"Não é mais fácil, mas é mais divertido." É assim que Marcos Tedeco, 14 anos, aluno de uma escola pública em Buenos Aires, descreve o uso do computador para aprender matemática.
Esse tipo de reação é música para os ouvidos de qualquer professor que tenha passado anos tentando despertar os alunos para o aspecto lúdico da matemática ou de qualquer outra matéria escolar. Ajuda também a explicar por que as tecnologias da informática e da comunicação estão gerando tanto interesse entre pessoas que querem tornar a educação mais eqüitativa e dinâmica.
Embora o computador ainda seja um luxo raro na maioria das escolas da América Latina, é fácil perceber as razões para o entusiasmo sobre seu potencial. A aprendizagem ocorre mediante a interação entre palavras, imagens e sons. O acesso a professores, livros e outros meios de transmissão do conteúdo foi sempre limitado pelo custo e a distância. Mas, hoje, a proliferação de computadores baratos e da Internet oferece a possibilidade de que mesmo os estudantes nas localidades mais remotas podem ter acesso a um imenso reservatório de informações.
"Imagine só isto", diz John Gage, o principal cientista da Sun Microsystems e um dos arquitetos técnicos da Internet. "Um estudante no norte rural do Chile pode ler El Mercurio, The New York Times, Le Monde e o Frankfurter Allgemeine Zeitung. Há mil jornais na Internet."
Gage, que conversou com BIDAmérica em abril, numa exposição de tecnologia em Santiago, Chile, patrocinada pela Iniciativa Informática 2000 do Banco, é um pregador convicto das maravilhas da Internet. Quando era funcionário do governo americano nos anos 60, ajudou a conceber e desenhar a rede militar de dados que depois evoluiu e se tornou a Internet. Sua premissa, tanto então como hoje, é a de que permitir que as pessoas troquem informações instantâneas a distância desencadeará uma revolução na aprendizagem, produtividade e desenvolvimento. Hoje, Gage passa a maior parte do tempo promovendo o que chama de "uma idéia muito simples - todas as grandes idéias são simples. Toda criança em idade escolar deve ter acesso à Internet e um endereço eletrônico."
Freqüentemente, o que Gage prega é como chover no molhado. Cada vez mais, os empregadores vêem os conhecimentos básicos de computação - como usar um processador de texto, uma planilha eletrônica ou uma base de dados - como aptidões essenciais. Os governos, da Costa Rica ao Canadá, convencidos de que a tecnologia é a chave para preparar os jovens para a participação consciente numa economia global movida pela informação, estão pondo em execução programas para instalar computadores nas escolas para o maior número possível de alunos. Num âmbito raramente visto antes, esse esforço está sendo promovido e muitas vezes financiado pelo setor privado. As provas desse entusiasmo empresarial estavam amplamente presentes na exposição de Santiago, organizada para coincidir com a reunião de presidentes na Cúpula das Américas. A Microsoft, Sun Microsystems, IBM eram algumas das empresas de âmbito mundial na área de mídia, computação, software e construção de redes eletrônicas que mostraram seus produtos e serviços educacionais durante o evento.
Bom para todos?
A promessa da tecnologia sempre pareceu particularmente brilhante contra o pano de fundo sombrio da educação na América Latina. Embora haja boas escolas nos bairros mais ricos das grandes cidades da região, praticamente todos os países da América Latina estão lutando para superar as deficiências dramáticas na cobertura da educação básica, nos salários e treinamento dos professores e na disponibilidade de materiais e instalações educacionais. Mesmo nos países em que os governos estão promovendo reformas da educação, o progresso é lento devido a entraves ideológicos, burocráticos e trabalhistas.
Alguns reformadores acreditam que é possível usar a tecnologia para superar essas barreiras. Como pode levar décadas para superar a burocracia na educação e levar os benefícios da reforma até a escola, por que não dar aos professores e estudantes motivados os meios para mudar, fornecendo-lhes a tecnologia educacional hoje?
