Benedita da Silva nasceu há 57 anos com três fatores contando contra ela: o fato de ser mulher, negra e favelada. É uma fórmula que determinou o destino de muitos milhares de outras crianças nas favelas do Rio de Janeiro, confinando-as a vidas de pobreza: famílias desfeitas, má alimentação e ausência de água potável, baixa escolaridade, desemprego, sem esperança e sem futuro.
Mas Benedita da Silva venceu as adversidades e hoje é vice-governadora do Estado do Rio de Janeiro.
Ela cresceu na favela Morro do Chapéu Mangueira, uma aglomeração de barracos, esgotos a céu aberto e "ruas" cobertas de poeira ou lama, dependendo da estação. "Muito cedo eu senti na pele o que é ser mulher, negra e pobre", disse ela. Mas felizmente ela tinha uma família que lhe proporcionou afeto e esperança. "Isso me deu uma chance de lutar", diz ela, "para que o que estava acontecendo com meus amigos não acontecesse comigo."
Não foi uma luta fácil. "Eu me deparei com o obstáculo da boa aparência – que significa ser branca – e da inteligência – que significa não ser pobre. Mesmo que eu estudasse e tivesse as melhores notas, não era considerada inteligente. Desde cedo me deparei com preconceito e discriminação."
Adversidades assim teriam levado a maioria das pessoas a desistir por desespero, mas para Benedita da Silva estar cercada por problemas como esses significava oportunidades praticamente ilimitadas de ajudar os outros. Aprendeu a ler e escrever e a partir daí começou a trabalhar com a escola comunitária da favela Chapéu Mangueira na alfabetização de crianças e adultos. Campeã dos direitos da mulher, fundou uma associação de mulheres em sua favela e mais tarde o departamento feminino da Federação das Associações da Favela do Estado do Rio de Janeiro. Enquanto isso, encontrava tempo para trabalhar como auxiliar de enfermagem e completar o curso de Estudos Sociais na universidade.
"Militante intensa", como ela mesma se caracteriza, Benedita da Silva estava determinada a seguir uma carreira política. Em 1982, foi eleita vereadora e líder do Partido dos Trabalhadores na câmara municipal do Rio. Em 1986, foi eleita para o Congresso brasileiro, ficando conhecida como defensora dos direitos dos negros, indígenas e mulheres. Batalhou para inserir emendas à Constituição do país sobre inafiançabilidade de crimes raciais, licença de 120 dias à gestante, proibição de diferença de salários e direito das presidiárias de amamentar seus filhos.
Reeleita para a Câmara dos Deputados em 1990, concorreu em 1992 para a prefeitura do Rio de Janeiro, perdendo no segundo turno da votação. Em 1994 foi eleita para o Senado, sendo a primeira senadora negra no Brasil. Durante esse período, continuou a viver em sua casa no Morro do Chapéu, onde recebeu personalidades como Jesse Jackson, Desmond Tutu e Stanley Jordan.
Ajuda aos jovens.
Como vice-governadora do Rio, Benedita da Silva é responsável por programas que visam afetar positivamente aqueles a quem ela dedicou sua vida – os pobres, os negros, os favelados. Esses programas incluem 21 projetos que estão ajudando quase 150.000 jovens, entre eles uma iniciativa de que ela particularmente se orgulha conhecida como Vida Nova. No programa, cerca de 1.500 jovens em 50 comunidades recebem treinamento profissionalizante e um salário mínimo.Vida Nova, modelo de cooperação intergovernamental, utiliza os recursos e a experiência de 13 secretarias diferentes que fornecem uma ampla gama de serviços, incluindo assistência médica e jurídica.
Ela também se orgulha das realizações do estado na área da educação. O problema não tem sido fazer a criança chegar à escola, mas garantir que elas terão professores para ensiná-las. Assim, uma das prioridades da vice-governadora foi a contratação de mais de 3.000 professores. Assistência médico-dentária e merenda escolar dão às crianças carentes ainda mais razões para ir à escola.
O objetivo de todos esses programas, diz Benedita da Silva, é eliminar a injustiça e dar às pessoas a oportunidade de viver com dignidade. "Há pessoas que trabalham, que produzem riqueza, que ajudam as fábricas a dar lucros", diz ela. "Mas se esse trabalhador não tem uma casa decente para morar, não tem água encanada e esgoto, se ele vê crianças morrendo de desnutrição, ele vai se voltar contra a sociedade. Vai assaltar, roubar trabalhar para o tráfico de drogas. Uma gestão social que não percebe que esse problema existe é mentirosa."
Mas a vice-governadora não defende programas de doações. "O governo e as empresas precisam prestar atenção ao que as comunidades estão dizendo. Não há investimento, dinheiro ou obra que atinja bons resultados sem haver participação e interesse dos que serão beneficiados. Não acredito que as coisas possam ser dadas ou que caiam do céu", diz ela. "As comunidades precisam receber os meios para resolver seus problemas específicos mediante seu próprio trabalho."