O impensável aconteceu em outubro. As economias do "milagre" do Sudeste asiático, outrora consideradas símbolo de estabilidade, foram atingidas por uma série de ataques especulativos que derrubaram os mercados de valores locais - com exceção dos de Hong Kong e da China - e provocaram desvalorizações monetárias em massa. As moedas da Indonésia e da Tailândia perderam mais de 30% de seu valor e as da Malásia e das Filipinas sofreram declínios ligeiramente menores.
Pela primeira vez, uma crise do mercado de ações no mundo em desenvolvimento teve conseqüências verdadeiramente globais. Em 27 de outubro, o índice Dow Jones das companhias do setor industrial dos Estados Unidos apresentou a maior baixa de sua história em um único dia e os mercados da América Latina seguiram rapidamente o exemplo. Paradoxalmente, os primeiros relatórios sobre esses eventos apareceram no exato momento em que o BID convocava uma conferência sobre os prós e os contras do crescimento dos mercados de valores latino-americanos, sob o título de "O desenvolvimento dos mercados de capitais nas economias emergentes: obstáculos e precondições para o sucesso".
Embora os mercados de Londres e Nova York tenham registrado forte recuperação nas semanas que se seguiram ao craque de outubro, as bolsas latino-americanas, sobretudo as da Argentina e do Brasil, não conseguiram reconquistar uma fatia do terreno perdido. Mas, contrastando significativamente com as economias asiáticas, as desvalorizações monetárias constituíram a exceção na América Latina, e não a regra. Somente o México, em virtude de seu regime cambial flexível, experimentou uma desvalorização expressiva e que na verdade teve o efeito de tranqüilizar os mercados e estancar a queda da bolsa mexicana. Os outros países da região optaram por elevar as taxas de juros para defender as suas reservas em moeda forte e manter a estabilidade da taxa de câmbio.
Conquanto a queda de outubro do mercado de ações tenha ocorrido em um momento em que a economia global desfrutava de grande solidez, ela também se seguiu a um período de "exuberância irracional" nos mercados de valores de muitos países, para citar a opinião premonitória e amplamente difundida de Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve americano.
Em si, essa correção na tendência à supervalorização dos mercados acionários é saudável. O perigo está na reação dos governos, que podem responder alterando a política econúmica de forma aleatória, sobretudo quando suas economias se encontram vulneráveis sob os pontos de vista fiscal e financeiro, como é o caso de muitos países latino-americanos.
Felizmente, em sua maioria as economias da região são fortes, ou pelo menos estáveis, o suficiente para permitir que os seus dirigentes tomem as medidas necessárias de reajuste sem correr o risco de crises incontroláveis. Na época do choque, as taxas de crescimento econúmico apresentavam seus níveis mais elevados em duas décadas, fato que, política e socialmente, viabilizava os ajustes fiscais e monetários que se fizessem necessários. A inflação está sob controle em quase todos os países da região: a lembrança dos custos da instabilidade de preços ainda se mantém viva, e é amplo o consenso sobre as políticas antiinflacionárias que têm maior probabilidade de êxito. Com poucas exceções, as reservas internacionais em moeda forte são suficientes para assegurar a resistência a choques externos substanciais.
De maneira geral, à reação à queda do mercado foi animadora. No Brasil e no México, para citar dois casos particularmente significativos, a crise abriu novo espaço político para a discussão de reformas cruciais que até então vinham sendo postergadas. Por toda a América Latina, os eventos na çsia e os seus abalos secundários parecem ter relembrado aos governos, aos parlamentos e aos agentes econúmicos que os mercados de capitais são míopes e que os períodos de aparente prosperidade devem ser usados para reforçar as salvaguardas fiscais e financeiras contra crises inevitáveis.
*O autor é economista pesquisador sênior no Escritório do Economista-Chefe do BID.