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Novo despertar para os povos nativos

Após séculos à margem da sociedade, os povos indígenas da América Latina estão se integrando na vida econúmica e política de seus países.As populações indígenas estão crescendo e seus territórios se expandindo. São cada vez mais agentes econúmicos participantes em seus países e, em alguns casos, no plano internacional. Suas línguas e culturas não só estão sobrevivendo mas também se revigorando.

Muitos países já aprovaram reformas constitucionais, legais e institucionais que estão redefinindo as relações tradicionais entre as comunidades indígenas e o Estado nacional. Por exemplo, as constituições da Bolívia, Equador, México e Paraguai reconhecem agora o caráter multicultural dos Estados e a existência, em seu seio, de povos indígenas como entidades únicas, com direitos específicos e culturas e línguas diferentes. Em alguns países, os governos estão concedendo às comunidades indígenas autoridade para gerir seus próprios assuntos e os recursos naturais das áreas onde vivem.

Além disso, as instituições nacionais encarregadas das relações entre o governo e as comunidades indígenas estão passando a um nível hierárquico superior na Bolívia, Equador e Peru; na Guatemala e no Chile, estão sendo convertidas em órgãos de apoio financeiro e no México passaram a ter funções judiciárias visando promover os direitos indígenas.

Num país após o outro, as políticas tradicionais, inspiradas no paternalismo e voltadas para a assimilação, cedem lugar a novas abordagens, caracterizadas pela participação, pela busca de consenso e pelo respeito às aspirações dos povos indígenas.

Na esfera internacional, um novo corpo de normas e princípios está substituindo a visão integracionista que prevaleceu até a década de 80. Exemplos deste fato são a convenção da Organização Internacional do Trabalho e o convênio constitutivo do Fundo dos Povos Indígenas, ambos já em vigor, bem como a declaração dos direitos dos povos indígenas, que está sendo elaborada nas Nações Unidas e na Organização dos Estados Americanos.

Vários órgãos especializados da ONU e da OEA (inclusive os bancos multilaterais, o Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura, a UNESCO, a UNICEF, o Instituto Indigenista Interamericano e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos) estão adotando princípios e normas operacionais para garantir a consulta aos povos indígenas antes de tomar decisões que os afetem e a proteção de seus direitos culturais. Hoje, os povos indígenas designados como beneficiários de projetos de desenvolvimento participam de seu planejamento e implementação.

Estes fatos são alentadores. Mas, além de implantar as reformas legais e institucionais, é preciso transformar toda a cultura que permeia as políticas para com os povos indígenas, inclusive as atitudes das elites e burocracias nacionais.

Durante muitos anos o desenvolvimento e a conservação da identidade étnica, cultural e social foram considerados como objetivos antagúnicos: para alcançar o primeiro seria inevitável sacrificar o segundo. Mais ainda, um argumento freqüente era que a própria cultura dos povos indígenas (e, de um modo geral, dos pobres) se antepunha ao seu desenvolvimento. Em conseqüência, os programas de ajuda aos povos indígenas buscavam substituir sua língua, cultura e práticas agrícolas e de produção.

Agora, porém, estamos achando um caminho melhor: o desenvolvimento baseado na própria identidade indígena. Assim, o capital inicial do desenvolvimento vêm a ser os bens culturais e sociais dos povos nativos, catalisados por novos mecanismos e recursos.

Um bom exemplo é a língua. As políticas educacionais passadas, que requeriam a substituição da língua indígena pelo espanhol ou pelo português, resultaram em fracasso para muitos estudantes e desperdício de recursos humanos e materiais. Hoje, as experiências com educação bilíngüe e intercultural mostram que o aprendizado do espanhol como segunda língua tira partido do "capital lingüístico" original dos alunos, reduzindo custos e transformando a educação num investimento.

Hoje, em quase todos os países com populações indígenas significativas, as línguas indígenas estão sendo alvo de reconhecimento e de proteção constitucional. Na Bolívia, por exemplo, uma experiência de educação intercultural e bilíngüe realizada ao longo dos últimos seis anos em 114 escolas está sendo estendida a milhares de escolas.

Um segundo exemplo é o fato de já se reconhecer que os povos indígenas precisam ter a oportunidade de desenvolver-se de maneira autúnoma. Embora, em alguns lugares, a palavra "autúnomo" ainda evoque o fantasma do separatismo, ela significa na verdade o direito da comunidade de gerir seus próprios assuntos políticos e seu desenvolvimento econúmico, social e cultural.

Já se fazem progressos em matéria de governo descentralizado. Na Bolívia, 35% das municipalidades do país - 311 ao todo - são controladas por populações indígenas. Os líderes locais estabelecem as suas próprias prioridades e gerenciam os recursos financeiros locais.

Um terceiro exemplo é a área de meio ambiente e recursos naturais. Um recente estudo da Comissão Diretora de Organizações Indígenas da Bacia Amazúnica concluiu que os projetos bem-sucedidos tinham algumas características comuns:

- Visam antes o manejo que a exploração dos recursos.- Combinam recursos locais com crédito e assistência externos e visam a autonomia financeira.- Buscam um equilíbrio entre a subsistência familiar como objetivo cultural e a produção para o mercado como objetivo econúmico.- Dão à comunidade responsabilidade por todas as frases do projeto.

Em suma, não se pode separar o desenvolvimento dos povos indígenas do desenvolvimento nacional. A despeito da retórica radical em contrário, nossos povos, em seu conjunto, entendem que seu progresso está ligado ao progresso de seus países e estão dispostos a trabalhar em prol de ambos.

**O autor, vice-presidente da Bolívia, foi eleito há pouco presidente do Fundo dos Povos Indígenas.

(O texto completo da conferência em que se baseou este artigo pode ser visto, em inglês, em www.iadb.org/sds/ )

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