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Novas correntes na gestão dos recursos hídricos

Quando a população da América Latina era menor, poucas cidades tinham mais de um milhão de habitantes e as indústrias eram nascentes, os conflitos sobre recursos hídricos eram pouco freqüentes. O que havia dava para todos. Quando era necessário mais água, seja para agricultura, energia, consumo residencial ou outros usos, a solução era simples: construir mais infra-estrutura para aumentar a oferta.Mas a América Latina mudou. A população em rápido crescimento, a expansão das cidades, a industrialização acelerada e os avanços na tecnologia agrícola estão drenando os recursos hídricos. Em alguns países, o volume anual de água disponível per capita está caindo. No Peru, por exemplo, ele caiu de cerca de 4.800 metros cúbicos por pessoa em 1955 para 2.100 em 1990, devendo cair ainda mais a 1.050 metros cúbicos até o ano 2025.

Na América do Sul, os investimentos de infra-estrutura estimados em US$100 bilhões entre 1990 e 2025 deverão aumentar em cerca de 70% o consumo de água. O maior usuário continuará a ser a agricultura, seguida pela indústria e o município.

Na medida em que mais gente precisa do mesmo recurso escasso, o esforço para suprir as necessidades de água de alguns significa que haverá menos para os outros. Assim, os investimentos para aumentar a oferta de água não resolverão por si sós os problemas hídricos de longo prazo. Nem tampouco os esforços isolados de conservação ou as medidas para aumentar a eficiência, embora ambos ajudem.

Há um consenso crescente sobre a necessidade de mudar radicalmente a forma de gestão da água na América Latina e no Caribe, uma mudança com profundas implicações políticas, econômicas, sociais e ambientais. É preciso substituir a abordagem fragmentada da questão dos recursos hídricos por um quadro de gestão integrada. Somente dessa forma será possível alocar recursos cada vez mais escassos entre grupos de usuários e ecossistemas naturais, para que a região possa evitar conflitos futuros e a degradação ambiental.

Confluência de política.---------------------------

A mudança está na ordem do dia na América Latina. Os países estão redefinindo o que o governo faz e dando maior poder ao setor privado e à sociedade civil.

O espírito da reforma deu aos administradores dos recursos hídricos da região a oportunidade de testar novas abordagens. Em resposta a essas mudanças, o BID está desenvolvendo uma estratégia integrada de gestão dos recursos hídricos que procura mudar a forma como o Banco apóia seus países membros. Em vez de concentrar-se em projetos individuais para aumentar a oferta de água, a estratégia reconhece que quaisquer novos investimentos só devem ser feitos como parte de um exame completo dos valores sócio-econômicos e ambientais ligados aos recursos hídricos. Além disso, as comunidades afetadas e o setor privado precisam participar da tomada de decisões sobre a gestão desses recursos.

O processo de desenvolvimento da estratégia incluiu consultas internas e externas como base para o documento de trabalho que fornecerá elementos para uma proposta estratégica a ser estudada pela comissão de política da diretoria do BID.

Ao adaptar e promover a nova filosofia na área de recursos hídricos, o BID reafirma seu papel tradicional de importância nesse campo na América Latina. O primeiro projeto do Banco foi um programa de fornecimento de água potável em Arequipa, Peru, e o Banco hoje está investindo perto de US$1 bilhão ao ano em projetos relacionados com água. O financiamento do BID ajudou os países da região a alcançar grandes progressos em abastecimento de água e saneamento, em energia e produção de alimentos. Mas as necessidades não satisfeitas continuam a ser enormes: apenas cerca de 78% da população da região têm acesso a água potável, enquanto somente 69% são servidos por esgotos.

A nova estratégia precisa se basear não apenas na construção de represas e aquedutos, mas também nas mudanças de política e legislação. Muitos países não têm hoje as instituições necessárias para fazer funcionar uma gestão integrada dos recursos hídricos. Mesmo nos casos em que as instituições existem, elas são ineficazes. Por isso o objetivo não é produzir um plano com base apenas em análises hidrológicas, econômicas e de engenharia, mas sim estudar meios de remover também os empecilhos institucionais. O desafio é mudar as instituições existentes para que elas possam planejar e distribuir os recursos hídricos entre os grupos usuários de modo eficiente e eqüitativo.

Por várias razões práticas e políticas, é mais fácil falar do que fazer. Os órgãos públicos existentes com experiência na área são precisamente os que querem preservar as prioridades de uso da água para grupos de interesse grandes e poderosos. Não seria razoável esperar que essas instituições adotassem uma abordagem neutra na alocação de recursos entre os diferentes grupos de usuários. Os especialistas técnicos do BID precisam por isso lidar com a realidade de que a água é antes de mais nada uma questão de política.

Fiscalização independente.-------------------------------

Para ajudar a reduzir os conflitos em potencial, a estratégia do BID defende a criação de entidades autônomas e descentralizadas que regulem a aplicação de políticas e mecanismos de alocação de recursos previamente aprovados. Essas entidades, que serviriam como árbitros de regras definidas anteriormente, estão em melhor posição para resistir às pressões dos interesses especiais que poderiam distorcer o processo de alocação de recursos.

Por motivos óbvios, os órgãos governamentais com interesse no setor não estarão ansiosos para ceder parte de seu poder aos novos organismos de regulamentação. Como observa o documento de trabalho do BID, "os hábitos e costumes, a inércia da burocracia, a estrutura organizacional, a especialização profissional e a vantagem política favorecem a que tudo continue como está".

No entanto, a nova abordagem recebeu o apoio de especialistas do setor em reuniões recentes organizadas pelo BID na Costa Rica e em Trinidad e Tobago. Um outro encontro está marcado para o final deste ano no Brasil.

Enquanto a nova estratégia está sendo completada, o BID já está ajudando os países da região a revitalizar a gestão dos recursos hídricos. Em El Salvador, o Banco está fornecendo apoio técnico-financeiro a um programa do governo para criar órgãos de regulamentação da água. O país, pequeno e com alta densidade populacional, enfrenta sérias pressões ambientais exacerbadas por uma grave escassez de água. Como parte de um programa governamental amplo de modernização, que já levou a uma reestruturação significativa dos setores de energia e telecomunicações, El Salvador está agora tentando racionalizar a gestão da água.

Os membros de uma equipe de projeto do BID que está trabalhando com funcionários salvadorenhos dizem que o governo tem uma idéia bastante clara do que precisa ser feito para que a solução das questões de manejo dos recursos hídricos não seja retardada devido a batalhas por espaço político. Assim que os órgãos de regulamentação da água estiverem operando, o governo utilizará o financiamento do BID para fortalecer sua capacidade e elaborar um conjunto de políticas para o setor que será a base da estratégia de longo prazo. Os empréstimos do Banco financiarão também a reabilitação dos sistemas de abastecimento de água e saneamento.

Os esforços do BID complementam várias outras iniciativas na região. A Organização Meteorológica Mundial está coordenando um estudo de viabilidade em 13 países regionais para melhorar a previsão de água. Funcionários argentinos e paraguaios estão discutindo planos mestres para os recursos hídricos. Costa Rica, Jamaica e Brasil estão interessados na criação de comissões de bacias hidrográficas. Peru e Equador estão discutindo a opção de privatizar a gestão da água. E na América Central os países estão preparando avaliações detalhadas da situação dos recursos hídricos e sua gestão.

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