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Mesma música com passos diferentes

As tentativas de generalização sobre o quadro econômico da América Latina parecem às vezes como as tentativas para tirar o ar de um balão. Quando um país está em boom, outro cai em crise ou necessita de correção.

É o caso da Argentina e do México. Ambos os países agora apresentam economias fortes, com taxas de crescimento impulsionadas por um rápido aumento das exportações e do investimento, que se saíram melhor do que a média regional de 3,6% do ano passado. Já se esvaiu a lembrança da fuga de capitais e da recessão que se seguiu à desvalorização do peso mexicano em 1994.

Mas enquanto esses dois países avançam decididamente, o Brasil, responsável por metade da população e da massa de terra da América do Sul, fica para trás. A moeda forte e os grandes déficits externos alimentam o receio de que o país pode estar prestes a enfrentar outra rodada de instabilidade monetária. E há o caso especial da Venezuela, onde o custo de vida aumentou 100% em 1996, comparados com a média regional de 11%.

É possível entender alguma coisa com essa diversidade de desempenhos? O crescimento desigual e as taxas de inflação se tornam mais compreensíveis se reconhecermos que os países passam por ciclos de reforma, expansão, correção e pós-correção, como descreve a edição de 1997 do relatório sobre o progresso sócio-econômico da América Latina. Os ciclos diferem em intensidade de país para país, mas o padrão continua semelhante.

Quando administrados corretamente, os ciclos não precisam causar alarme, diz o relatório. São processos naturais de evolução que acompanham os grandes esforços de estabilização e reforma. Os problemas surgem quando os ciclos e suas causas profundas são ignorados.

Políticas macroeconômicas sólidas reduzem a severidade dos ciclos. Mas se as políticas erradas são postas em prática e se as reformas necessárias são adiadas, aí então podem surgir os problemas.

PREPARANDO O TERRRENO

À primeira vista, alguns países parecem estar perdendo terreno quando de fato estão preparando a fundação para importantes melhorias.

A alta taxa de inflação da Venezuela em 1996 foi causada por uma estabilização econômica e um pacote de reformas que incluíam uma desvalorização acentuada e a eliminação de controles de preços e de câmbio. Este ano, a inflação da Venezuela, que começou com 100%, deverá estabilizar-se por volta de 30%-40%.

O programa de reforma do país, chamado "Agenda Venezuela", baseia-se em três mudanças fundamentais: reforma trabalhista, reforma das pensões e privatização.

No relatório do BID, a Venezuela é um estudo de caso de como não conseguir administrar cuidadosamente as repercussões de uma reforma de grandes proporções pode criar a necessidade de mais um programa de estabilização. O programa de ajustamento do país, que começou em 1989, terminou em 1994 com recessão, crises bancárias e a reimposição de controles cambiais. O período de instabilidade econômica que se seguiu poderia ter sido evitado se o país tivesse administrado com mais cautela o "boom" anterior induzido pela reforma.

CHILE: ACIMA DOS CICLOS

O Chile se destaca como um país que conquistou os ciclos. Começou suas reformas há mais de 20 anos e sua taxa de crescimento, que no ano passado alcançou 7%, é a mais alta da América Latina. Em 1996, a inflação caiu, os salários reais subiram 4,5% e a taxa de poupança do país é hoje de 30%. O Chile, agora, está muito menos vulnerável a choques econômicos, como quando o preço do cobre, a principal exportação do país, caiu o ano passado. A economia agüentou o baque e continuou em seu ritmo de crescimento.

DOIS REFORMADORES MADUROS

A Bolívia e o Uruguai estão também num estágio relativamente avançado do ciclo de reforma e ambos os países estão crescendo a taxas anuais de 4%.

A Bolívia recentemente completou programas de privatização e de reforma das pensões. Quando for completado o gasoduto até o Brasil, será dado um impulso à taxa de crescimento do país e a seus esforços de reduzir a disparidade da renda per capita em relação a seus vizinhos mais ricos.

O desafio do Uruguai consiste em manter seu atual programa de desindexação, reforma das pensões e enxugamento do governo. Apesar de sua relativa estabilidade, a inflação no Uruguai foi mais do que o dobro da média regional em 1996, problema que está sendo gradualmente corrigido.

O DESAFIO DO BRASIL

O Brasil enfrenta um conjunto diferente de desafios. O país está agora no terceiro ano de um processo de reforma que conseguiu reduzir a inflação de 5.000% em 1994 para 11% em 1996. O acentuado aumento do gasto interno que o país está vendo resulta num déficit em conta corrente que passou do equilíbrio em 1993 para 3,3% do PIB em 1997, sinal típico da fase de expansão no ciclo identificado pelo relatório do BID.

