiniões são ouvidas. Previdência social e outros benefícios trabalhistas desempenham um papel menor nos níveis de satisfação com o emprego.
Os resultados desafiam a noção convencional do que é importante para os trabalhadores e oferecem aos governos uma oportunidade para repensar as políticas trabalhistas e de previdência social durante períodos de desaceleração do crescimento econômico.
A criminalidade é outra preocupação de destaque para os cidadãos da América Latina e do Caribe. Sessenta por cento das pessoas entrevistadas na região – a mais alta porcentagem entre todas as regiões do mundo – disseram que não se sentem seguras ao andar sozinhas à noite.
O aumento das taxas de desemprego produzido pela desaceleração do crescimento pode desencadear conflitos nas cidades – lar de 77% da população da região –, aumentando a necessidade de que os governos locais adotem políticas para reduzir a violência e melhorar a segurança pública, disse Lora.