O tratamento da aids em estágio avançado e com meias medidas tem um alto custo em vidas e recursos. O Brasil evitou uma epidemia em larga escala ao adotar uma política nacional visionária e investir pesadamente desde o início. O programa do Brasil está provocando uma reavaliação das possibilidades de manejo da aids nos países em desenvolvimento.
Como co-fundador e diretor do Programa Nacional de Aids no Brasil, Pedro Chequer ajudou a promover uma estratégia cujo êxito é hoje reconhecido mundialmente. Pedro Chequer ocupou, no Brasil, os cargos de Diretor do Programa Nacional de Aids e Presidente da Comissão Nacional de Aids. Desde março de 2001, é conselheiro do programa regional da UNAIDS para a América do Sul, com especialidade em pazeises do Cone Sul. Chequer é doutor em Medicina pela Universidade do Rio de Janeiro e completou outros estudos em universidades no Brasil e Estados Unidos.
Chequer recentemente conversou com o BIDAmérica sobre a experiência brasileira com a aids.
BIDAmérica: A estratégia do Brasil com relação à epidemia de aids é modelo de acertos e bons resultados. Como isso ocorreu?
Chequer: O Brasil adotou medidas cruciais quando ainda se desconhecia a extensão da epidemia. Em 1986, decidimos criar uma divisão de aids com estrutura própria. A seguir, constituiu-se uma comissão nacional composta dos ministérios mais ligados ao problema, ONGs, universidades, pesquisadores, intelectuais e especialistas em diversas áreas sociais.
Os pontos chaves iniciais do programa foram a aliança com a sociedade e um alto nível técnico que deu credibilidade a essa estratégia. Periodicamente, o programa convida técnicos em áreas específicas — questões da mulher, infância, homossexualismo ou análise — com visão crítica e inovadora sobre o processo.
BIDAmérica:Que tipo de resposta houve no país?
Chequer: Um dos primeiros objetivos foi descentralizar as operações através de parcerias sólidas com estados e municípios.
Os meios de comunicação ajudaram a sensibilizar, informar e educar os brasileiros sobre a aids. Nós fizemos questão de informar a mídia sobre os aspectos técnicos e humanos da doença e seu tratamento. O Brasil investiu muito em comunicação, com campanhas nacionais que são verdadeiros bombardeios disparados por todos os canais de televisão, emissoras de rádio e imprensa escrita.
Um pacto de aliança com a oposição política afeta de maneira muito positiva a aprovação de leis e orçamentos, dando continuidade ao programa acima das mudanças políticas ou de governo.
Em geral, o nível de aprovação e de conhecimento entre a população é alto. O uso de preservativos é generalizado e é clara a incorporação de práticas de prevenção.
BIDAmérica: Que papel desempenha a Igreja nesse processo?
Chequer: A princípio, a Igreja quis controlar a informação, mas encontrou uma forte resistência por parte do Ministério da Saúde e do Programa de Aids. Abstinência, fidelidade e casamento não são para todos; os preservativos são a opção mais sensata para muitos. Desde 1997, dialogamos com o presidente da CNBB e a Igreja é hoje nossa grande aliada.
BIDAmérica: O Brasil agora fabrica alguns medicamentos patenteados e promove parcerias com outros países com essa finalidade. Isso não poderia desestimular os laboratórios a investir em futuros tratamentos ou curas?
Chequer: As indústrias farmacêuticas ganham tanto dinheiro no Primeiro Mundo que não necessitam fazer negócios no Terceiro Mundo para obter um retorno sobre seus investimentos em pesquisa. O que queremos é poder oferecer tratamento universal a nossos pacientes de aids a um preço exeqüível.
BIDAmérica: Outro pilar da estratégia brasileira é uma extensa rede de serviços de diagnóstico e tratamento. Isso foi produto da campanha contra a aids?
Chequer: O Brasil investiu muitos recursos na formação de pessoal especializado. Hoje temos os melhores recursos humanos e o país inteiro está informatizado. O doente recebe atendimento e tratamento em centros próximos a sua residência, onde quer que more. Todos os centros de diagnóstico estão ligados por computador.
BIDAmérica: Somente em medicamentos anti-retrovirais, o Brasil investe anualmente cerca de US$300 milhões. Manter uma rede de serviços tão extensa e tanto pessoal pressupõe investimentos vultosos. Houve algum momento de dúvida sobre um uso tão intensivo de recursos?
Chequer: Durante a crise financeira de 98, perigou o acesso universal ao tratamento. Ainda não tínhamos resultados e não podíamos defender o programa com cifras. O ministro da Saúde quis cortar gastos. O que nos salvou foi nossa linha direta com a Presidência. Agora podemos demonstrar com números os excelentes resultados do programa na redução da morbidade e da mortalidade, a espetacular economia de custos de hospitalização e de atendimento. O Programa Nacional de Aids é um de nossos produtos exportáveis.
BIDAmérica: Em que sentido o modelo brasileiro é "exportável"?
Chequer: Nenhum processo é cem por cento duplicável. Em alguns países é primordial organizar a sociedade civil e nisso o BID está nos ajudando muito. É também importante sensibilizar os meios de comunicação. O silêncio é um perigo. No Brasil, a população e os meios de comunicação apóiam a campanha. É preciso alcançar algo parecido no resto da América Latina e do Caribe.