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A geografia determina o destino?

Quando as pessoas não gostam do lugar onde moram elas têm duas alternativas. Primeiro, podem mudar-se. Podem sair de lugares ou muito secos, ou muito remotos, excessivamente insalubres, inférteis ou superpopulados, para um lugar onde o céu parece ser mais azul. Essa é a história da grande diáspora humana dos últimos 50.000 anos.

Ou as pessoas podem escolher ficar onde estão e mudar seu entorno. Podem construir canais de irrigação e pontes sobre rios, exterminar mosquitos que causam doenças e superar outros obstáculos que se interpõem no caminho de uma vida melhor. A história dos esforços humanos para modificar a natureza é o tema subjacente da civilização.

Em qualquer dos casos, o sujeito é a geografia, a disciplina que esteve um dia em posição de destaque entre as disciplinas acadêmicas. Mas com o passar do tempo a geografia foi suplantada por toda uma sucessão de novas disciplinas científicas. Hoje, muitos acham a geografia fora de moda, evocando imagens de livros didáticos surrados e professores discursando na frente de mapas em cores desmaiadas. Outros vêem a geografia com suspeita, citando seu uso impróprio em tempos passados para confirmar preconceitos eurocêntricos, como o que ligava climas tropicais às "raças inferiores".

Mas o valor da geografia como instrumento explanatório não pode ser negado. Nas mãos de pesquisadores sérios, dados sobre topografia, solos, clima, distribuição da população e outros fatores lançam luz sobre por que as sociedades humanas evoluíram como o fizeram. Embora as explicações possam ser experimentais e sujeitas a debate, baseiam-se em fatos reais que existem no mundo real. A conclusão inescapável é que o lugar onde as pessoas vivem na verdade faz diferença.

Mas embora a geografia seja importante ela não é determinante, assim como a herança genética de uma criança não determina o curso de seu desenvolvimento futuro. As condições geográficas não se traduzem em resultados previsíveis. Por exemplo, alguns países com padrões de vida relativamente altos estão localizados em áreas tropicais; um bom exemplo é a Costa Rica. Por outro lado, há países pobres localizados nas zonas temperadas mais geograficamente favorecidas. As exceções confirmam o fato de que as influências da geografia agem em conjunto com outros fatores, tais como instituições políticas, educação e desenvolvimento tecnológico. Ainda assim quanto mais uma sociedade compreende suas restrições geográficas, mais bem preparada estará para buscar estratégias para superá-las.

Por todas essas razões, vale a pena reconhecer que muitas nações na América Latina de fato têm que batalhar contra uma série de desvantagens geográficas em comparação com países desenvolvidos em latitudes mais frias (clique no gráfico ao lado). Essa é a conclusão do recém-lançado relatório do BID Development Beyond Economics. Um capítulo do livro, preparado por John Gallup, do Centro de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard, e Eduardo Lora, do Departamento de Pesquisa do BID, mostra que muitos dos problemas persistentes que os países da América Latina enfrentam resultam de sua localização.

Mas o estudo também mostra como, uma vez identificados claramente e colocados no contexto, esses problemas podem ser em grande parte suplantados mediante a adoção de boas políticas e o emprego de tecnologias adequadas.

Enfrentando a geografia.
Uma forma de superar o isolamento geográfico é melhorar a infra-estrutura de transporte. Estradas, portos, ferrovias e aeroportos de qualidade fornecem acesso aos mercados mundiais. Mas um país só pode extrair benefícios plenos desses investimentos num contexto de políticas macroeconômicas e de comércio sólidas. Essa vinculação é conhecida e em seus 40 anos de operações tem sido, de fato, propósito central do BID financiar programas tanto para construir infra-estrutura quanto para ajudar a reformar as economias.

