Christina MacCulloch
Investimentos em ciência, tecnologia e inovação são cruciais para que se possa competir na economia mundial, mas são também essenciais para melhorar a qualidade de vida das pessoas. De fato, é praticamente impossível conseguir um desenvolvimento eqüitativo, sustentável e integral nos dias atuais sem as contribuições apropriadas da ciência e da tecnologia.
O BID está promovendo um esforço renovado na área de inovação tecnológica que é um dos mais importantes desafios que hoje se apresentam para a América Latina. Ao mesmo tempo, a inovação tecnológica oferece à região uma oportunidade única de dar um grande passo à frente num mundo que está se tornando a cada dia mais globalizado e competitivo.
Em novembro de 2004, por ocasião de uma conferência regional de ministros de ciência e tecnologia, o BID e outros órgãos internacionais organizaram uma reunião em Lima, no Peru, sobre o tema “Financiamento e Prioridades em Ciência e Tecnologia na América Latina e no Caribe”. Também foram convidados para o encontro gestores de orçamento público, especialistas e representantes dos setores privado e acadêmico, com o propósito de identificar desafios, prioridades e opções relacionadas com o financiamento de ciência e tecnologia.
O Banco está planejando ainda um novo seminário para comparar as experiências latino-americanas e asiáticas em matéria de ciência, tecnologia e inovação, a ser realizado durante a Reunião Anual do Banco de 2005, no Japão. Dentro da perspectiva desse encontro, Carlos Jarque, gerente do Departamento de Desenvolvimento Sustentável do BID, falou com Christina MacCulloch sobre os desafios e oportunidades com que se deparam a América Latina e o Caribe nessa área.
BIDAmérica: O que aconteceu com o investimento em ciência e tecnologia na América Latina na última década?
Jarque: Em muitos países e setores, as pessoas reconhecem a importância da ciência e da tecnologia. Porém, quando se olha para o que tem sido feito em termos de ações específicas concretas, as iniciativas que estão sendo tomadas em muitas áreas deixam a desejar. Nem é preciso dizer que existem diferenças entre os vários países. Alguns fizeram avanços importantes no que se refere a instituições ou estruturas legislativas. Em outras áreas, como alocação de recursos, os avanços têm sido claramente insuficientes.
De maneira geral, os países latino-americanos e caribenhos não investem muito em ciência e tecnologia. Na maioria dos países da região, o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) varia de 0,1% a 0,6% do PIB, um número que não mudou significativamente nos últimos dez anos. Isso é muito pouco em comparação com os 2% a 3% investidos pelos países de alta renda. Mas mesmo se compararmos nossa região com outras, veremos que, por exemplo, o investimento conjunto de todos os países da América Latina e do Caribe mal chega à metade do que investe a Coréia do Sul nessa área. O impacto desses investimentos acumula-se ano após ano, de forma que ficamos com uma grande defasagem em nossas capacidades. Precisamos dar mais prioridade ao setor de pesquisa e desenvolvimento e aumentar o investimento privado nessas áreas, o qual, até agora, tem sido comparativamente muito modesto.
BIDAmérica: Qual é o tamanho da defasagem entre a nossa região e outras?
Jarque: As defasagens são significativas e resultam tanto do montante de investimento quanto do funcionamento dos Sistemas Nacionais de Inovação. Há vários números que ilustram isso. Por exemplo, os cientistas holandeses e suecos publicam, sozinhos, mais do que todos os cientistas da América Latina e do Caribe em juntos. Muitos de nossos pesquisadores são mal remunerados, não realizam pesquisas em áreas críticas ou estratégicas e costumam não ter muita ligação com o setor de produção.
Há também enormes defasagens em relação ao número de pessoas que trabalham em pesquisa e desenvolvimento. Estima-se que nos Estados Unidos cerca de 1 milhão de pessoas estejam trabalhando em P&D, em comparação com menos de 30.000 em nossos países. Nos Estados Unidos, há milhões de sites na web sobre P&D, enquanto em nossa região o total fica abaixo de 300. Essas diferenças também se refletem em áreas como o número de patentes e de empresas que se dedicam de maneira regular à inovação.
A capacidade de inovação começa com o sistema educacional. As conexões entre tecnologia e formação em ciência básica são cada vez maiores. No entanto, a qualidade de nossos sistemas educacionais precisa ser melhorada, especialmente nessas áreas. Por exemplo, os testes do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) conduzidos pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que nos permitem comparar resultados entre países, mostram que os estudantes latino-americanos e caribenhos que ficaram entre os 10% com notas mais altas estariam entre os 25% de nota mais baixa da Coréia. Essa também é uma grande defasagem que precisa ser levada em conta. Há múltiplos desafios.
BIDAmérica: Quais são as conseqüências econômicas e sociais da falta de avanço em ciência e tecnologia?
Jarque: Uma delas é a perda de competitividade. Muitas economias da região tornaram-se menos competitivas no cenário mundial, e isso se deve em parte a deficiências em ciência e tecnologia. Pudemos perceber isso muito claramente em nossa reunião em Lima. A subutilização de ciência, tecnologia e inovação limita a capacidade de produção, o retorno dos investimentos e a geração de empregos. É difícil competir num mundo de economia globalizada quando não se promove uma inovaçãopermanente , porque é ela que permite que se façam produtos capazes de oferecer um valor agregado maior.
