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Na Bolívia, um ativista com visão de futuro

Reuben Corani descreve modestamente sua organização como um puntito negro, um entre muitos outros no hemisfério. De fato, qualquer pessoa que viaje pela América Latina hoje, seja nas cidades ou nos municípios e vilas rurais, constantemente encontra gente engajada como ele, trabalhando para aliviar a pobreza, melhorar a educação, proteger o meio ambiente e tornar o futuro um pouco mais promissor.

Corani, um índio aimará de 28 anos, ajudou a estabelecer na Bolívia uma associação de comunidades aimarás que visa ajudar as populações locais a realizar projetos de desenvolvimento que melhorem suas vidas.

Esta história começa numa ilha chamada Suriqui, onde ele nasceu. Suriqui fica no lago Titicaca, a maior extensão de água navegável do mundo. Corani cresceu com um profundo apreço pela cultura aimará, que tem permitido que seu povo mantenha a identidade ao longo de séculos de turbulência. Suriqui é também famosa pelos hábeis construtores de barcos, cujas belas criações de junco simbolizam o lago Titicaca para o resto do mundo. O famoso explorador norueguês Thor Heyerdahl usou os serviços dos ancestrais de Corani para ajudar a construir a Ra II, embarcação cuja jornada foi prova do contato pré-colombiano entre o Novo e o Velho Mundo.

Imbuído de respeito pelo passado, Corani tem em conta o futuro. Embora tenha sido treinado como pescador e marceneiro em sua juventude, decidiu que o futuro pertencia aos educados. Sua família não tinha dinheiro para mandá-lo para a escola secundária mas mesmo assim ele foi para a cidade de El Alto, nos arredores da capital La Paz. Estudava à noite e durante o dia trabalhava para cobrir as despesas. Mais tarde, voltou para Suriqui, onde foi eleito para dirigir a federação de pescadores de 8.000 membros. Passou também a visitar La Paz para assistir a seminários dados pelo governo e organizações privadas em assuntos tais como desenvolvimento social, direitos indígenas e identidade e ação comunitária.

Durante os cursos, ele e outros dois alunos começaram a elaborar os planos de criação de uma organização para ligar as comunidades aimarás. Receberam encorajamento do Fundo dos Povos Indígenas, estabelecido em La Paz com ajuda do BID. Depois de longos dias de debate intenso, vivendo à base de refrigerantes e bolachas, apresentaram sua visão para o futuro: Integração das Comunidades Aimarás da Bolívia (ICAB).

Corani e seus companheiros da ICAB pensaram primeiro em Carabuco, no norte, uma região aimará tradicional perto do lago Titicaca com uma população de cerca de 8.000 em 84 comunidades. Seu plano era recrutar o apoio de gente jovem, realizar encontros para identificar as necessidades prioritárias da comunidade e localizar fontes de financiamento.

No meio tempo, procuraram o Fundo dos Povos Indígenas e outras organizações para obter financiamento e receberam US$5.000 para cobrir custos logísticos e de assistência técnica. Fizeram contato também com um grupo semelhante que operava no lado peruano do lago Titicaca, que lhes forneceu desenvolvimento comunitário e treinamento de liderança.

"As pessoas nos diziam que com esse dinheiro não conseguiríamos alcançar nem três comunidades. Mas no fim alcançamos 54. Mais tarde nos perguntaram como tínhamos conseguido fazer tanto em tão pouco tempo. A verdade é que embora nos falte experiência temos muita energia e trabalhamos até tarde da noite."

Em cada uma das 54 comunidades de Carabuco, eles realizaram sessões de "auto-análise" durante as quais os habitantes locais eram incentivados a expressar seus pontos de vista sobre o que queriam enquanto comunidade.

"Todo mundo veio", lembrou Corani, "líderes comunitários e municipais, a igreja, professores, profissionais liberais. Todos participaram. Nós éramos os técnicos e anotávamos tudo o que o povo dizia. Quando eles votaram, colocamos os números na lousa."

Essa foi uma experiência nova tanto para a ICAB quanto para as comunidades. "Estivemos onde os governos nunca estiveram, nem mesmo as organizações não-governamentais", disse ele. "Os jovens nos diziam: ‘Queremos ser parte da ICAB'. Assim, formamos um comitê de desenvolvimento para Carabuco."

No final, as comunidades identificaram três pioridades: desenvolvimento agrícola, eletrificação e água. O papel da ICAB passou de catalista ao de intermediário e encontrou uma fonte de financiamento num fundo com sede nos Estados Unidos para o projeto agrícola e um fundo alemão para o de irrigação.

Com base na experiência de Carabuco, a ICAB está trabalhando com 237 outras comunidades em cinco províncias da Bolívia. Sua meta é apresentar dez projetos mais para obter financiamento e ao mesmo tempo formar uma organização de base comunitária composta por um congresso com a participação dos membros da comunidade e uma assembléia de líderes locais.

Segundo Corani, uma das chaves do êxito de seu grupo tem sido a confiança em líderes jovens, homens e mulheres, com habilidades técnicas: gestão de grupo, trabalhos de secretaria
e arquivamento. Mas isso não poderá levar a conflitos com a estrutura tradicional de poder nas comunidades?

Até agora, não, disse Corani. "Somos seus filhos e um pai fica orgulhoso de seus filhos, orgulhoso de que consigam ler e escrever. O que eles não conseguem fazer nós conseguimos e eles se orgulham disso."

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