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Desta vez, vamos fazer as coisas direito

A esmagadora perda de vida e os danos materiais causados pelo furacão Mitch produziram uma efusão de assistência internacional. Parte dela foi usada para ajudar as pessoas a atravessar a fase aguda emergencial. Muito mais do que isso será usado para reconstruir as economias devastadas daqueles países.

Como essa ajuda futura será usada? Se o resultado da reconstrução deixar esses países exatamente onde se encontravam antes do furacão, ter-se-á perdido uma grande oportunidade, sobretudo no caso de Honduras e da Nicarágua. Esses dois países já eram extremamente pobres. Uma história de guerra civil, intervenção estrangeira, revolução e ditadura deixou o sistema democrático extremamente fragilizado. Em suas instituições governamentais grassam o nepotismo, a corrupção e a ineficiência. O setor privado ainda modesto espelha as ineficiências e as práticas corruptas da esfera pública.

Esses países têm sido vítimas de catástrofes causadas pela natureza e pelo homem. Embora os desastres naturais não possam ser evitados, os seus efeitos são ampliados pelas ações das pessoas.

Como exemplo, depois dos terremotos de 1972-73 na Nicarágua, o ditador Anastasio Somoza, então no governo, afirmou que o evento era uma "revolução de oportunidade" porque abria caminho para investimentos maciços e para os fluxos de ajuda. Mas as "oportunidades" fluíram diretamente para os bolsos de Somoza e de seus apadrinhados e sete anos depois irrompeu outro tipo de revolução, dessa vez deflagrando uma guerra civil com o envolvimento dos Estados Unidos e da União Soviética. Hoje, decorridas duas décadas, o produto interno bruto per capita do país permanece no nível de 40 anos atrás.

Se desejamos a interrupção do ciclo dos desastres naturais e dos provocados pelo homem, a ajuda internacional terá que ser canalizada para esses países com um cuidado muito maior do que no passado. Conquanto não se possa condicionar a ajuda humanitária, a reconstrução de longo prazo deve partir da premissa de que os programas tradicionais de ajuda para reconstrução não funcionarão.

Sabemos, por exemplo, que boa parte dos danos causados pelo furacão se deveu ao desmatamento maciço. Portanto, a comunidade internacional deveria ajudar a promover planos de intenso reflorestamento nesses países e insistir na interdição supervisionada das exportações de madeira até a implementação de programas racionais de gestão florestal. O programa de reconstrução poderia incluir um componente substancial de ajuda internacional a ser convertido em conservação e restauração de recursos naturais.

A emergência atual não deveria levar a desvios no processo de fortalecimento das instituições democráticas, em particular daquelas que trazem ordem, segurança e confiança, como o judiciário e os órgãos de regulamentação. O pior quadro que se pode imaginar é o do aprofundamento da desconfiança dos cidadãos desses países em suas instituições democráticas provocada por uma gestão ineficiente e corrupta da ajuda. Igualmente, a ajuda monetária deve ser gasta onde as necessidades são maiores. Deve ser usada para a reconstrução dos distritos pobres, e não dos bairros da classe média e alta.

A reconstrução também deve ser uma ocasião para a racionalização das funções dos militares. Pela primeira vez na história, as forças armadas nicaragüenses e hondurenhas estão subordinadas à autoridade civil. Mas o seu arsenal ainda consiste em tanques e outras armas inúteis em uma sociedade democrática sem ameaças externas. Elas não têm escavadeiras para terraplenagem ou veículos de transporte. Equipar e treinar os exércitos e as polícias para trabalhar na reconstrução e na proteção dos recursos naturais ajudaria na consolidação de um dos aspectos mais sensíveis da transição para a democracia.

Finalmente, os recursos que estão entrando poderiam ajudar a avançar o processo de integração econômica e política da América Central. A destruição de pontes em Honduras e na Nicarágua interrompeu o comércio na região. O aumento da pobreza pode ampliar as levas já alarmantes de refugiados para a Costa Rica. Deveríamos aproveitar essa oportunidade para estabelecer autoridades supranacionais para o desenvolvimento de áreas fronteiriças; esses programas estão nas pranchetas dos planejadores há anos e são estrategicamente importantes para o desenvolvimento da América Central.

Estas são apenas algumas idéias. O nosso desafio é transformar a tragédia em oportunidade e fazer da necessidade virtude.

O autor é chefe da Divisão de Estado e Sociedade Civil do BID e ex-deputado do Parlamento nicaragüense. Este artigo foi adaptado de uma matéria publicada no jornal espanhol El País.

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