- O Brasil está avançando na construção de um modelo de gestão fiscal gestão fiscal resiliente entre os diferentes níveis de governo.
- Os principais avanços a nível federal incluem a implementação de marcadores orçamentários verdes e o fortalecimento da gestão dos riscos fiscais.
- A grande oportunidade para os entes subnacionais, em especial os estados, é construir sobre as inovações do governo federal, de forma padronizada e robusta.
À medida que os fenômenos climáticos se tornam mais intensos e frequentes — com um aumento de mais de 50% na sua frequência na América Latina e Caribe (ALC) nas últimas décadas — torna-se imprescindível adaptar a gestão fiscal para enfrentar os desafios impostos por desastres naturais e a necessidade de adoptar formas mais sustentáveis de produção para preservar o meio-ambiente e garantir o bem-estar da sociedade.
Esse debate tem ganhado importância entre os governos, especialmente no Brasil, onde se implementa uma agenda de transformação ecológica, que inclui a construção de um modelo de gestão fiscal resiliente entre os diferentes níveis de governo. Esse tipo de gestão não somente ajuda aos governos a incorporar os riscos de desastres e de transição energética em seu planejamento, mas também possibilita que eles possam otimizar os seus escassos recursos para apoiar a transformação ecológica.
Neste blog discutiremos os principais avanços a nível federal na criação desse novo modelo de gestão fiscal e a oportunidade para escalar este tipo de gestão nos estados. Esse foi o principal tema de discussão de um seminário organizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no começo desse ano, que reuniu em Brasília especialistas do governo federal, secretários e representantes estaduais.
Os marcadores orçamentários verdes são peça-chave para que os governos possam dimensionar onde e como os recursos públicos estão sendo canalizados nessa agenda de transformação, pois permitem a classificação e quantificação das despesas relacionadas com a transição energética, a biodiversidade e a gestão de desastres.
Por exemplo, ajudam a responder perguntas como Quanto investe o governo em reflorestação? E em infraestruturas resilientes a inundações? Estes subsídios aos combustíveis fósseis estão em conformidade com a política ambiental?
O Ministério do Planejamento e Orçamento tem trabalhado na identificação destes tipos de despesas da União, já iniciada no marco da Agenda Transversal Ambiental no Plano Plurianual e nos orçamentos anuais, e aprofundada com o método desenvolvido nos últimos dois anos.
A metodologia utilizada é baseada na COFOG (Classificação das Funções de Governo), um padrão internacional que facilita a comparação de dados entre países e apoia a tomada de decisões políticas. Além de identificar e quantificar quanto do orçamento governamental é destinado a diferentes áreas de política, estes marcadores também possibilitam monitorar e tornar mais transparentes as despesas públicas e avaliar e melhorar a utilização dos recursos públicos
Se os marcadores ajudam a identificar recursos, a gestão de riscos fiscais tem como objetivo evitar que os desastres ambientais se transformem em crises econômicas prolongadas. A gestão destes riscos é crucial para lidar com dois tipos de desafios ligados ao meio ambiente: o primeiro são os riscos físicos, que abrangem danos à infraestrutura, perdas produtivas e custos emergenciais para a reconstrução quando acontecem desastres significativos; o segundo são os riscos de transição, que envolvem os impactos econômicos decorrentes da adaptação para uma economia menos dependente de combustíveis fósseis.
| Riscos físicos: A conta que já está chegando | Riscos de transição: o preço da transição |
Os riscos físicos envolvem danos diretos, como a destruição de estradas por inundações ou perdas agrícolas por secas. Exemplo 1: Para a ALC, a perda econômica anual média por desastres naturais foi de cerca de 1,7% do PIB nas últimas duas décadas (Alejos, 2018). Exemplo 2: O déficit fiscal aumentou em países de renda média e baixa em cerca de 0,8% e 0,9% do PIB por ano entre 2001 e 2019 devido aos riscos físicos (Alejos, 2018).
