POR DIEGO FONSECA
A história do argentino Wenceslao Casares e dos negócios financeiros de base tecnológica foi contada tantas vezes quanto um clássico da literatura.
Em 1997 Casares, de 33 anos de idade, criou a Patagon, uma corretora online que foi vendida três anos depois ao banco espanhol Santander por US$528 milhões. Logo criou a Wanako Games, que também vendeu, mas para o conglomerado francês Vivendi. Então parou de vender. Em 2002, junto com outro ex-Patagon, o venezuelano Meyer Malka, fundou no Brasil o Lemon Bank, para oferecer correspondentes bancáriosn de baixo custo. Os ATM, instalados em mais de 6.100 padarias, postos de gasolina e farmácias, transformaram o Lemon na maior microfinanceira não tradicional do Brasil.
Casares agora divide seu tempo entre a Califórnia, Buenos Aires, São Paulo e Santiago, mas sua última criação está nos Estados Unidos, não na América Latina. Chama-se Bling Nation (BN) e é uma plataforma aberta para pagamentos de lançamento imediato pela mão da Meck, sua empresa de investimentos, e, outra vez, com o venezuelano Malka.
A BN, fruto de uma trajetória pouco habitual, ou seja, de um mercado em desenvolvimento para um desenvolvido, tem antecedentes no Lemon. O banco brasileiro, que já possui 20 milhões de clientes e faturará este ano um pouco mais que US$100 milhões em comissões, ensinou Casares a operar em mercados atomizados.
Assim, pôde dirigir o foco do Bling para os mais de 17.000 bancos pequenos existentes nos Estados Unidos. “Há entre esses pequenos bancos e os grandes uma enorme disparidade de recursos”, diz Casares. “Eles não têm departamentos de tecnologias de informação, sentem-se em desvantagem para inovar e prestar serviços tecnológicos e, por isso mesmo, perdem os clientes mais jovens, adeptos da tecnologia.”
Casares conversou com Diego Fonseca sobre a experiência do Bling Nation e seus paralelos e potencialidades com a América Latina e na América Latina.
O que define a oferta do Bling Nation?
Como nosso foco é no mercado americano, o produto envolve requisitos do lado do cliente que não são tão apropriados para a América Latina. A plataforma permite que qualquer instituição financeira, particularmente as pequenas, se aproxime de um público que não tem relação com bancos.
Agora, esse mesmo público é de uma geração que tem uma relação muito próxima com a tecnologia, em particular com o celular ou o iPod. O aparelho móvel é um canal interessante para desenvolver negócios, mas os bancos não sabem como abordar os jovens ou, por outro lado, que papel representarão as telcos vinculadas indiretamente ao negócio.
A plataforma do Bling Nation permite chegar a todos os clientes pelo celular e conectá-los independentemente da empresa telefônica ou aparelho móvel que usem. Controla serviços que vão da informação e pagamentos a praticamente tudo o que um banco oferece. Do banco, vão depender as opções que este quer oferecer.
No passado o banco móvel não conseguiu firmar-se porque, entre outras coisas, a tecnologia era cara e a banda larga, lenta. Isso já foi resolvido. Se amanhã, decidissem ir para a região, será que os consumidores estariam prontos para assumir todos os serviços de um banco móvel?
Sim. E embora haja muitos clientes que parecem preferir não manter relação com um banco, poderiam optar por ter esta relação se a oferta lhes chegasse no pacote correto. Vimos isso com o Lemon. Todos se perguntavam a mesma coisa na ocasiã o consumidor potencial está preparado para o serviço? A resposta também era sim, talvez as pessoas queiram um serviço bancário, mas de um modo distinto do oferecido pelos bancos tradicionais. Por isso, além da Geração Y, o outro público importante do Bling Nation é a massa de migrantes, pelo menos na primeira etapa.
Mas são modelos emuláveis na região? Algum projeto propõe o mesmo que vocês nos Estados Unidos?
Muito está ocorrendo no setor do banco móvel e, como em tudo, vários aspectos são pouco relevantes e há muita promoção, mas poucos são interessantes. No pagamento móvel acontecem fenômenos de consumo muito distintos nos pontos extremos. De um lado, os usuários mais ricos do mundo, na Ásia e Europa; de outro, África e América Latina. No meio, nada. Na África, em particular, há de tudo. Há ofertas de pouca sustentação e muita visibilidade nas conferências, mas há também o teste do Vodafone no Quênia, que é muito interessante e funciona bem. . Na América Latina, existem obstáculos regulatórios para que esse serviço seja adotado, mesmo sendo útil. Trata-se de carregar o celular com dinheiro, como se fossem minutos, e enviá-lo a outro celular, transformando o em cash. Trata-se de eletrificare deseletrificar cash, e agregar valor.
Vocês terão como clientes provedores de cartões pré-pagos. Isso também é reproduzível na América Latina, onde os pré-pagos de telefone são fundamentais?
O importante do público de pré-pago nos Estados Unidos é que ele passa pelo banco sem ter vínculos com o banco. Os cartões de banco pré-pagos são muito populares para um público com mais necessidades financeiras que o restante. Mas está situado num vácuo, não se vincula a nenhuma instituição e acaba não tendo capacidade para oferecer acesso a todas as informações e serviços . Pode servir para se ter acesso, mas não enquanto as egulamentações continuarem sendo importantes na América Latina.
De modo geral, as tecnologias são criadas em mercados desenvolvidos e decaem. É raro que cresçam, como ocorre com o Bling Nation, que aproveita a experiência do Lemon Bank.
É correto. O Lemon definitivamente nos habilitou para criarmos o Bling Nation. Sua plataforma nos fez pensar em maneiras de processar de modo mais eficiente os pagamentos em geral e em como usar os celulares para cobrir gaps nesses pagamentos. O que nos entusiasmou foi, além disso, o atraso dos Estados Unidos na relação móveis-pagos, o que é uma grande oportunidade.
O que adaptaram?
No Brasil tentamos usar a tecnologia para atingir um segmento de mercado que não se podia alcançar de forma lucrativa de outro modo. Esse back office pode ser usado para muitas outras coisas. Nós reconstruímos e americanizamos essa plataforma. Muitos princípios básicos são idênticos e nós os aprendemos no Brasil: como processar em tempo real, como evitar o custo, como aproveitar a informação e como fazer com que o usuário tire proveito dessa transação.
Que lições o Lemon levou ao Bling e quais o Bling poderia transferir para a região?
O celular é um meio ideal para se fazer conexão com clientes e serviços. Não é preciso ser um gênio para saber disso. A ciência, a parte difícil, está no modo como se estrutura o negócio. Agora, isso não ocorre mais rápido nem se cria mais valor ou se fazem mais negócios porque o ecossistema é muito complexo. São elefantes que se movem muito vagarosamente e não são os mais eficientes para implementar tecnologia em ambientes incrivelmente
regulamentados.
Os atores mais importantes são os bancos, tipicamente muito confortáveis com o dinheiro que ganham e sem a mesma agressividade que outros setores. Do outro lado as telcos, que também são monstros enormes. Tudo isso coberto por um grande manto, ainda mais complexo, de regulamentações.
Insisto, o banco móvel não é um problema de tecnologia. Essa é a parte fácil. O que se tem que resolver melhor é o ecossistema, as propostas de valor, os modelos de negócio. É isso que agregará valor para o cliente e para as instituições financeiras.