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Inspeção e extermínio em Galápagos

Roger Hamilton, ilha Baltra, Galápagos

Foi um erro inocente, e a turista ficou claramente constrangida. Antes de voar para Galápagos, ela havia passado pela Colômbia, onde um parente lhe dera uma sacola de frutas chamadas feijoas.  Agora, essa sacola estava nas mãos de Lourdes Acosta, inspetora uniformizada do Sistema de Inspeção e Quarentena de Galápagos (SICGAL).

A turista acabara de chegar ao aeroporto da pequenina ilha de Baltra, a principal porta de entrada das ilhas. Ela e seus companheiros de vôo estavam visivelmente entusiasmados com a chegada às famosas ilhas. Pagaram os US$100 de taxa de entrada do Parque Nacional de Galápagos e agora observavam enquanto Acosta e os outros inspetores examinavam sua bagagem. O trabalho dos inspetores era procurar qualquer planta ou animal que pudesse de escapar para o ambiente. Tais espécies invasivas, que podem chegar numa mala, num compartimento de carga ou na sola de um sapato, são consideradas a maior ameaça para os famosos ecossistemas do arquipélago e sua flora e fauna peculiares.

Muito provavelmente os exemplares de feijoa não teriam tido chance de se reproduzir nas ilhas e representar uma ameaça para as espécies nativas. Mas nunca se sabe. É interessante que essa espécie seja da mesma família botânica da goiabeira, cuja péssima reputação em Galápagos contrasta com a alta estima de que a planta goza em boa parte da América tropical, onde seu fruto é transformado num doce saboroso e rico em vitaminas. Em Galápagos, as goiabeiras cresceram excessivamente e, hoje, essas árvores baixas ocupam mais de 40.000 hectares de terra nas quatro ilhas. Os agricultores as detestam, porque elas invadem pastos e campos. E os conservacionistas alarmam-se ao ver densas florestas de goiabeiras substituindo três zonas altas de vegetação nativa no Parque Nacional de Galápagos.

Acosta escreveu um relatório sobre o caso da feijoa e selou a sacola, envolvendo-a com metros e metros de uma resistente fita adesiva. As frutas seriam incineradas, juntamente com outros produtos confiscados.

Bloqueio à entrada. Depois de séculos de imigração quase irrestrita de plantas e animais estranhos às ilhas, Acosta e seus colegas estão agora fechando o cerco em torno de organismos recém-chegados cuja disseminação possa prejudicar ainda mais a integridade biológica de Galápagos. O programa é parte de um novo sistema de quarentena que começou a operar em 1999, dentro do Plano de Gestão Ambiental de Galápagos, que é parcialmente financiado pelo BID.

Embora ainda esteja no período de aprendizagem, a equipe do SICGAL conseguiu bloquear a entrada de alguns invasores potencialmente perigosos, entre eles uma espécie agressiva de gramínea, um inseto que vem destruindo manguezais no continente e uma mosca–da-fruta que poderia ter danificado as mangueiras das ilhas. Os inspetores também interceptaram diversos animais maiores que poderiam se reproduzir no local, como caranguejos, moluscos e até mesmo um inocente coelho.

Imagem removida.O presidente do BID, Enrique V. Iglesias, inaugura uma nova estação de inspeção e quarentena em Santa Cruz.

O SICGAL também está realizando programas de capacitação e de educação comunitária, além de ter instalado novos escritórios de inspeção em aeroportos e cais e uma sede na cidade de Puerto Ayora, na ilha de Santa Cruz. O novo prédio, cuja construção em rocha vulcânica faz que ele se integre à paisagem natural, foi inaugurado em julho último pelo presidente do BID, Enrique V. Iglesias.

Os turistas em geral aceitam as medidas de segurança mais rígidas com compreensão e bom humor, diz Franklin Falconi, chefe do Serviço Equatoriano de Saúde Agropecuária, que inclui o SICGAL. A maioria já enfrentou revistas em aeroportos em busca de bombas, facas e armas de destruição em massa. É difícil alguém ficar traumatizado com a possibilidade de ser pego com uma sacola de frutas.

O trabalho dos inspetores não se limita aos aeroportos. Eles também examinam os compartimentos de carga de barcos, e não só contêineres de material orgânico. De acordo com Falconi, mesmo uma caixa de livros pode passar pela revista, porque pode conter baratas. Os inspetores não se restringem a itens que chegam do continente. Os funcionários do SICGAL ficam atentos ainda a transportes entre as ilhas.

Quando os inspetores encontram alguma coisa proibida, eles não multam seu proprietário. Segundo Falconi, a abordagem não punitiva ajuda a reduzir os sentimentos negativos e a resistência.

