Paul Constance
“O sigilo é uma forma de corrupção”, declarou há alguns anos o costa-riquenho Oscar Arias, ganhador do Nobel da Paz, em uma palestra no Banco Interamericano de Desenvolvimento. Ele se referia à tendência de alguns governos latino-americanos de manter um controle rígido sobre as informações a respeito do uso de recursos públicos, em particular daqueles destinados a fins militares. “Mesmo quando isso não é usado para ocultar o enriquecimento ilegal de pessoas do governo”, acrescentou Arias, “vejo como corrupta a atitude de governos que abusam do poder mantendo as pessoas desinformadas sobre o uso de recursos públicos.”
Ao insistir no direito do público a saber como os seus impostos estão sendo gastos, Arias estava invocando um princípio antigo. Dois mil e quinhentos anos atrás, no alvorecer da democracia na cidade-Estado de Atenas, os cidadãos davam uma enorme importância à capacidade de monitorar as receitas e gastos públicos. Historiadores determinaram que praticamente todas as pessoas eleitas na cidade-Estado eram submetidas a uma euthynai, ou auditoria, na conclusão de seu mandato, quando deviam oferecer um relatório detalhado de todos os fundos públicos que haviam passado por suas mãos.
Esses relatórios eram registrados em papiros ou em tábuas de madeira e guardados em arquivos públicos, juntamente com informações sobre as dívidas da cidade-Estado, inventários de seus templos, orçamentos de construção, gastos com campanhas militares e outros detalhes ficais. Qualquer cidadão (ou seja, qualquer pessoa do sexo masculino que não fosse escravo) era livre para consultá-los. Como se isso não bastasse, alguns relatórios financeiros eram gravados em estelas de mármore e fixados em locais de reunião pública, como a Acrópole e a Ágora, onde recebiam a maior exposição possível. Centenas dessas inscrições ainda são legíveis hoje.
As democracias modernas estão fazendo melhor? Não necessariamente. Até meados da década de 1990, os governos podiam se declarar financeiramente “transparentes” se armazenassem cópias impressas de orçamentos, contratos e outros dados financeiros em alguns arquivos abertos ao público. Isso geralmente significava que os cidadãos interessados tinham de se deslocar até o prédio apropriado, pesquisar em volumes tão grossos quanto catálogos telefônicos e torcer para encontrar uma máquina de xérox funcionando-tudo isso durante o horário de trabalho. Embora mais fácil do que remexer pilhas de papiros, o procedimento não era muito prático. Não é surpresa que poucas pessoas se interessassem por examinar os documentos, e as finanças públicas mantinham-se como um dos recantos mais obscuros da celebrada “sociedade da informação”.
Foi então que a internet começou a mudar as expectativas. Conforme as pessoas foram se acostumando a pagar contas, verificar preços e controlar seus saldos bancários on-line, elas passaram a se perguntar por que teria de ser tão difícil obter informações sobre o que o governo estava gastando em educação ou em prevenção ao crime. Não tardou para que organizações da sociedade civil solicitassem aos governos o uso da internet para melhorar a sua prestação de contas.
Na América Latina, alguns governos entenderam logo a mensagem. Ao assumir o cargo em 2000, o presidente mexicano Vicente Fox declarou que relatórios de gastos executivos seriam colocados no site do governo. Pouco depois, um repórter visitou o site e descobriu que a equipe de Fox havia pago mais de US$400 por toalhas de banho destinadas à mansão presidencial. O escândalo que se seguiu, apelidado de “toalhagate” pelos meios de comunicação, levou à renúncia de um dos assessores mais importantes de Fox e a semanas de debates inflamados sobre os gastos governamentais.
Em vez de recuar, Fox continuou a promover o aumento da transparência fiscal, apoiando uma ambiciosa lei de liberdade de informações que foi aprovada pelo Congresso mexicano em 2002. Hoje, praticamente todos os sites do governo federal, estaduais e municipais no México têm um link “Transparência” em sua página inicial, que conduz a informações detalhadas sobre orçamentos, aquisições, contratos, funcionários e salários. Até mesmo instituições tradicionalmente herméticas como as forças armadas são incluídas. Quer saber quanto o Exército mexicano está gastando para adquirir novos sistemas de armas? Conecte-se. Oscar Arias ficaria bem impressionado.
O México não é de forma alguma o único exemplo. Colômbia, Equador, Peru, Panamá, Jamaica e República Dominicana também aprovaram recentemente leis abrangentes de liberdade de informações, e medidas similares estão sendo debatidas nas legislaturas de quase todos os outros países da América Latina e do Caribe. Sites governamentais com dados detalhados sobre finanças públicas, antes uma exceção à regra, estão começando a se tornar comuns.
Embora essas e outras iniciativas de “governo eletrônico” sejam muitas vezes criticadas como medidas “de fachada”, acredito que elas revelam uma mudança importante na sociedade latino-americana. Um exame rápido de jornais de qualquer um dos países da região revela a presença de inúmeros artigos sobre a fonte de financiamento de campanhas políticas, superfaturamento em contratos públicos, benefícios previdenciários questionáveis e serviços sociais mal administrados. Isso mostra que os meios de comunicação, pressionados pela sociedade civil, estão cada vez mais atentos à intersecção de dinheiro, política e governo. Como os atenienses parecem ter compreendido com clarividência, esse exercício é vital para a saúde de uma democracia.
O BID, que é financiado por contribuintes de seus países-membros, é também um foco de atenção. Como outras instituições públicas, o Banco vem expandindo o âmbito de suas políticas de acesso a informações de forma a refletir a evolução das expectativas de seus clientes. Esta edição da BIDAmérica inclui a avaliação de uma jornalista sobre o trabalho do Banco nesse sentido (ver link à direita para “Luzes e sombras”). Em próximas edições, examinaremos com mais detalhes como os governos e organizações da sociedade civil da região estão usando a internet para assegurar que decisões referentes ao uso de recursos públicos sejam expostas a plena luz.
*Paul Constance é editor executivo da BIDAmérica.