Uma ilustração da vulnerabilidade latente no ciclo de correção do país foi o comportamento do mercado de ações brasileiro, que reagiu com vendas maciças ao "efeito monção" causado pelos problemas monetários da Tailândia. Em comparação, a Argentina, o Chile e o México sentiram a crise financeira asiática num grau muito menor.

O Brasil reduziu os temores de uma crise bancária apertando o crédito, o que por sua vez esfriou a economia, reduzindo o perigo de uma abrupta oscilação cíclica mais à frente. O principal desafio para os formuladores de política é tratar do desequilíbrio fiscal que tem acompanhado a estabilização.

As perspectivas do esforço de reforma do Brasil continuam positivas. Com reservas de cerca de US$60 bilhões e um sério programa de privatização em andamento, o país está bem posicionado para completar seu processo de reforma e ao mesmo tempo manter taxas de crescimento tão boas ou melhores do que a média da região.

CAMINHO DIFÍCIL NOS ANDES

As economias da Colômbia e do Equador estão apresentando muitas das características associadas às fases de tensão e correção do processo de ajustamento. Os governos de ambos os países já aplicaram políticas para reduzir a inflação e levaram a cabo reformas estruturais significativas.

Como a população de ambos os países passou a dispor de mais haveres em moeda nacional, aumentaram os gastos, o que resultou num "boom" de empréstimos bancários. O investimento cresceu rapidamente, especialmente na Colômbia, onde novos campos de petróleo atraíram capital.

Mas em 1996 os empréstimos bancários diminuíram, a taxa de juros real subiu drasticamente e a demanda de investimento sofreu uma queda brusca. As autoridades dos dois países tiveram que corrigir os desequilíbrios fiscais ao mesmo tempo em que a demanda privada se enfraquecia, um duplo golpe para o crescimento econômico.

O desafio para as equipes econômicas do Equador e da Colômbia, diz o BID, será administrar a correção para minimizar a possibilidade de uma reversão econômica em grande escala.

CORREÇÃO NO PERU

Como no caso do Brasil, o Peru está tendo que pelejar com o excesso de gastos anterior e um déficit em conta corrente preocupante, de 6% do PIB.

A correção deverá ser de curta duração e a economia peruana está mostrando poucos sinais de tensão. A demanda monetária continua a crescer e os fluxos de capital permanecem altos. Mas há preocupação de que o Peru poderá experimentar um surto inflacionário de empréstimos bancários, tornando-se assim vulnerável a uma correção tão forte que poderia desestabilizar o sistema financeiro e desencaminhar outras realizações econômicas importantes. O crescimento do país deverá alcançar 4,5% em 1997, colocando-o a par com Argentina, Bolívia, México e Uruguai como um sólido parceiro no processo de reforma.

CICLOS NO CARIBE

A Jamaica é outro exemplo de reforma, "boom" e ciclo de correção. Quando a inflação do país atingiu 80% em 1991, o governo começou um programa de estabilização que cortou pela metade a subida dos preços no ano seguinte. A inflação agora é de 15%.

Como na Colômbia e no Equador, um aumento na demanda de depósitos bancários jamaicanos ajudou a financiar um surto de empréstimos internos que, por sua vez, apoiaram uma expansão da despesa interna que levou o déficit em conta corrente para perto de 8% do PIB em 1996.

A Jamaica hoje está passando por uma correção, marcada por taxas de juros reais altas, problemas no sistema financeiro e recessão.

COMO DOMAR OS CICLOS

O relatório do BID tira duas conclusões principais das experiências da região com o ciclo de expansão pós-reforma, desaceleração, correção e pós-correção.

Primeiro, os países no começo do estágio de expansão a seguir à reforma e estabilização deveriam adotar medidas preventivas para que a recuperação não provoque tensão financeira. A posição fiscal do país tem que ser suficientemente forte na expansão para que não surjam grandes déficits quando termine o surto, evitando assim a necessidade de uma contração fiscal desintegradora.

Segundo, o sistema bancário do país deveria ficar em observação durante o processo de reforma, recuperação e expansão. Se aparecerem fraquezas, o Estado deve intervir cedo para prevenir uma crise maior.

Se as correções forem feitas cedo e com decisão, as crises podem ser evitadas e as dinâmicas "cíclicas" que freqüentemente acompanham o processo de reforma se tornarão menos importantes, permitindo aos governos se concentrar na melhoria das perspectivas para o crescimento estável de longo prazo.
 

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