Ilhas de imigrantes. Ironicamente, todas as espécies de plantas e animais em Galápagos chegaram do continente num período relativamente recente, pelo menos em termos de evolução. Esse fato está no centro da importância extraordinária das ilhas para a ciência. A bordo de troncos ou de massas de vegetação flutuante, plantas e animais colonizaram o que antes eram meras protuberâncias vulcânicas. Evoluíram, então, adquirindo variedade e, por fim, dando origem a espécies totalmente novas. As perspicazes teorizações de Charles Darwin a respeito de como isso aconteceu contribuíram enormemente para nosso entendimento do papel da seleção natural no processo de evolução.

Mas foi a chegada de uma espécie em particular, em 1535, que desencadeou uma verdadeira avalanche de novos habitantes. Nos séculos que se seguiram ao desembarque de um bispo espanhol e sua tripulação, o ritmo do imperialismo ecológico adquiriu novas ordens de magnitude. Colonos posteriores trouxeram consigo um conjunto agrícola completo de plantas e animais, sem falar nos clandestinos indesejados, que iam de cobras a micróbios. Muitas dessas espécies invasoras expulsaram populações nativas, em alguns casos até o ponto da extinção. As pessoas também tiveram sua participação direta. Os tripulantes das baleeiras partiam com milhares de tartarugas, usadas como fonte de alimento. Cientistas e colecionadores ricos levaram milhares de exemplares de muitas espécies para estudo ou mera exibição. E hoje os pescadores estão travando combate com os conservacionistas por causa das tentativas de controle da pesca excessiva do pepino-do-mar e outras espécies marinhas nas águas de Galápagos. Embora nunca tenham sido o pequeno e organizado laboratório de mudanças evolutivas da imaginação popular, os ecossistemas de Galápagos enfrentam hoje mudanças rápidas e interferências cada vez maiores.

Uma praga de cabras. Encabeçando a lista das espécies invasoras mais procuradas está a esperta, ágil e adaptável cabra. Introduzidos originalmente para fins de alimentação, rebanhos de cabras acabaram com a vegetação de encostas inteiras, deixando as famosas tartarugas das ilhas sem alimento ou sombra. Na ilha de Baltra, as cabras, aliadas à construção do aeroporto, contribuíram para o desaparecimento de uma subespécie de iguana terrestre particularmente grande, que podia chegar a um metro e meio de comprimento. Ao longo das três últimas décadas, o Parque Nacional de Galápagos, com o apoio da Estação de Pesquisa Darwin, eliminou as cabras existentes em cinco ilhas.

Na ilha Isabela, a maior de Galápagos e lar do maior número de espécies endêmicas do arquipélago, um rebanho original de cerca de 150.000 cabras no norte da ilha foi reduzido drasticamente por meio de patrulhas aéreas e operações em terra com carabinas .223. Até o final de 2005, considera-se provável que a parte norte da ilha possa ser declarada livre de cabras, assim como de burros selvagens.

Embora seja dispendioso impedir que novas espécies cheguem às ilhas, tentar controlá-las ou erradicá-las depois de estabelecidas seria bem mais caro. Esse fato se reflete no uso de uma concessão feita ao Equador em 2000, que se somou ao empréstimo de US$10,4 milhões do BID para o programa de gestão ambiental. Enquanto mais de US$1 milhão do empréstimo do BID cobriu as despesas com operações em aeroportos e cais para impedir a chegada de novos animais, mais de US$7 milhões da concessão do GEF estão sendo usados para erradicar as cabras.

Também estão na lista de procurados em Galápagos porcos selvagens que comem ovos e filhotes de tartaruga onde puderem encontrá-los. Os ratos, que igualmente se alimentam de ovos de tartaruga, destruíram todas as desovas da ilha Pinzón no século passado, reduzindo a subespécie de tartaruga da ilha a uma população de indivíduos de idade avançada. Gatos causam grandes estragos entre as populações de aves e iguanas. No final da década de 1970, cachorros selvagens mataram na ilha de Santa Cruz mais de 500 iguanas num único ataque.

O ani, um grande pássaro negro apreciado no continente por seu apetite por parasitas do gado, ataca os ninhos de tentilhões de Darwin. Enquanto isso, esses mesmos tentilhões alimentam-se dos frutos das amoreiras, que se propagaram rapidamente depois de sua introdução, e acabam contribuindo involuntariamente com suas fezes para disseminar as sementes da planta.

No microextremo do espectro da fauna, afídeos, vespas e formigas lava-pés difundiram-se amplamente e com rapidez. A cochonilha-do-algodão, que apareceu pela primeira vez em San Cristóbal em 1982, está atacando plantas nativas em dez ilhas diferentes. Centenas de novas espécies chegam a cada ano. A maioria não causa nenhum problema, mas qualquer uma delas tem o potencial de se converter em pragas sérias no futuro.

Falconi está orgulhoso do sucesso do novo sistema de inspeção. Destacando que espécies invasoras são um problema menos sério em Galápagos do que no continente, ele acrescenta: “Queremos que continue assim”.

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