A América Latina e o Caribe sofrem, em média, 40 grandes calamidades naturais por ano. Somente na década passada, furacões, terremotos, deslizamentos de terra, enchentes e enxurradas de lava deixaram cerca de 45.000 mortos e milhões de desabrigados, custando à região perdas materiais de aproximadamente US$20 bilhões.
É humanamente impossível impedir a erupção de um vulcão, o choque de um terremoto ou a passagem de um furacão. Mas os fatos comprovam que, através de planejamento bem feito, o impacto dessas tragédias pode ser mitigado, reduzindo consideravelmente o número de vítimas, os danos ao meio ambiente, à infra-estrutura e às colheitas e o conseqüente desemprego.
Administrando o risco. Até pouco tempo, a cada calamidade seguia-se uma seqüência triste e previsível de eventos. Os governos dos países afetados mobilizam seus recursos sempre insuficientes e lançam apelos à comunidade internacional pedindo ajuda de emergência e fundos para reconstrução. Os mostos são enterrados, faz-se tudo para aliviar o sofrimento dos desabrigados, calculam-se os prejuízos e o ciclo recomeça. Em muitos casos, constroem-se estruturas pouco sólidas sobre os mesmos terrenos onde outras já foram destruídas e reconstruídas várias vezes.
"Todos os governos da região possuem algum tipo de gestão de risco – correta ou incorretamente, conscientemente ou não", diz Caroline Clarke, especialista do BID em prevenção de desastres e gestão de risco. "A decisão de tratar essas calamidades como simples situações de emergência, resultado de eventos imprevisíveis, sem priorizar a redução do risco, constitui política de desenvolvimento que tem implicações tanto para a sociedade como para a economia. As últimas catástrofes servem para nos lembrar que as tradicionais estratégias de gestão de risco fracassaram."
O horror da destruição causada pelo furacão Mitch em 1998 obrigou a uma mudança de enfoque. O BID, que colaborou maciçamente para com a recuperação e reconstrução dos quatro países atingidos (Honduras, El Salvador, Guatemala e Nicarágua), iniciou um esforço sem precedentes para chegar à raiz da vulnerabilidade a essas calamidades e incentivar uma mudança radical de políticas nacionais de prevenção e gestão de risco.
Segundo Clarke, é inútil recorrer eternamente ao endividamento para fins de reconstrução, deixando muito pouco para investir concretamente em desenvolvimento. "Quando se constata que grande parte da carteira de empréstimos do Banco em determinado país – programas de educação, saúde e urbanismo – é redirecionada para recuperação de serviços já existentes, percebe-se a insustentabilidade desse enfoque reativo", diz Clarke. "O Banco enfrenta o desafio de trazer a gestão de risco para o primeiro lugar na lista de prioridades de sua agenda para o desenvolvimento. Está decidido a ajudar os países a adquirir uma cultura de prevenção e a assumir compromissos que se traduzam em práticas correntes e rotineiras."
Ao final de 1998, o Banco adotou uma política operacional que equipara a prevenção de desastres naturais às atividades de reconstrução. Durante sua Assembléia Geral de 2000, o Banco apresentou um plano de ação contendo os elementos necessários para incorporar a gestão de risco às operações e projetos do Banco.
O calcanhar-de-aquiles do desenvolvimento. O impacto de catástrofes sobre o desempenho econômico e a pobreza, fora seus efeitos cumulativos de longo prazo, prejudica o desenvolvimento e o crescimento regionais. O furacão Mitch custou 16% do PIB da América Central em 1998 e 81,6% do PIB de Honduras naquele mesmo ano. Além disso, reduziu a taxa de crescimento econômico da região em quase 1% no ano seguinte.
Assim, não surpreende que os problemas que emperram o desenvolvimento nesses países são exatamente os mesmos que os tornam vulneráveis a desastres: crescimento urbano acelerado e desordenado; persistência da pobreza; degradação do meio ambiente; políticas públicas ineficientes e investimentos inadequados em infra-estrutura. Além do mais, acrescenta Clarke, prevenção de desastres e gestão de risco ainda são "uma novidade" para muitas autoridades governamentais da região.
A fim de interromper esse ciclo de vulnerabilidade, o Plano de Ação do BID propõe que os governos adotem uma estratégia baseada em medidas concretas, que incluem: planejamento do uso da terra e incentivos para construção de casas em áreas seguras; administração ambiental e de recursos naturais; obras civis para reforço de instalações públicas tais como hospitais, escolas, sistemas de abastecimento de água e viário; educação do público no uso de medidas preventivas; e programas que permitam a identificação e coordenação de serviços de atendimento emergencial.
Finalmente, é preciso que os sistemas financeiros nacionais estejam preparados para reagir prontamente no caso de calamidades públicas. Isso exige a elaboração de normas orçamentárias para contenção de prejuízos, preservando a estabilidade da situação fiscal do país durante a crise, uma política creditícia sólida e reservas internacionais adequadas. Deve haver instrumentos financeiros que possam custear medidas específicas, tais como manter as exigências de liquidez através das reservas legais, reestruturar a dívida e lançar mão de linhas de crédito emergencial. Essas medidas preventivas devem incluir ainda mercados de seguros dispostos a absorver parte dos riscos associados aos desastres naturais.
O futuro. Apesar da magnitude dos desafios, Clarke vê com bom grado as ações adotadas por diversos países no sentido de modernizar seus sistemas de gestão de risco. Alguns estão dividindo essas responsabilidades entre diversas instituições para que o problema seja tratado como algo mais do que simplesmente administração de situações de emergência. A República Dominicana, por exemplo, elaborou uma política nacional de gestão de risco e vem investindo em treinamento tanto para organizações públicas como privadas. Sob a égide do Plano Puebla-Panamá, iniciativa regional de desenvolvimento, os países meso-americanos estão planejando modernizar seus setores de seguros a fim de ampliar a cobertura dada a catástrofes.
Até pouco, a reincidência de calamidades naturais na América Latina e no Caribe era vista como coisa do destino, um mal que os povos da região tinham que aceitar. Os últimos acontecimentos mostram que esta atitude finalmente está sendo substituída pela convicção de que uma prevenção adequada pode romper o círculo vicioso de destruição e reconstrução. A sociedade civil está aprendendo que, nos locais onde as medidas certas foram adotadas, reduziu-se a vulnerabilidade. Ajudar a criar essa cultura de prevenção é um dos principais objetivos do BID. "Se as pessoas acreditarem que o mal tem remédio, vão exigir esse remédio", conclui Clarke.