De fato, os educadores na América Latina vêm explorando essa possibilidade há anos. Muito antes de os computadores e a Internet entrarem em cena, vários países latinos desenvolveram sistemas pioneiros baseados em rádio e televisão para ensino a distância em salas de aula, lares e locais de trabalho. De cursos de alfabetização a instrução técnica avançada, esses programas foram usados com grande êxito, atingindo milhões de pessoas que de outra forma não teriam acesso a educação. Mais recentemente, as escolas com meios de adquirir aparelhos de televisão e de videoteipe têm aproveitado a seleção cada vez maior de material de ensino disponível nesse formato. Uma escola que não possa arcar com o custo de um laboratório completo para as aulas de biologia, por exemplo, pode compensar com um documentário mostrando uma cirurgia de coração.
Comparado ao rádio e à tevê, o potencial educativo dos computadores e da Internet ainda não foi totalmente entendido e está ainda sendo debatido. Os céticos dizem que há poucas evidências de que os computadores melhoram a aprendizagem, mas muitos educadores acreditam que essas tecnologias, quando manejadas por professores criativos e altamente qualificados, podem ajudar a desenvolver as aptidões cognitivas de ordem mais alta dos alunos que já tenham uma base sólida. Muitos estudantes acharão mais fácil, por exemplo, captar um conceito abstrato de geometria usando um programa de computador com gráficos em três dimensões para manipular formas geométricas numa tela de computador. Nos países mais ricos do mundo, algumas escolas estão usando programas interativos de multimídia para inverter o processo de aprendizagem. Em vez de receber informação passivamente, os alunos são encorajados por seus professores a "construir" o conhecimento, usando instrumentos de multimídia para expressar sua capacidade inata para explorar e experimentar.
A questão do custo.
Dado o êxito anterior das técnicas de educação a distância e os benefícios potenciais que se podem esperar dos computadores no futuro, os educadores da América Latina enfrentam escolhas difíceis sobre como melhor usar seus orçamentos limitados. A questão do custo é fundamental. Embora os preços de computadores e conexões de rede continuem a cair, ainda são altos. Em países onde os salários dos professores continuam a ser os mais baixos do setor público, qualquer proposta para alocar fundos para equipamento provavelmente será contestada.
Assim, enquanto os governos dos países industrializados podem se dar ao luxo de ponderar qual a tecnologia que fornecerá o melhor complemento a sistemas escolares com fundos suficientes, na América Latina os governos precisam determinar se a tecnologia gerará benefícios suficientes para justificar o sacrifício financeiro.
Segundo Claudio de Moura Castro, assessor principal do BID para educação, o custo dos diferentes tipo de tecnologia educacional tem implicações claras para seu êxito a longo prazo. Como exemplo, ele cita o Telecurso 2000, um popular programa brasileiro de educação a distância que oferece um currículo básico de equivalência de segundo grau para adultos. O programa apresenta mais de 200 horas de vídeo, com aulas de matemática, ciência, história e outras matérias básicas, mais uma série de livros didáticos ilustrados que podem ser adquiridos nas bancas de jornais por um preço acessível. Cada aula de quinze minutos é transmitida pela televisão várias vezes por semana em quatro canais de tevê, em horários convenientes para as pessoas que trabalham. A série completa também pode ser encontrada em videocassetes. Até o final de 1997, mais de 1,4 milhão de brasileiros assistiam aos cursos só na cidade de São Paulo.
"O currículo inteiro do Telecurso custou cerca de US$50 milhões para produzir", diz Castro.
"Parece muito, mas durante sua vida útil a série poderá ser usada por 5 milhões de estudantes. Isso representa um custo médio de US$10 por aluno."
Em comparação, um programa de computador para ensino que requeira que cada estudante passe algum tempo em frente ao computador implica custos fixos altos. "Um computador ainda custa em torno de US$3.000, incluindo periféricos e software", diz Castro. "Partindo do princípio de que o computador tem uma vida útil de cinco anos, mais US$300 anuais para manutenção, cada um custa US$600 por ano. Mesmo que se consiga fazer com que 10 alunos compartilhem cada computador, o custo ainda será de US$60 por aluno. Num país latino-americano típico, em que se gastam US$300 anuais por estudante em educação básica, os computadores exigiriam um aumento de 20% no orçamento."
