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Contra todos os obstáculos

O plano que a Maple Gas Corp., de Dallas, Texas, levava a investidores em potencial parecia ter poucas possibilidades de sucesso. O ano era 1993 e a empresa estava propondo perfurar poços de gás numa remota área da selva peruana, controlada por subversivos antigovernistas. O gás alimentaria uma usina de energia elétrica a ser construída perto de uma cidade controlada por traficantes de cocaína. E tudo isso aconteceria num país que mal começava a baixar sua taxa de inflação para menos de três dígitos e ainda era considerado um pária na comunidade financeira mundial.

Além disso, as instalações propostas seriam construídas a leste dos Andes, o que significava que milhares de toneladas de equipamento e material teriam que ser embarcadas por cargueiro e viajar 3.200 quilômetros rio Amazonas acima, sendo depois transferidas para barcaças e levadas mais 800 quilômetros pelo rio Ucayali, durante os quatro meses da estação das chuvas, quando o rio fica suficientemente profundo para as barcaças, até alcançar seu destino. Daí, o equipamento seria levado de caminhão aos sítios do projeto por estradas de terra esburacadas que viram um lamaçal quando chove.

E o preço disso tudo? Um quarto de bilhão de dólares. Em suma, um projeto difícil de vender.

A idéia podia parecer quimérica, exceto pelo fato de que a justificativa econômica para o projeto era muito forte. A demanda de eletricidade do Peru estava crescendo 9% ao ano. O país necessitava desesperadamente de mais energia de baixo custo e o gás estava a apenas 2.500 metros abaixo do solo da selva. Calculava-se em menos de oito anos o prazo de reembolso do peojeto e o potencial de lucro era excelente.

Parecia uma oportunidade perfeita para a Maple Gas. A companhia tinha acabado de vender a maior parte de seus ativos nos Estados Unidos para concentrar-se em desenvolver empreendimentos novos e lucrativos no exterior. Ao mesmo tempo, o Peru começara a privatizar seu setor de energia e estava se preparando para abrir concessões para comercializar as reservas existentes de hidrocarbonetos. Entre as propriedades que estavam sendo licitadas estava o campo de gás de Aguaytía, que tinha sido descoberto pela Mobil Oil em 1961 na floresta a oeste de Pucallpa. O campo não tinha sido nunca desenvolvido devido ao alto custo de construção de um gasoduto para transporte dos Andes até as cidades costeiras do Peru.

Os executivos da Maple encontraram uma forma diferente de enfrentar o problema de trazer a energia do topo do poço ao consumidor. Propuseram construir uma usina de energia alimentada a gás em Aguaytía e estender as linhas de transmissão por sobre os Andes, imaginando que essaalternativa custaria bem menos do que um gasoduto.

Em 1993, a Maple fez um lance maior do que outras companhias num leilão público para ganhar uma concessão de 30 anos para desenvolver e comercializar o campo de gás de Aguaytía. Assim que os papéis da concessão foram assinados no começo de 1994, e muito antes que a Maple tivesse uma garantia de financiamento, a companhia começou a planejar a construção. De fato, a Maple estava tão confiante no êxito que começou a colocar a maior parte de seu dinheiro no projeto de Aguaytía.

A primeira coisa que a Maple fez depois que ganhou a concessão foi realizar testes nos poços perfurados no campo de Aguaytía 33 anos antes, para confirmar os resultados. Além disso, contratou um corpulento ex-comandante das forças especiais peruanas, Jorge Meza, para reunir uma equipe de segurança para proteger o pessoal trabalhando na área do projeto. Embora o governo peruano a essa altura já tivesse feito um grande progresso no controle das guerrilhas e do tráfico de drogas, a segurança ainda era um problema real.

"Era uma área de alto risco por causa dos subversivos", relembra César Valderrama, gerente de operações locais da Maple Gas. "Tínhamos praticamente um regimento de fuzileiros navais na área do poço. Parecia um campo de batalha. Estávamos cercados de soldados."

Meza e os outros recomendaram um programa de ação comunitária para desenvolver relações de longo prazo com os residentes próximos dos diversos sítios do projeto, evitando assim a oposição local que poderia atrasar a construção. A Maple mandou equipes médicas à vila para imunizar as crianças e ensinar higiene básica e a companhia patrocinou programas com as escolas locais.

EM BUSCA DE INVESTIDORES.

Os testes nos poços foram positivos: havia gás suficiente para alimentar uma nova usina de energia elétrica de 155.000 kw, bem como a usina já existente de Pucallpa, de 20.000 kw, por pelo menos 28 anos. Além disso, os líquidos do gás podiam ser processados e transformados em gás engarrafado para cozinha e gasolina para gerar lucros adicionais. A Maple tinha agora um projeto viável "integrado" de gás e eletricidade para vender a investidores potenciais.