| Os riscos de transição estão relacionados com a receita tributária e os custos de adaptação. Exemplo 1: Com a redução do consumo de combustíveis fósseis, as receitas fiscais e não fiscais provenientes do petróleo poderiam cair potencialmente entre 25 % e 50 % do PIB total da ALC em 2022 (Solano-Rodríguez et al., 2019). Exemplo 2: Estimativas sugerem que o total de ativos encalhados poderia atingir de US$ 37 a US$ 90 bilhões de dólares na ALC (Binsted et al., 2020). |
Estudos e acesso à informação são essenciais para a gestão de riscos. No caso brasileiro, o governo federal produz relatórios periódicos sobre riscos fiscais, mas a metodologia utilizada ainda não incorpora totalmente os riscos relacionados ao clima, se baseando em dados históricos simples que não necessariamente refletem o contexto atual.
Atualmente o BID está apoiado a Secretaria do Tesouro Nacional mediante assistência técnica para fortalecer a medição deste tipo de risco, que deve incluir a colaboração entre dez ministérios (1) para promover total alinhamento entre bases de dados e estratégias de governo com a modelagem.
O modelo aplicado possibilita estimar o custo fiscal dos desastres naturais, que devem aumentar em frequência e intensidade, e da transição energética para que estejam propriamente considerados nas estimativas de riscos fiscais da União.
Os impactos sobre as finanças públicas e nível de dívida são calculados considerando o aumento de desastres naturais, perda de produtividade e os impactos de uma economia menos dependente de combustíveis fósseis em sete setores econômicos (2). Com uma boa quantificação desses riscos, o governo consegue equacioná-los em sua estratégia de sustentabilidade fiscal de médio e longo prazo.
Atualmente, os governos enfrentam o trilema de i) equilibrar compromissos climáticos, ii) manter a sustentabilidade fiscal e iii) viabilizar políticas públicas, exigindo uma visão holística e integrada para que as medidas de resiliência não comprometam a estabilidade econômica nem a capacidade de investimento em áreas essenciais.
No Brasil, muitas vezes a responsabilidade pela assistência à população afetada e investimentos em reconstrução na ponta recaem sobre os entes subnacionais. É imprescindível que os diferentes níveis de governo avancem em uma estratégia coordenada.
A grande oportunidade para os entes subnacionais, em especial os estados, é construir sobre as inovações do governo federal, de forma padronizada e robusta, contando com apoio técnico e lições aprendidas. Muitos deles já possuem planos e políticas estruturados, que devem ser o ponto de partida para a inclusão de novas metodologias.
Considerando todo o panorama, a grande lição é que a incorporação de princípios de resiliência e adaptação permite suavizar o trilema citado e aproveitar a oportunidade para redefinir prioridades, promovendo uma governança que não só responda a desastres naturais, mas também prepare o país para um futuro mais seguro, justo e resiliente.
Essa visão é parte da estratégia de trabalho do BID com o país. Nas últimas décadas, apoiamos a modernização da gestão fiscal do país através da linha de crédito Profisco, e as operações desenvolvidas recentemente nesse contexto têm sido um instrumento oportuno para implementar uma gestão fiscal mais resiliente com os estados e a União.
O interesse dos governos demonstrado durante o evento para avançar nas discussões sobre ferramentas inovadoras de política fiscal, como os marcadores orçamentários e a gestão de riscos, é um sinal promissor para o país.
*Também contribuíram Renata Motta Café e Maria Cristina Mac Dowell.
Notas de rodapé
(1) Além do MF, participam MPO, Meio Ambiente (MMA), Ciência e Tecnologia (MCTI), Desenvolvimento Regional (MIDR), Desenvolvimento (MDIC), Minas e Energia (MME), Agricultura e Pecuária (MAPA), Cidades e Transportes.
(2) Transporte, Indústria, Hidrogênio, Eletricidade, Resíduos Sólidos, Extração de Gás e Petróleo e Agricultura.