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Estudo do BID encontra grandes defasagens salariais ligadas a etnia e gênero na América Latina

  • Afrodescendentes e indígenas ganham 28% a menos que seus colegas brancos

  • Homens ganham 17% a mais que as mulheres na região quando ambos têm a mesma idade e nível de instrução

  • A educação é a chave para reduzir as desigualdades salariais por etnia na região.

 

As diferenças salariais de etnia e gênero continuam sendo grandes na América Latina apesar do recente crescimento econômico e de políticas destinadas a reduzir a desigualdade, de acordo com um estudo recém-divulgado do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

 

Em uma análise sem precedentes de informações domiciliares de 18 nações latino-americanas, o estudo conclui que mulheres e minorias étnicas ainda estão em clara desvantagem.

 

As mulheres na região ganham menos que seus colegas homens mesmo que tenham melhor nível de instrução. Uma comparação simples dos salários médios indica que os homens ganham 10% a mais que as mulheres. Quando, porém, os economistas comparam homens e mulheres com a mesma idade e nível de instrução, a diferença salarial entre homens e mulheres é de 17%.

 

Para os sete países que dispunham de dados sobre etnias, o estudo encontrou que minorias indígenas e afrodescendentes ganham em média 28% a menos do que a população branca na região, quando os indivíduos têm a mesma idade, gênero e nível de instrução. Foram consideradas “minorias” pessoas que, em pesquisas domiciliares, se autodeclararam indígenas, negros ou pardos ou falantes de uma língua indígena. Apesar de serem a maioria em alguns países do estudo, esses grupos são considerados “minorias”.

 

O estudo oferece evidências de que a região ainda enfrenta grandes desafios na erradicação das desvantagens nos mercados de trabalho baseadas em características como gênero e etnia.

 

“As políticas destinadas a reduzir essas desigualdades ainda são insuficientes. Isso é mais do que apenas uma necessidade moral. É uma estratégia essencial para reduzir a pobreza na região”, disse o economista do BID Hugo Ñopo, o principal autor do estudo.

 

O estudo conclui que a melhora dos níveis de instrução das minorias étnicas na América Latina poderia reduzir significativamente a diferença salarial. Níveis melhores de instrução poderiam ajudar a reduzir a diferença salarial média em quase um quarto entre minorias e não-minorias na região.

 

Essas descobertas são parte de uma série de estudos que analisam as diferenças salariais em vários países da América Latina. O documento de trabalho “New Century, Old Disparities: Gender and Ethnic Wage Gaps in Latin America”, escrito pelos economistas do BID Ñopo, Juan Pablo Atal e Natalia Winder, resume os dados referentes a toda a região. O documento é um estudo empírico inovador e abrangente sobre diferenças salariais com uma nova metodologia que possibilita medidas mais precisas das defasagens de salários.

 

O estudo compara os salários de indivíduos com as mesmas características demográficas e de emprego, como idade, nível de instrução, local de residência e tipo de emprego, entre outras.

 

Os economistas dividem a análise das defasagens salariais em duas partes. Por um lado, avaliam em que medida trabalhadores com as mesmas características ganham salários diferentes com base em seu gênero ou etnia. Por outro, analisam até que ponto mulheres e minorias étnicas não conseguem acesso a certas combinações de características que lhes permitiriam ser mais bem pagos nos mercados de trabalho.

 

A nova metodologia possibilitou que os pesquisadores do BID medissem melhor o papel de características individuais para explicar as diferenças salariais na região.

 

“Comparando indivíduos com a mesma formação, podemos oferecer uma medida mais precisa de possíveis causas das diferenças salariais”, disse Ñopo. “As metodologias anteriores tendiam a exagerar o papel da discriminação e de outras características não-especificadas para a explicação de diferenças de salários.”

 

 

Defasagens salariais por gênero

 

O estudo encontrou que os homens ganham mais que as mulheres em qualquer faixa de idade, em todos os níveis de instrução, em qualquer tipo de emprego (autônomos, empregadores e empregados) e em empresas grandes ou pequenas. Apenas as mulheres das áreas rurais ganham, em média, o mesmo que os homens.

 

As diferenças salariais entre os gêneros variam muito entre os 18 países (ver dados abaixo). Os homens ganham 30% a mais que as mulheres no Brasil quando ambos têm a mesma idade e nível de instrução, por exemplo, enquanto na Bolívia a diferença é muito pequena.

 

Em geral, a menor diferença salarial por gênero é encontrada entre pessoas mais jovens com nível universitário. Uma explicação possível é que mulheres com nível de instrução mais alto ocupam posições em empresas em que há menos espaço para diferenças nas condições salariais. Essa hipótese é corroborada pelo fato de que a defasagem salarial é mais baixa entre trabalhadores formais e mais alta entre os que trabalham em empresas pequenas. As maiores defasagens são encontradas entre trabalhadores com salários mais baixos, educação secundária incompleta e moradores de áreas rurais.

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A defasagem salarial por gênero aumenta com a idade, de acordo com o estudo. Isso talvez possa ser explicado por um “efeito de coorte”: as defasagens salariais tornam-se mais específicas com o tempo.

 

Outra explicação possível poderia ser o efeito de algumas características não observáveis, como experiência profissional, para as quais diferenças de gênero estejam correlacionadas com a idade. Diferenças na experiência acumulada poderiam ser exacerbadas quando as mulheres ficam mais velhas e têm filhos. Os dados mostram que a defasagem salarial por gênero é ligeiramente mais alta entre trabalhadoras com filhos.

