Nicole Keller
Nota do editor: A autora deste artigo foi a primeira colocada no Concurso de Bolsas BIDAmérica 2005. Ela estuda jornalismo na Pontificia Universidad Católica do Chile.
Às vezes Mónica Civilo demora horas para encontrar o tom perfeito de vermelho. Ela mistura as tintas, examina-as com atenção, experimentando muitas vezes antes de se decidir a passar o pincel na madeira.
Mónica pinta e projeta brinquedos, que seu marido produz na oficina de sua casa modesta no distrito La Florida, em Santiago. Dentro da casa, respira-se um certo ar natalin quebra-cabeças de madeira, palitroques , estantes para livros ou partituras musicais e até mesmo triciclos são parte da decoração. Os três filhos dos Civilos, que acabaram de chegar da escola, ajudam a mãe a separar e acondicionar os brinquedos em embalagens especiais.
A história dos Civilos é um modelo de sucesso e empreendedorismo, um desses casos que raramente alcançam os jornais ou revistas, mas são exemplos claros de como as pessoas podem ir longe quando realmente se propõem a isso. Mas nada chegou até eles com facilidade. Foi preciso superar as barreiras enfrentadas por todos os cidadãos de classe média e baixa no Chile: falta de crédito, apoio limitado e, acima de tudo, a falta de capacitação para administrar uma pequena empresa.
Obstáculos às microempresas. O Chile tem 1,2 milhão de microempresas que proporcionam empregos a cerca de 3 milhões de pessoas. Infelizmente, apesar desses números, essas empresas representam apenas 13% das vendas totais do Chile e mal chegam a 1% das exportações. Esses dados ganham maior significado quando associados a pessoas com aspirações e metas específicas. Dois milhões de famílias conseguem sobreviver graças a microempresas, como proprietários ou empregados. E num país em que a taxa de desemprego ainda está acima de 7% a importância dessa contribuição para o povo chileno não pode ser subestimada.
As microempresas têm um enorme potencial, mas recebem pouco apoio. Quando Mónica Civilo decidiu iniciar seu próprio negócio, viu-se em desvantagem por não ter acesso a financiamento, já que os bancos geralmente exigem que as empresas estejam em funcionamento ou que, pelo menos, ofereçam alguma garantia. Depois de conseguir juntar o dinheiro, porém, a família de fabricantes de brinquedos deparou-se com uma situação complicada. “Sabíamos como criar nosso produto, mas não tínhamos a menor idéia de como administrar o negócio”, lembra Mónica. “Não sabíamos escriturar os livros, estabelecer preços ou como aprender .”
Nasce um projeto paralelo. Aníbal Pinto, aluno do último ano da faculdade de Direito, achou que poderia ajudar a tirar pessoas da pobreza capacitando microempresários potenciais para administrar seus próprios negócios. Suas aspirações iniciais eram modestas. Ele recrutou quatro amigos e recorreu à prefeitura para que os pusessem em contato com pessoas que precisassem de assistência técnica. “Era divertido”, lembra Pablo Narváez, um dos primeiros instrutores. “Eles nos deixavam usar a cantina depois do horário de fechamento. Nós deslocávamos mesas, cadeiras e montávamos uma espécie de sala de aula.”
A iniciativa foi um sucesso, e tanto microempresários como autoridades ficaram surpresos com os resultados. Pinto foi expandindo seu campo de ação com a colaboração de mais amigos, até que um dia decidiu formar uma associação chamada “Acción Emprendedora”. O objetivo da iniciativa era dar apoio a pessoas que quisessem estabelecer negócios ou que tivessem idéias mas não soubessem como concretizá-las. Hoje, o que começou como um projeto entre amigos tem mais de 100 voluntários e já ajudou mais de 550 microempresários em todo o Chile.
Aperfeiçoamento do modelo. Com o tempo, o método para ajudar os microempresários foi sendo polido de forma a se ajustar às necessidades dos alunos. “A forma como montávamos as aulas evoluiu”, explica Narváez, atual presidente da associação. “Percebemos que não era muito eficiente oferecer um único curso para todos os alunos, porque seus níveis de conhecimento eram diferentes.” Isso levou ao desenvolvimento de dois tipos de curs o curso básico, para iniciantes, e o curso avançado, para aqueles que já tinham mais experiência.