Ciência, tecnologia e inovação também têm um impacto fundamental sobre o bem-estar social. Por quê? Porque preparam o caminho para avanços importantes em serviços de saúde, qualidade da educação e preservação do meio ambiente e dos recursos naturais.
A tecnologia até ajuda a democracia a funcionar, porque estimula a igualdade política entre os cidadãos. Aqui podemos lembrar as aplicações das tecnologias de informação e comunicação em processos eleitorais, em áreas que envolvam governo eletrônico e em processos que criam e disseminam uma ampla variedade de informações. Isso ajuda a criar sociedades mais informadas, mais conscientes e mais participativas.
A tecnologia influencia o crescimento econômico, o bem-estar social e o desenvolvimento político. Ela não deve ser vista com indiferença ou como um tema que só interessa a especialistas. Precisamos encarar a tecnologia como um componente fundamental do desenvolvimento.
BIDAmérica: É possível recuperar o terreno perdido numa área em que as mudanças ocorrem num ritmo tão alucinante?
Jarque: Outros já o conseguiram. Não existe só uma maneira de avançar com o desenvolvimento. Podemos dar um impulso extra em tecnologias importantes com aplicações inovadoras. De fato, já estamos vendo resultados claros em algumas áreas. Por exemplo, vemos a biotecnologia aplicada à agricultura tradicional, ou os telecentros rurais, ou a tecnologia de energia solar em regiões remotas, ou a telemedicina. Não é só uma questão de termos de investir mais. Precisamos também investir melhor, em áreas críticas e estratégicas que ofereçam uma vantagem competitiva para cada país da região.
BIDAmérica: O que o BID pode fazer para apoiar os países da América Latina e do Caribe?
Jarque: O BID sempre reconheceu a importância da ciência, tecnologia e inovação. Desde 1962, o Banco já direcionou mais de US$1,8 bilhão para essa área, e tem sido também uma das principais fontes de financiamento multilateral para setores como a educação superior. No entanto, a demanda regional por esses tipos de projeto vem caindo, e é por isso que o Banco está redobrando seus esforços. O presidente do BID, Enrique V. Iglesias, divulgou uma série de iniciativas destinadas a dar mais impulso a esse setor estratégico e a abordar os problemas com renovada energia. Temos uma nova estratégia (ver link à direita), que foi aprovada pela Diretoria Executiva, e o vice-presidente executivo reuniu um grupo interdepartamental que está finalizando um plano de ação. Estamos iniciando um diálogo objetivo e mais vigoroso com os países que estão envolvidos no planejamento e identificação de projetos de ciência e tecnologia. A Diretoria Executiva aprovou também um novo Subdepartamento de Educação, Ciência e Tecnologia, e temos novos fundos (como os fundos de cooperação técnica coreanos) que podem ajudar a apoiar essas atividades, além de outros instrumentos financeiros (o Fundo Regional para Tecnologia Agrícola, o Fundo Fiduciário italiano para Tecnologias de Informação e Comunicação para o Desenvolvimento etc.) e outros recursos do Banco.
O BID continuará a apoiar os países em seus esforços para incluir a ciência e a tecnologia em sua agenda política e dar-lhes maior prioridade, assim como para diagnosticar, analisar e avaliar os Sistemas Nacionais de Inovação e identificar desafios e oportunidades. O Banco também financia programas em áreas críticas e potencialmente estratégicas e apóia inúmeros projetos que tenham um componente tecnológico. Por fim, o BID ajuda a fortalecer a capacidade institucional, em especial nos países menores e mais pobres, e promove iniciativas regionais no campo da educação, ciência e tecnologia.
Essas são áreas em que o BID pode dar uma contribuição significativa para apoiar esses países, como reconheceram os ministros e representantes dos setores privado e acadêmico na reunião de novembro de 2004, em Lima. Eles assinaram uma declaração que define prioridades e compromissos e estabelece um novo grupo para lidar com os desafios comuns. Essa iniciativa foi resultado de um processo de diagnóstico objetivo e de um diálogo entre diversos setores.
BIDAmérica: Precisamos de uma mudança de paradigma?
Jarque: A ausência de um setor vigoroso de ciência, tecnologia e inovação nos diminui como região. Dado o tremendo crescimento da área de ciência e tecnologia e a necessidade de que se façam progressos contínuos, incorreremos em custos enormes se nos concentrarmos na mania de curto prazo, sem um plano. O custo disso retarda o crescimento econômico, mas também se faz notar na pobreza e causa uma perda geral no bem-estar.
A América Latina e o Caribe oferecem oportunidades imensas em matéria de ciência e tecnologia, pelos recursos naturais e humanos da região. Mas devemos fazer dessa área uma de nossas prioridades nacionais. Precisamos promover reformas estruturais, criar mais alianças e melhorar a coordenação entre os setores público, privado e acadêmico. Temos de fortalecer e reforçar as instituições, instituir sistemas de inovação melhores e fazer um esforço real para criar relações mais eficientes com o setor de produção. Precisamos redirecionar recursos e acumular uma massa crítica que impeça que os investimentos em tecnologia se tornem voláteis e dispersos.
O desafio é identificar as vantagens comparativas de cada país e da região e, então, alcançar o pleno potencial dessas vantagens, além de demonstrar o retorno econômico e social que cada país oferece e ter um olho crítico ao selecionar as áreas que receberão mais atenção. O que se faz necessário é um novo paradigma, um enfoque mais pragmático e uma mudança sistemática profunda na área de ciência e tecnologia.