 

Uma razão possível para a diferença em experiência profissional poderia ser que as mulheres têm maior probabilidade de serem forçadas a sair do mercado de trabalho depois do nascimento dos filhos, disse Ñopo. Segundo ele, políticas que lhes permitam retornar ao trabalho, como maior disponibilidade de serviços de creche, podem contribuir para reduzir as diferenças salariais.

 

 

 

 

Questionando as visões tradicionais sobre discriminação

 

A defasagem salarial por gênero também é mais alta entre trabalhadores autônomos, em comparação com os que mantêm vínculos de emprego formais com empresas. Essa descoberta contradiz a visão comum de que as defasagens salariais por gênero têm mais probabilidade de ser encontradas como resultado de discriminação por parte do empregador.

 

Ainda assim, mesmo depois de levar em conta diferenças em características individuais e relacionadas ao emprego, uma defasagem salarial significativa entre homens e mulheres permanece inexplicada.

 

Em média, um quinto do total da diferença salarial por gênero não pode ser explicado com base em diferenças em características individuais ou de emprego observáveis. Isso indica que outros fatores, incluindo discriminação e características não observáveis não especificadas no estudo, como esforço e dedicação ao trabalho, estão influenciando os níveis salariais e que os cientistas sociais precisam continuar investigando o tema mais a fundo.

Defasagens salariais por etnia

 

O BID fez uma análise das causas de diferenças salariais entre as minorias e a população branca no Brasil, Bolívia, Chile, Equador, Guatemala, Peru e Paraguai. A análise foi limitada a esses sete países porque eram os únicos com informações étnicas disponíveis em suas pesquisas domiciliares.

 

Uma média simples dos salários nos sete países mostra que não-minorias ganham 38% a mais que as minorias. Quando o estudo leva em conta idade, gênero e nível de instrução, a defasagem cai para 28%.

 

O Brasil é o país com a mais alta defasagem salarial por etnia, enquanto o Equador é o que apresenta a defasagem mais baixa entre os sete países da amostra, de acordo com o gráfico abaixo.

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As maiores diferenças étnicas nos salários na região são encontradas entre os que estão nos extremos da distribuição de ganhos, ou seja, entre os que recebem os maiores e os menores salários. Além disso, a defasagem maior é encontrada entre os homens, os de mais idade e os que vivem em áreas rurais.

 

O nível de instrução responde por um quarto da diferença salarial entre brancos e minorias. Outros 21% da defasagem salarial são explicados por uma combinação de características individuais e de emprego alcançadas pelos brancos, mas não pelas minorias. O estudo encontrou que um grande número de representantes de minorias estão empregados em trabalhos com baixos salários. O tipo de ocupação parece desempenhar um papel fundamental para explicar as diferenças, disse Ñopo.

 

“As defasagens salariais por etnia estão ligadas a segregação ocupacional, já que as minorias estão sub-representadas em ocupações de empregadores, que têm os salários mais altos”, explicou Ñopo. “Como no caso das defasagens por gênero, é difícil encontrar minorias empregadas que tenham, por exemplo, o perfil típico de um CEO.”

 

No entanto, mesmo depois de levar em conta atributos educacionais e de capital humano, cerca de um terço da defasagem salarial ainda continua sem explicação. O Brasil é o país que apresenta a mais alta defasagem não explicada.

 

Os resultados sugerem que outros fatores não especificados no modelo poderiam estar afetando as diferenças nos salários, incluindo discriminação e o fato de que as minorias recebem salários mais baixos do que os brancos em casos em que ambos têm o mesmo nível de instrução. Mais pesquisas ainda são necessárias.

 

De qualquer modo, é possível tirar algumas conclusões quanto a políticas. Primeiro, embora tenha havido melhoras na qualidade da educação, como a expansão das matrículas e o aumento dos anos de escolaridade, a qualidade e a relevância da educação ainda representam um desafio para a região.

 

”A má qualidade da educação poderia ajudar a explicar por que as minorias pobres obtêm um retorno menor por seus estudos”, disse Ñopo.

 

Os resultados do estudo sugerem que podem existir importantes barreiras de segregação e de acesso a alguns tipos de empregos e setores. Intervenções e políticas educacionais precisam ser complementadas com outras estratégias, como a expansão do número de creches, políticas de ação afirmativa muito bem focalizadas e direcionadas e programas de capacitação e recapacitação, para lidar de maneira efetiva com essas defasagens, segundo Ñopo.

 

Além disso, como minorias étnicas e mulheres estão em posição desvantajosa, políticas de alívio da pobreza precisam dar atenção especial às meninas indígenas na região.

 

Gênero e etnia no BID

 

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) tem o compromisso de promover a igualdade de gêneros e a inclusão étnica como uma ferramenta para melhorar as condições de vida das populações mais pobres na América Latina e o Caribe.

 

A unidade de gênero e diversidade do Banco tem o mandato de oferecer direcionamento estratégico e assistência programática e técnica para a incorporação de questões de gênero e etnia em projetos apoiados pelo BID.

 

Em resposta às necessidades sociais da região, o Banco aprovou em anos recentes uma nova Política Operacional sobre Povos Indígenas que assegura que projetos financiados pelo BID apoiem o desenvolvimento de comunidades indígenas e, ao mesmo tempo, preservem sua identidade e resguardem seus direitos em termos de impactos adversos e exclusão.

 

O BID está no momento atualizando sua política sobre Mulheres no Desenvolvimento de modo a ampliar suas contribuições para a igualdade de gêneros e para a capacitação das mulheres na região.

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