A impossibilidade política de obter esse aumento contém o entusiasmo dos educadores que de outra forma abraçariam a causa de John Gage. "É uma ilusão tentar alcançar todas as escolas ou todos os alunos em curto prazo", escreveu recentemente Frederick Litto, fundador e coordenador científico da Escola do Futuro brasileira. A escola, com sede na Universidade de São Paulo e parcialmente financiada pelo BID, realiza pesquisas interdisciplinares sobre a aplicação à educação de novas tecnologias de comunicação.
Histórias exemplares
Mesmo que pudessem, os líderes educacionais da América Latina provavelmente não fariam um esforço extraordinário para informatizar todas as escolas. A razão, segundo Castro e outros, é que muitos desses esforços em larga escala decepcionaram.
Em meados da década de 80, por exemplo, os governos da França e do Reino Unido colocaram dezenas de milhares de computadores em seus sistemas escolares nacionais. Pesquisas realizadas no final da década mostraram que a maioria das escolas usava as máquinas esporadicamente, se tanto, e que praticamente nada tinha sido feito para adaptar o currículo tradicional de modo a utilizar os computadores como instrumentos de aprendizagem.
As pesquisas revelaram também vários problemas que em retrospecto parecem óbvios. Os professores não tinham sido adequadamente treinados para usar as novas máquinas e os horários sobrecarregados não deixavam tempo para que se familiarizassem com os computadores ou desenvolvessem planos de aula que os incluíssem. Muitos professores achavam que os computadores não se adequavam bem ao currículo, particularmente porque boa parte do software fornecido não era muito útil. Outros simplesmente não aprovavam a maneira como os computadores lhes tinham sido impostos por uma burocracia distante. Como resultado, alguns professores ignoraram as máquinas e continuaram a ensinar como sempre o tinham feito.
O treinamento de professores e sua aceitação são apenas dois dos fatores que podem salvar ou deitar a perder os esforços para uma educação com tecnologia centrada no computador (ver "O computador na sala de aula: dicas para o sucesso", nesta mesma seção). "É indispensável aprender com os erros do passado", diz Castro. "Se não o fizermos, corremos o risco de obter resultados fracos ou desastrosos que desmoralizam os proponentes, encorajam os cépticos e tornam os esforços subseqüentes ainda mais difíceis."
Apesar da atenção que cerca a revolução do computador, os governos da América Latina estão adotando uma abordagem cautelosa quanto à introdução de tecnologia na sala de aula. Por um lado, países como Brasil e México, que nos últimos 30 anos se tornaram líderes mundiais no desenvolvimento de programas de educação a distância pela televisão, estão se organizando com base no êxito desses esforços. O Telecurso 2000, que vem de gerações anteriores de ensino a distância no Brasil pelo rádio e pela tevê, está começando a desenvolver programas educativos pela Internet que complementarão seus livros de texto e suas transmissões de radiodifusão.
A Telesecundaria, organizada pelo governo do México, oferece um currículo completo para alunos de sétima, oitava e nona séries em remotas áreas rurais via satélite e é tão admirada que países vizinhos da América Central pediram permissão para transmitir suas aulas. Num esforço parcialmente financiado por um empréstimo do BID de US$171 milhões, aprovado o ano passado, o México está planejando ampliar a Telesecundaria para outras localidades, modernizar o equipamento de satélite e televisão, fornecer mais treinamento para professores e melhorar a avaliação de padrões e procedimentos.
Segundo Castro e outros especialistas em educação, faz sentido continuar dirigindo esforços para o ensino a distância pela televisão, mesmo com os computadores e a Internet ocupando as manchetes dos jornais. "Esse sistema permite levar os melhores professores, os mais criativos, ao maior número de alunos carentes, com um investimento em tecnologia comparativamente modesto que aproveita uma infra-estrutura existente. Essa é uma boa estratégia em países onde professores altamente treinados são raros e os recursos financeiros para novas tecnologias são extremamente limitados."
Dito isso, Castro está pronto a elogiar os esforços em andamento no Chile, Costa Rica e diversos outros países da região para introduzir gradualmente computadores e a Internet em escolas selecionadas. "Os programas mais eficazes começam com alguns poucos aplicativos simples, em escolas com professores e alunos altamente motivados, com idéias claras a respeito do que esperam alcançar com a tecnologia", disse ele. "Assim, com mais experiência, torna-se mais fácil melhorar e expandir o programa para outras escolas."