Roger Hamilton
Novas idéias às vezes vêm de lugares improváveis. O avião começou a ser desenvolvido numa oficina de uma pequena cidade em Ohio. A ciência da genética nasceu num mosteiro na Morávia.
Hoje, num canto remoto da Amazônia, um grupo de visionários pragmáticos acredita ter encontrado a resposta para um problema que vem perturbando cientistas e conservacionistas há muitos anos: como proteger a floresta tropical amazônica e, ao mesmo tempo, criar uma vida melhor para a população local.
Eles são idealistas, mas não ideólogos. Em muitos casos, suas idéias desafiam conceitos ambientais tradicionais. Eles não se horrorizam diante da imagem de um homem na floresta tropical operando uma motosserra. Não acreditam que estradas levarão automaticamente à destruição ambiental. Não vêem o gado necessariamente como um vilão da conservação florestal. Para eles, parques industriais podem ser um modo de agregar valor a ecossistemas naturais e às suas produções.
Esses novos amazenses são membros do governo, líderes comunitários e empresários do setor privado do estado do Acre, no oeste do Brasil, que estão empenhados em salvar a floresta tropical e seu povo. No entanto, eles também conhecem a complexa realidade do lugar em que vivem. Muitos deles são veteranos dos conflitos sociais e ambientais que acabaram com a vida de Chico Mendes. Viram as profundas mudanças ocorridas na Amazônia e sabem que há mais mudanças a caminh nova infra-estrutura, novas tecnologias de cultivo e o crescente apetite internacional pela matéria-prima que a Amazônia pode produzir.
É uma realidade difícil, e essas pessoas estão tentando enfrentá-la sem subterfúgios. Seu objetivo, descrito nesta edição da BIDAmérica, é provar que podem construir uma economia local sólida baseada em recursos extraídos da floresta natural intacta. Isso não representa a proteção total que muitos defensores da floresta tropical exigem. Porém, a Amazônia nunca foi uma reserva natural. E alguém tem alguma idéia melhor?
Inovação e desespero. A América Latina está repleta de duras realidades ambientais. Para os ecossistemas e as pessoas que dependem deles, essas realidades podem ter trágicos resultados. Às vezes, porém, problemas que pareceriam insuperáveis em países desenvolvidos inspiraram os latino-americanos a encontrar novas abordagens para proteger seu ambiente natural. Em quase todos os casos, essas inovações voltam-se para a questão perene de como conciliar as necessidades das pessoas com a capacidade da natureza de atendê-las.
Nas ilhas Galápagos, por exemplo, depois de séculos de depredação, antigos adversários uniram-se para desenvolver um plano de conservação dos recursos marinhos. Na Guatemala, um órgão governamental e grupos ambientalistas estão ajudando os agricultores da região a melhorar sua produção, como forma de reduzir o estímulo a que eles invadam parques nacionais. Na Nicarágua, um órgão do governo contratou ONGs locais para trabalhar em conjunto com agricultores na plantação de árvores e conservação do solo. Na costa nordeste do Brasil, um biólogo marinho está ajudando as autoridades locais a proteger os recifes de coral. Em Honduras, um prefeito exibe com orgulho seu “parque ecológico” no alto da montanha, onde a população aprende o valor da floresta natural como um provedor de serviços de ecossistema.
Em todos esses casos, o objetivo é convencer as populações locais de que é de seu próprio interesse fazer parcerias com o ambiente natural. Na maioria das situações, a persuasão é o único caminho disponível. Mesmo quando existem leis para proteger o meio ambiente, os governos não dispõem das condições financeiras e de instituições necessárias para aplicá-las. Em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, órgãos públicos bem providos de recursos encarregam-se de proteger áreas naturais, embora poucos estejam cientes de que essas mesmas áreas foram originalmente criadas pela remoção forçada da população local, o que deixou um legado de raiva e ressentimento.
A América Latina está tentando criar uma relação entre o homem e a natureza que inclua a história, a herança e a visão de mundo das populações locais. Não tem sido fácil, mas a experiência adquirida até aqui constitui a principal contribuição da região para a prática da gestão de recursos naturais e conservação da biodiversidade.
No entanto, esse modo inovador de lidar com a conservação exige uma ressalva. Na maioria dos casos, o processo de diálogo foi conduzido por indivíduos e grupos dedicados que trabalham na ausência de instituições públicas fortes. Embora admiráveis, esses esforços são, por natureza, efêmeros. Para que as mudanças sejam permanentes, serão necessárias instituições governamentais eficientes integradas com as organizações da sociedade civil.
Isso nos traz de volta ao estado do Acre. Lá, o governo de fato assumiu o papel de liderança. Membros do governo estão à frente do processo de mudança e inovação, trabalhando em estreita colaboração com uma rica rede de organizações comunitárias e da sociedade civil. Eles já conseguiram grandes realizações em pouco anos. Seu exemplo deve ser estudado com atenção em outros países em desenvolvimento e no resto do mundo.
Uma observação para concluir. Alexander von Humboldt, que esteve certo em tantas coisas, talvez não se surpreendesse com o que está acontecendo no Acre. “Lá ”, disse ele, “mais cedo ou mais tarde, se encontrará a civilização do mundo.”