Devido à grande diversidade geográfica que caracteriza muitos países da América Latina, regiões dentro de certos países podem também sofrer desvantagens econômicas. Mas os autores do relatório do BID previnem contra a repetição de erros de programas anteriores de desenvolvimento que visavam ajudar essas regiões. Um grande problema é que fica muito caro levar infra-estrutura, como eletricidade e estradas, a áreas isoladas. Esse investimento só se justifica se os moradores locais se beneficiarem significativamente. Por exemplo, qualquer tentativa de levar indústrias a uma área isolada tem que reconhecer a necessidade de superar as enormes vantagens competitivas que a cidade traz em termos de transporte, comunicações, mão-de-obra especializada e proximidade de fornecedores de materiais, equipamentos e tecnologia. O relatório descreve o problema como o dilema da galinha e do ovo — as empresas não se estabelecem nesses lugares porque não há infra-estrutura e serviços, mas não é eficiente do ponto de vista de custo fornecer essa infra-estrutura a não ser que várias empresas tomem a decisão de mudar-se. Ninguém quer ser o primeiro e muitos parques industriais em regiões sem recursos continuam vazios. "Eles foram construídos, mas ninguém se interessou", afirmam os autores.

Mesmo quando realizados em escala gigantesca, programas de desenvolvimento regional não foram capazes de criar as redes econômicas complexas necessárias para arrancar da pobreza certas regiões. No Brasil, décadas de programas de ajuda ao Nordeste pobre tiveram resultados muito modestos. Em 1960, o estado mais pobre era o Piauí, onde o PIB per capita era 11% o de São Paulo. Em 1995, o PIB do Piauí tinha subido para apenas 16% do de São Paulo. O mesmo com a Amazônia. A abertura dessa vasta área florestal à ocupação casusou enormes danos ambientais, produzindo benefícios econômicos limitados.

Em vez de grandes projetos de investimentos, uma solução melhor para áreas isoladas, segundo a tese dos autores, seria uma abordagem das necessidades básicas para reduzir a pobreza. Os programas deveriam enfatizar a construção e manutenção de estradas de acesso rudimentares, eletricidade e telecomunicações. O ideal é que os moradores locais planejem e administrem os projetos para garantir que suas necessidades sejam atendidas.

Na área de saúde, o relatório descreve os sérios problemas encontrados para romper a ligação entre doenças e clima. Por exemplo, uma vacina contra malária ainda está a anos de ser inventada. Mesmo com milhões de mortes ao ano devido à malária, praticamente não há nenhuma pesquisa de malária sendo feita pelas grandes companhias farmacêuticas.A maior parte dos US$84 milhões gastos no mundo todo para combater a malária em 1993 veio de países desenvolvidos preocupados com a vida de seus soldados no ultramar.

Uma das principais razões pela qual é tão escasso o progresso contra doenças tropicais é que mesmo os países industrializados não estão dispostos a realizar a pesquisa biomédica e farmacêutica necessária. As empresas farmacêuticas gigantes não estão interessadas em desenvolver remédios para as doenças tropicais porque o mercado não seria grande o suficiente para justificar o investimento. O que fazer?

Uma solução possível foi oferecida por Jeffrey Sachs, economista de Harvard e colega de Gallup, co-autor do relatório. Sachs propõe que os países ricos se comprometam a um preço mínimo de compra ou montante fixo por dose para uma vacina contra a malária, como forma de criar um mercado atraente para a firma que conseguir desenvolvê-la. Compromissos desse tipo poderão incentivar a cura de outras doenças.

Necessidade de dados.
Dada a complexidade da relação entre geografia e desenvolvimento, é essencial ter dados confiáveis para fazer escolhas de política sensatas. A necessidade é particularmente grande na América Latina, onde as condições geográficas variam acentuadamente de um país para o outro e de região a região dentro de cada país. Conseqüentemente, os resultados de investimentos em infra-estrutura ou iniciativas de atenção de saúde, por exemplo, podem variar dependendo da localização. Da mesma forma, há necessidade de informações sofisticadas sobre o clima e o tempo, bem como dados geológicos, para concentrar esforços na prevenção de desastres naturais nas áreas mais em risco.

Embora os maiores países da região tenham institutos de geografia e estatística da melhor qualidade (ver quadro), esse tipo de coleta maciça de dados está apenas começando em outros países. Nos menores, as considerações de ordem geográfica ainda não entram como fator nas decisões que envolvem infra-estrutura, saúde, desenvolvimento urbano ou prevenção de desastres.