Mas os investidores estavam céticos, particularmente quando viram as condições locais. Meza recorda um exemplo. "Levei um grupo de americanos pela rota das linhas de transmissão. Não passava um carro por ali há 30 anos. Tivemos que passar a noite num hotel paupérrimo no alto dos Andes. Estes eram investidores acostumados a hotéis de cinco estrelas, por isso eu lhes disse: ‘Hoje vocês passarão a noite num hotel com mais de cinco estrelas. Ficarão num hotel com todas as estrelas dos céus'."

Mas com o passar dos meses a solidez da proposta da Maple ficava cada vez mais aparente. Por volta de 1996, a companhia tinha conseguido juntar um grupo de investidores e banqueiros dispostos a investir um total de US$254 milhões no projeto, incluindo um empréstimo de US$60 milhões do BID. O acordo de financiamento era inovador e recebeu elogios de especialistas internacionais em financiamento de projetos. No Peru, o projeto era visto como uma justificativa do programa de privatização do governo. "Aguaytía é o primeiro ‘teste' no setor privado das reformas econômicas do Peru", declara o documento de empréstimo do BID.

A construção começou em agosto de 1996 e deveria ser completada em apenas 18 meses. Os empreiteiros teriam que pagar pesadas multas por cada dia de atraso das obras. A companhia contratou cerca de 2.200 operários. As condições de trabalho na selva eram duras: alta umidade, temperaturas de até 45o C, tarântulas e serpentes venenosas e temporais freqüentes e ruidosos que deixavam os caminhões e o equipamento cobertos de lama.

"Ou você pega um resfriado por causa do ar-condicionado, ou tem problemas de estômago por causa da água, ou ambos", conta Beat Naef, gerente de projeto da usina elétrica para a Asea Brown Boveri, firma suíça/sueca que ganhou o contrato "chave na mão", para entregar o projeto pronto, exceto pela perfuração do poço de gás.

O planejamento tinha que ser meticuloso devido à logística extremamente complicada. Se os geradores e transformadores gigantes e outras peças de equipamento e maquinaria pesados não fossem construídos e embarcados a tempo, não conseguiriam ser levados pelo rio Amazonas e Ucayali acima até Pucallpa antes que as águas baixassem a níveis não navegáveis.

O equipamento começou a chegar em janeiro de 1997. "Desembarcamos o último carregamento no último dia em que o porto de Pucallpa estava aberto", lembra Valderrama.

A partir daí, os geradores de 122 toneladas, os transformadores de 86 toneladas e o resto do equipamento tinha que ser desembarcado das barcaças e colocado nos caminhões para a árdua viagem até Aguaytía. Esse trabalho seria feito por um guindaste de 140 toneladas, que tinha sido trazido de Lima por caminhão em seis partes, uma viagem de 785 quilômetros que levara quatro dias.

Um caminhão especial com plataforma, 60 rodas e dez eixos (que só ele pesava 36 toneladas) foi trazido para transportar o equipamento mais pesado para os diversos sítios. Uma firma de engenharia dos Estados Unidos foi contratada para reforçar as 12 pontes da estrada de 164 quilômetros entre Pucallpa e Aguaytía. Quando saía muito caro reforçar a ponte, as equipes construíam desvios. Cada carregamento pesado levou cerca de uma semana para chegar a Aguaytía, movendo-se a apenas três quilômetros por hora. Só os custos de transporte rodoviário chegaram a US$3 milhões.

"Se estávamos levando um carregamento por caminhão e chovia, tínhamos que esperar horas até que a estrada secasse para podermos passar", conta Naef. Os 300 quilômetros de tubulação para gás natural e líquidos do gás natural e 400 quilômetros de linhas de transmissão elétrica foram estendidos ao longo das estradas existentes a fim de minimizar o impacto sobre o meio ambiente. Maple empregou um grupo de arqueólogos para assegurar que os sítios importantes não fossem perturbados pela construção de linhas de transmissão através dos Andes. Essas e outras medidas de proteção ambiental adicionaram US$10 milhões ao custo do projeto.

Em março deste ano, as operações de gás devem começar e uma das duas turbinas movidas a gás na usina de energia elétrica de Aguaytía deve começar a operar. Operações comerciais completas devem começar em 1o de abril.

"Os funcionários da Maple Gas tiveram que ser muito tenazes para conseguir vender este projeto aos investidores", diz Valderrama. "A maioria deles estava temerosa. Aguaytía foi um dos primeiros grandes investimentos privados do Peru."

Muita coisa mudou no Peru desde que a Maple Gas apareceu em cena. O país consolidou amplas reformas econômicas e se tornou uma atração para os investidores. Em 1997, a taxa de inflação caiu para 7% e o investimento estrangeiro privado direto atingiu US$7 bilhões, quatro vezes o nível de 1993.

O projeto de Aguaytía hoje parece um investimento excelente, não a aventura arriscada de cinco anos atrás. "Tornou-se um exemplo para outras empresas", diz Valderrama.

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