Shirley Emerick
Manter uma fábrica de pão funcionando e com lucros – em pleno Recife Antigo,o centro histórico da capital do estado brasileiro de Pernambuco, pareceria uma aposta de alto risco.
No entanto, uma padaria foi a idéia que ocorreu a Timm Mendes quando ele chegou a Recife em 1998, vindo da Alemanha por meio de um programa de intercâmbio para estudar na Universidade Federal de Pernambuco. Um ano depois, ele abriu a Brotfabrik e jamais se arrependeu. O Recife Antigo, um bairro com prédios do período colonial que vinha sendo negligenciado até então, começou a atrair investimentos e a passar por renovações externas e, hoje, é um dos centros da vida econômica, cultural e social da cidade. “Isto aqui era um lugar quase morto, mas agora está se transformando numa área comercial muito interessante”, diz Mendes.
O negócio de Mendes foi beneficiado pela restauração de um dos 32 bairros históricos de Recife, numa iniciativa conjunta do governo brasileiro e do BID. O financiamento veio do Programa Monumenta, que conta com um orçamento total de US$125 milhões, para o qual o BID contribuiu com US$62,5 milhões.
O programa vai muito além de simplesmente conservar o patrimônio histórico do Brasil, e o Recife Antigo é a prova concreta disso. O Monumenta obteve fundos públicos para ajudar na restauração da igreja Madre de Deus, do século XVIII, e do edifício Chantecler, local de um famoso bordel na década de 1950. Esses dois projetos atraíram o interesse do setor privado. Ao lado da igreja, foi construído o Shopping Paço Alfândega, um enorme empreendimento para a área, com 116 lojas (incluindo as muito exclusivas Fause Haten e Alexandre Herchcovitch), oito cinemas e todo um andar de restaurantes.
Descobrindo uma rua colonial em Olinda.As escavações para o estacionamento do shopping são um capítulo fascinante, à parte, na história. As obras de perfuração revelaram um rico tesouro de artefatos históricos, entre eles antiguidades portuguesas e holandesas datadas dos séculos XVIII e XIX, que hoje estão expostos num museu dentro do shopping. Resgatou-se um total de quase 120.000 fragmentos, entre pedaços de tecido, recipientes de cerâmica, garrafas, colares e até mesmo uma lata de sardinhas da França.
No Chantecler, no passado um local luxuoso dos círculos boêmios, o trabalho avançou com muito cuidado, porque o edifício corria sério risco de desabamento. Sua estrutura estava quase desintegrada, e foi necessário um esforço tremendo para manter a fachada intacta. Depois de concluídas as restaurações, o prédio foi convertido num centro cultural, com um café-concerto e espaço para salas de teatro e cinema. “Não há casas de espetáculo suficientes para os turistas”, explica o diretor do projeto, Fábio Oliveira. A restauração custou R$8 milhões (cerca de US$2,6 milhões), dos quais R$3,5 milhões (cerca de US$1,2 milhão) foram contribuição do BID.
Mais do que restauração. Além de investir em áreas históricas, o programa Monumenta promove atividades econômicas e educacionais, além de capacitação e fortalecimento institucional. Esta última atividade é uma das contribuições mais destacadas do programa. “Os vários grupos que atuavam na conservação do patrimônio histórico trabalharam juntos em um contato muito próximo”, explica Ana Lucía Dezolt, a especialista do BID que está supervisionando o projeto. “Esses grupos incluem as prefeituras, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Ministério da Cultura.” Além disso, prossegue Dezolt, os municípios adquiriram um entendimento muito claro da importância de seu patrimônio histórico, o que é essencial para que se possa manter os investimentos que estão sendo feitos hoje.
O programa Monumenta participou de projetos em 17 cidades no Brasil e há outros seis em preparação. Cada município conta com um programa de capacitação personalizado para oferecer assistência técnica de qualidade aos órgãos encarregados de executar os projetos. Em alguns casos, como na cidade histórica de Olinda, também em Pernambuco, o programa chegou mesmo a exercer certo impacto ambiental, graças a projetos para melhorar o sistema de esgotos, limpeza de ruas e controle da erosão de encostas. Reconhecida como Patrimônio Histórico da Humanidade pelas Nações Unidas em 1982, Olinda recebeu financiamento do Monumenta para 18 projetos, entre eles renovação urbana, restauração de igrejas, recuperação de calçadas e iluminação.