Mas mesmo em países em que há instituições estatísticas de qualidade razoável, as informações relevantes nem sempre chegam aos níveis em que são mais necessárias. Enquanto os formuladores de políticas públicas produzem relatórios notáveis, ao cidadão comum é negado o acesso à informação oportuna que poderia salvar vidas ou propriedades. As pessoas constroem casas em encostas instáveis ou muito próximas de áreas sujeitas a inundações, por exemplo, porque não estão conscientes dos riscos envolvidos. Lavradores cometem erros no uso de fertilizantes, pesticidas e irrigação que lhes custam dinheiro porque carecem de informação sobre composição do solo, comportamento de insetos e previsão do tempo. Nos piores casos, informações vitais que podem afetar a segurança e a saúde de milhões — como dados sobre contaminação da água, poluição industrial ou desmatamento ao longo das margens de rios — são manipuladas ou omitidas do público de propósito por razões políticas.

Em outras palavras, embora a coleta e processamento de informações estatísticas seja uma tarefa cara e complexa que órgãos governamentais estão mais bem talhados para desempenhar, esses órgãos nem sempre são os mais bem qualificados para colocar em uso a informação. Para prevenir essas distorções, os autores de Development Beyond Economics sugerem a descentralização tanto do acesso à informação quanto do processo decisório baseado nela. Armados de boas informações, os escalões inferiores de governo, como os estados e municípios, e mesmo comunidades individuais, terão probabilidade muito maior de adotar medidas corretas sobre problemas como habitação e atividades produtivas. Há cada vez mais evidências de que projetos de desenvolvimento elaborados e implementados no nível local têm probabilidade muito maior de êxito do que os impostos de cima para baixo.

Como não descentralizar.
Pode-se dizer então que o acesso aberto à informação e a descentralização das decisões são essenciais para superar as desvantagens geográficas? Depende. A política de descentralização em países com uma longa história de governo centralizado é delicada e levanta algumas questões. A responsabilidade pelo desenvolvimento de infra-estrutura deve repousar apenas sobre os órgãos governamentais ou pode ser delegada a entidades como associações de plantadores de café ou companhias petrolíferas? Certos problemas podem ser enfrentados cooperativamente por grupos de municípios? Se assim for, como administrar as rivalidades políticas inevitáveis? O número excessivo de jurisdições políticas em muitos países da América Latina ajuda a compor o problema. O Panamá, por exemplo, com uma população de três milhões de habitantes tem apenas 67 municípios, enquanto El Salvador, com uma população só duas vezes maior, tem 262.

A descentralização política pode ser um instrumento essencial para amestrar a geografia, mas não é um instrumento simples. O relatório arrola três condições necessárias para que a descentralização dê certo: a) o processo de decisão precisa ser transparente; b) os custos de execução de projetos de desenvolvimento devem ser de responsabilidade de quem os executa, não de outras unidades do governo; c) todos os benefícios devem ser da comunidade local.

Mas, segundo o relatório, em muitos casos, essas condições não são atendidas. Por exemplo, embora os governos municipais sejam hoje eleitos pelo voto popular em boa parte da região, o processo decisório nese nível não é necessariamente transparente, porque os padrões de apadrinhamentro político podem ser tão corrompidos quanto nos governos nacionais. Conseqüentemente, outros tipos de grupos organizados democraticamente, como produtores locais, muitas vezes precisam tomar a iniciativa de levar a cabo um projeto.

A transferência de fundos do governo central para as jurisdições inferiores também tende a sofrer por falta de responsabilidade. Essas transferências tendem a ser feitas automaticamente com base nos custos relatados e não na avaliação independente sobre a qualidade e o alcance dos bens e serviços que se está pagando. Em alguns países, o total de transferências federais se baseia em precedente, como um direito adquirido, ou numa porcentagem fixa de receitas do governo central. Em vários países permitiu-se também aos escalões inferiores do governo a apropriação de fundos com pouca atenção à sua capacidade de gerar receita e permanecer solvente.

Mas todas as armadilhas potenciais da descentralização podem ser evitadas. Com melhor divisão de responsabilidades entre os governos central e local, melhoramento da coleta e disseminação de dados e vontade política para fazer escolhas difíceis, os países podem superar os obstáculos geográficos e proporcionar oportunidades melhores para seus cidadãos.

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