Para os que conhecem bem o litoral caribenho da Colômbia, o nome de Cartagena das êndias evoca instantaneamente imagens contrastantes. É impossível visitar este belo porto e centro turístico, lar de 850 mil colombianos, sem topar com os restos do que outrora foi uma fortaleza espanhola e um centro de comércio de escravos, antes de se transformar na primeira cidade colombiana a se declarar independente.Cartagena reúne qualidades únicas para sediar a reunião anual da Assembléia de Governadores do BID marcada para março, pois incorpora as aspirações e os desafios da América Latina como um todo.
Fundada em 1504, Cartagena sempre foi conhecida como o portão de entrada da região andina e o cenário natural para encontros internacionais e intercâmbios culturais. O BID reconheceu essa vocação no início dos anos 80, quando ajudou a financiar a construção do moderno centro de convenções de Cartagena. Localizado em frente à Muelle de los Pegasos, onde os navios negreiros atracavam há centenas de anos, o centro oferece todos os serviços e as instalações necessárias para atender a até 5 mil visitantes.
Embora Cartagena já fosse famosa por abrigar o concurso anual para a escolha da rainha da beleza da Colômbia e um dos mais famosos festivais cinematográficos da região, o novo centro de convenção de 1982 transformou a cidade em um local de cúpulas presidenciais, reuniões ministeriais e todos os tipos de conferências profissionais e técnicas.
"Antes da inauguração do centro, dispúnhamos de uma infra-estrutura muito limitada", lembra Moisés Alvarez, diretor do arquivo histórico de Cartagena e uma espécie de enciclopédia viva da cidade. "Eram poucas as companhias especializadas em serviços, de maneira que se tornava um desafio ." A partir de então, Cartagena ganhou grande experiência em hospedar eventos da escala da conferência quadrienal das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento e de uma cúpula das nações membros do Movimento dos Não-Alinhados.
Esse experiência justifica a confiança do prefeito de Cartagena, Nicolás Curi, de que a cidade estará mais do que preparada para atender às exigências de logística e segurança para a realização do encontro anual do BID. Mas Curi vê esse evento como mais que uma oportunidade para demonstrar a hospitalidade e os serviços de categoria mundial de Cartagena. Na verdade, ele considera a reunião como "uma oportunidade de fazer ver à comunidade financeira internacional as imensas necessidades da 'outra Cartagena'". Isso porque, ao lado das avenidas elegantes, das grandes mansões coloniais do setor histórico de Cartagena e dos reluzentes arranha-céus do seu distrito de Bocagrande, existem os bairros que resumem os desafios enfrentados por quase todos os centros urbanos da América Latina.
Problemas ambientais, desemprego, crime, pobreza, déficit educacional: os moradores de Cartagena podem debater as causas e as soluções para esses problemas, mas todos concordam com a sua urgência. Uma visita ao setor sudeste da cidade proporciona um exemplo completo desse quadro. Ao longo das bordas do Ciénaga de la Virgen, um enorme pântano em que são atiradas 60% das águas servidas de Cartagena, vivem milhares de famílias em condições precárias e insalubres, carentes de instalações médicas, escolas e outros serviços básicos. Muitas dessas famílias são originárias de Cartagena. Outras aí se estabeleceram para fugir da violência de que eram vítimas em outras partes do país. Cerca de 250 mil habitantes de Cartagena vivem em condições de "extrema pobreza", de acordo com as estatísticas oficiais. As 200 mil pessoas que vivem no setor sudeste de Cartagena compartilham de um único hospital. As crianças em idade escolar na mesma área enfrentam salas de aulas decadentes e superpovoadas: uma escola local tem 700 alunos e apenas dez professores.
Mas, se os problemas são graves, maior é a determinação dos habitantes de Cartagena de superá-los. O prefeito Curi fala com entusiasmo de um programa contra a fome que teve enorme sucesso. Grupos da sociedade civil e moradores das comunidades locais assumem um papel cada vez mais ativo nos esforços coletivos de busca de soluções. Na zona sudeste, por exemplo, uma força-tarefa local de segurança, integrada por policiais, bombeiros, funcionários municipais e líderes comunitários reuniu-se recentemente para planejar estratégias para lidar com o crime e a violência durante os grandes eventos públicos. E, se bem que Cartagena como um todo permaneça uma das cidades mais pobres da Colômbia, ela é também considerada uma das que mais progresso fizeram nas áreas da educação e do saneamento nos últimos anos.
Em última instância, são esses paradoxos que tornam Cartagena a anfitriã ideal para a reunião anual do BID. Ao mesmo tempo em que a história, a localização e os recursos da cidade -- para não falar da sua hospitalidade e de suas características de segurança -- fazem dela o ambiente perfeito para um importante encontro de peritos em finanças e desenvolvimento, a "outra Cartagena" lembrará aos participantes da conferência a seriedade e a urgência do seu trabalho.