Com o passar dos meses, ficou claro que alguns microempresários precisavam de uma assistência mais direta para detectar os pontos fortes e fracos de suas idéias de negócios. ? programa “tutor” foi criado em resposta a essa necessidade. Ele associa estudantes do último ano do curso universitário de administração a um microempresário por um semestre. Durante as reuniões semanais, o estudante-tutor e o microempresário analisam o andamento do negócio e discutem novas idéias para estimular o crescimento. “Colocamos em prática tudo o que aprendemos na universidade atendendo a pessoas que precisam desse conhecimento”, explica Gonzalo Russi, que foi tutor em 2005. “Dessa maneira, a experiência ajuda tanto a mim quanto ao empresário.”
Embora muitas microempresas possam se tornar mais lucrativas graças ao conhecimento que seus proprietários adquirem com as aulas e a orientação dos tutores, com freqüência é necessário um investimento inicial para desenvolver essas idéias. Como as pessoas que não têm garantias ou que não possuíam empresas anteriormente encontram dificuldade para conseguir empréstimos, a Acción Emprendedora faz a intermediação de microempréstimos com instituições especializadas em financiamento para microempresas.
O valor do contato pessoal. “Na Acción Emprendedora, ensinam-nos a valorizar o que fazemos, a sentir que somos importantes, a realmente acreditar que podemos fazer nosso destino”, diz Mónica Civilo. Além do que aprendeu sobre números e marketing, Mónica ressalta o contato com os voluntários que trabalham na associação. “Cada um dos membros nos valoriza como seres humanos, eles de fato se preocupam conosco. Eles me procuram, perguntam como estou me saindo, como vão os negócios com os brinquedos”, explica. Ela lembra também o apoio que sua família recebeu quando seu marido sofreu um grave acidente.
“O que nos faz diferentes de outras organizações similares é que tentamos dar às pessoas conhecimentos e fé em si mesmas, para que elas ousem levar adiante suas idéias”, diz o criador da Acción Emprendedora, Aníbal Pinto. Ao manter um contato próximo com os microempresários, a organização procura lhes transmitir confiança e segurança, para que eles se valorizem e compreendam que foram capacitados para progredir e que têm as habilidades necessárias para alcançar sucesso em seus projetos.
Melhora da qualidade de vida. Enquanto Cecilia Mora decora com chocolate branco seus alfajores feitos em casa, ela fala do importante papel que o tutor desempenhou no início de seu negócio de doces de chocolate. “O fato de alguém ter uma visão do que meu pequeno negócio poderia ser ajudou-me a mudar muita coisa… Eu sabia que meus doces eram saborosos, e mais nada”, explica Cecilia, apontando para os bombons que confecciona em sua própria casa.
O principal objetivo da Acción Emprendedora é superar a pobreza capacitando microempresários e, para isso, a organização se preocupa em medir os sucessos tangíveis de cada microempresário. Oitenta e seis por cento dos participantes dos cursos da Acción Emprendedora dizem que as aulas ajudaram a estimular sua produtividade, e 40% dizem que os novos conhecimentos possibilitaram um aumento de 40 a 80% em sua receita.
Além de beneficiar diretamente os participantes, as aulas e sessões com tutores ajudam a criar empregos locais. Trinta e seis por cento dos microempresários contrataram mais um funcionário depois de concluir o curso de capacitação da Acción Emprendedora. “Agora eu tenho duas pessoas da vizinhança trabalhando em minha loja”, diz José Pinto, que abriu em julho uma loja de frutas secas. “Acho que posso colaborar com minha comunidade fazendo isso.”
Em quatro anos, a Acción Emprendedora expandiu-se por toda Santiago e, a cada ano, cresce o número de microempresários por ela capacitados. O sucesso motiva seus membros a acreditar que esse modelo de associação possa ser instalado em outras partes do país, a fim de ajudar e ensinar pessoas que querem realizar seus sonhos e fazer do Chile uma nação de empreendedores.